Caderno 2
Teatro. Com textos de Alcântara Machado, Drauzio Varella e José de Anchieta, Regina Braga reúne poesia e música em ‘São Paulo’
Solidão paulista
OS AUTORES
Leandro Nunes
Quando desembarcou em São
Paulo, a jovem Regina Braga
observou a cidade com um
pouco de receio, algo que se
confundia com fascinação. A
mineira deixou Presidente
Prudente, no interior de São
Paulo, para estudar na capi-
tal, e deitar raízes.
Nesta quinta, 12, ela estreia
São Paulo, no Teatro Unimed,
espetáculo que nasceu no dia
em que Regina pisou aqui pela
primeira vez. “Logo eu já esta-
va cercada de amigos e cheia
de sonhos para o futuro, e uma
história para contar”, diz em
entrevista ao Estado. “Tudo o
que eu sempre quis era sair do
interior. Fiquei assustada com
o tamanho da cidade, mas as
pessoas que conheci me fize-
ram sentir que eu era mesmo
dessa tribo.”
Para desbravar a selva de pe-
dra e seus moradores, a atriz
recorreu à obra do jornalista
Roberto Pompeu de Toledo,
autor de A Capital da Solidão,
em que o autor descreve a fun-
dação da principal cidade do
País, a partir dos três primei-
ros séculos, quando São Paulo
era ainda isolada do centro do
poder político. O livro segue
até o século 20 quando a cida-
de já despontava como grande
metrópole, lar de todas as cul-
turas. “É uma obra que abriu
meu entendimento para viver
aqui. Depois desse livro, sinto
que o passado de São Paulo
passou a fazer mais parte do
meu cotidiano”, afirma.
Além de A Capital da Soli-
dão, Regina se debruçou em
uma infinidade de textos e au-
tores que produziram crôni-
cas, poesias, romances e mate-
rial histórico a respeito da vi-
da na capital paulista, suas
transformações, o desafio da
violência, do crescimento da
desigualdade, o choque cultu-
ral e, claro, a correria diária.
São muitos: os modernistas
Alcântara Machado, Mário de
Andrade e Guilherme de Al-
meida, Paulo Prado, autor de
Retrato do Brasil, o poeta Cas-
tro Alves, o teatrólogo jesuíta
José de Anchieta, o cantor e
compositor Itamar Assunção,
o dramaturgo santista Plínio
Marcos, o poeta Paulo Bom-
fim, e o médico e escritor Drau-
zio Varella, marido de Regina.
“Dessa vez, não pedi ao Drau-
zio um texto novo. Recente-
mente ele escreveu sobre a pre-
sença de inúmeras espécies de
pássaros que vivem e visitam a
cidade. É uma chamada para
observar a natureza que conse-
gue se abrigar e desenvolver
nesta selva de pedra.”
A etapa de seleção dos textos
foi mais complexa, lembra a
atriz, que teve auxílio no rotei-
ro da diretora Isabel Teixeira,
parceira de Regina nos espetá-
culos Desarticulações e Agora Eu
Vou Ficar Bonita, com texto ori-
ginal de Drauzio. “São muitos
assuntos quando se pensa nu-
ma cidade desse tamanho”, diz
atriz. “A vida em São Paulo de-
pende de muitas coisas, como o
lugar em que você vive, sua famí-
lia, emprego, além da história
construída ao longo dos anos.”
O espetáculo tem uma crono-
logia bem regular, dividida em
três partes. A primeira, chama-
da A Terra, se volta às origens
da cidade com os escritores
que viveram a cidade no perío-
do da chegada dos colonizado-
res, até a formação da vila. A
seguir, a peça resgata a história
dos primeiros habitantes de
São Paulo, sensação definida
pelo escritor e compositor Jo-
sé Miguel Wisnik como “uma
das principais maneiras de ser
paulista é não ser de São Pau-
lo”. “É algo que grande parte
dos moradores sente, mesmo
que você tenha nascido fora da
capital”, afirma a atriz. Por últi-
mo, Regina chega ao tempo pre-
sente para cantar o crescimen-
to explosivo e os desafios
atuais de uma das principais ca-
pitais do mundo.
