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A8 Política QUINTA-FEIRA, 12 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
WILLIAM
WAACK
V
iver no mundo da fantasia po-
de ser uma delícia, até trom-
bar com a realidade. Não im-
porta o que o presidente brasileiro
acha que seja a situação internacio-
nal e doméstica – se é uma fantasia
induzida pela “grande imprensa” ou
uma dura realidade de perdas econô-
micas graves. O fato é que também
no Brasil a atmosfera política está
contaminada pelo medo de reces-
são e da doença do coronavírus.
O presidente ignora o óbvio: é a
percepção que importa, e a percep-
ção crescente aqui e lá fora, que o
gogó dele ou de qualquer outro não
controla, é a de que não vem coisa boa
por aí. Essa percepção foi extraordina-
riamente exacerbada pelo famoso im-
ponderável, aquele fator na política
que nunca se sabe qual será, a não ser
que acontecerá. É o caso da atual crise
internacional, que muitos analistas
previam, corretamente, que seria de-
corrência de fatores geopolíticos (nes-
te episódio, não foram guerras, mas co-
ronavírus e petróleo).
É o imponderável que torna tão arris-
cado qualquer tipo de aposta contra o
tempo, e foi exatamente a aposta feita
pelo governo Bolsonaro e seu time de
economia, que conta com algumas das
melhores cabeças técnicas do setor,
mas enfrenta dificuldades imensas
com a política (que mal compreende
ou não sabe operar). A aposta foi mui-
to semelhante à de outra boa equipe de
economia, a de Temer: a de que o tem-
po traria uma melhora sensível na eco-
nomia e, em decorrência, um ambien-
te propício a discussão e aprovação de
reformas estruturais.
Neste ponto é razoavelmente segu-
ro afirmar que também a aposta atual
não está dando certo. A pressão políti-
ca, em sentido amplo, criada por esse
difuso mas amplo sentimento de “coi-
sa boa não vem por aí” contamina o
comportamento de todos os atores re-
levantes. Vozes influentes no Con-
gresso abraçaram o discurso do “so-
cial” e pretendem que o governo ado-
te políticas de estímulo frente ao de-
sempenho da economia. Desempe-
nho que Paulo Guedes tem razão de
chamar de “normal” diante do decli-
nante PIB potencial brasileiro, mas es-
tá longe do desejável – portanto, de
atender às questões sociais.
A resposta do governo veio por
meio de um ofício ao Congresso enu-
merando um catálogo formidável de
medidas encaminhadas ou que serão
brevemente submetidas ao Legislati-
vo, apontado pelo Executivo como o
grande bloqueador das reformas ne-
cessárias para destravar a economia. A
pressão aumentando explica em parte
o rompante de chamar “o povo” às
ruas (a fantasia do mito) e denunciar
“fraudes” (a fantasia da manipulação
das urnas eletrônicas) – ações que aju-
dam a aumentar a pressão.
Olhando o grande quadro, é depri-
mente constatar que o País permanece
longe de se livrar de um dilema que
piorou nos últimos anos: como gastar
e investir, melhorar a produtividade,
enfrentar os graves problemas so-
ciais e, ao mesmo tempo, não per-
der a âncora fiscal? O ceticismo que
pauta o comportamento de diver-
sos agentes nos setores de política e
economia se prende a um raciocínio
simples: a situação fiscal dos entes
da Federação brasileira só vai piorar
com a previsível queda de arrecada-
ção trazida pela situação atual e a
daí resultante necessidade iminen-
te do Executivo de ter de contingen-
ciar o Orçamento.
O que só deve tornar mais ácido
ainda o panorama político, pois é
bastante razoável assumir que o go-
verno, para preservar confiança em
geral e fiel aos postulados da equipe
econômica, vai ter de cortar ainda
mais quando a gritaria (legítima e
bem fundamentada ou não) é para
gastar. Voltando a falar do tempo,
ele trabalha contra, e não a favor do
governo Bolsonaro, surpreendido
pelo imponderável. E enredado nas
próprias fantasias.
Aposta na fantasia
Pedro Venceslau
Tulio Kruse
Políticos estão por trás de mo-
vimentos que organizam
uma manifestação contra o
Congresso e em defesa do pre-
sidente Jair Bolsonaro. Em al-
guns casos, usam a estrutura
dos seus gabinetes para divul-
gar o ato e atacar opositores.
Um dos principais organiza-
dores da manifestação, o gru-
po Movimento Conservador,
funciona dentro do gabinete
do deputado estadual Dou-
glas Garcia (PSL) na Assem-
bleia Legislativa de São Pau-
lo, no que está sendo chama-
do de versão paulista do “ga-
binete do ódio” da Presidên-
cia da República.
O presidente do movimento
é Edson Salomão, chefe de gabi-
nete de Garcia. Assim como o
parlamentar, ele é ligado ao de-
putado federal Eduardo Bolso-
naro (PSL-SP). Segundo denún-
cia feita à Justiça de São Paulo
pelo deputado federal Junior
Bozzella (PSL-SP), que rompeu
com a família Bolsonaro, a atua-
ção do escritório de Garcia é si-
milar ao do gabinete que funcio-
na no terceiro andar do Palácio
do Planalto e abriga os assesso-
res responsáveis pelas redes so-
ciais de Bolsonaro, o “gabinete
do ódio” original. Preocupados
com a atuação do grupo, deputa-
dos estaduais já trabalham para
instaurar na Assembleia, na se-
mana que vem, uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (C-
PI) sobre fake news.
Outras duas organizações