Em cena, a atriz replica um
procedimento cênico em que
conjuga a palavra com a musi-
calidade, quase sempre o sam-
ba e a música popular, como
foi na direção de ToTatiando,
com Zélia Duncan (leia abai-
xo). No palco do Teatro Uni-
med ela está acompanhada de
Vitor Casagrande, no cavaqui-
nho e bandolim, Alfredo Cas-
tro, percussão, e Guilherme
Girardi nos violões. “A gente
transforma alguns trechos
em canções, em outros mo-
mentos é pura música.”
Kristen Stewart
brilha em filme
‘Seberg Contra
Todos’ é biografia da
atriz Jean Seberg
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Música e teatro sempre ronda-
ram o talento de Regina Bra-
ga. No palco, estreou em 1984
Ó Abre Alas, no papel de Chi-
quinha Gonzaga, peça de Ma-
ria Adelaide Amaral, a partir
da biografia de Edinha Diniz.
Como estudante em São
Paulo, entrou para a faculda-
de de filosofia da USP, acom-
panhava artistas e músicos
de outros cursos até ingres-
sar na Escola de Arte Dramáti-
ca. “Fui descobrindo minha
vocação, ao mesmo tempo
que tinha chance de experi-
mentar o que a cidade tinha
para oferecer.”
Esse percurso musical de-
ságua na direção de ToTatian-
do (2011), com a cantora e
compositora Zélia Duncan
no palco em que adentra a
obra do cancioneiro Luiz Ta-
tit, acompanhada dos músi-
cos Webster Santos e Tercio
Guimarães. “Nesse caso, fize-
mos caminhos inversos, em
que as letras do Tatit vira-
vam textos dramáticos”, lem-
bra ainda Regina.
Um movimento que não
deixa de ser o início de uma
homenagem à capital, por
parte de Regina, já que mui-
tas canções do músico foram
inspiradas na vida paulista-
na. “São formatos que eu
sempre quis fazer, às vezes
experimentava, queria que
as canções e as palavras se
movimentassem livremente,
algo sobre história e música.
Agora, neste meu novo espe-
táculo, São Paulo é o grande
protagonista.”
O apreço pela memória e pe-
las palavras se estenderam no
monólogo dramático Desarti-
culaçoes (2013), da obra ho-
mônima da escritora argenti-
na Sylvia Molloy, em projeto
com parceria da diretora Isa-
bel Teixeira. Em cena, Regina
interpretava a própria Sylvia
diante do sofrimento de ver a
amiga, Maria Luiza, perder,
pouco a pouco, a memória.
Outro monólogo que a
atriz tem na manga desde
2011 e que deve voltar ao car-
taz, aponta para outra mu-
lher que vislumbrou a histó-
ria do País. Um Porto Para Eli-
zabeth Bishop, sobre a escrito-
ra americana vencedora do
prêmio Pulitzer e homenagea-
da na Flip de 2020. / L.N.
Serviço
No palco, o olhar das mulheres e a liberdade musical
SÃO PAULO
TEATRO UNIMED
ALAMEDA SANTOS, 2.159.
5ª, 6ª E SÁB., 21H. DOM., 18H.
ESTREIA 5ª (12/3).
R$ 90 / R$ 45. ATÉ 5/4
Samba.
Trio de
músicos que
acompanha
a atriz
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO - 10/8/2015
De Chiquinha Gonzaga
a Elisabeth Bishop,
Regina Braga faz do
palco um lugar para se
ver e ouvir histórias
Zélia
Duncan.
Regina
dirigiu a
cantora em
‘ToTatiando’
l José de Anchieta
Importante testemunho sobre o
período de colonização no Brasil
e da formação das primeiras vi-
las, como São Paulo
l Mário de Andrade
Modernista que descreveu a cida-
de na poesia de Pauliceia Desvai-
rada
l Itamar Assunção
Cantor e compositor da cena in-
dependente, durante a Vanguar-
da Paulista, entre 1979 e 1985
ROBERTO SETTON
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C1 QUINTA-FEIRA, 12 DE MARÇO DE 2020 ANO XXXIV – Nº 11591 O ESTADO DE S. PAULO
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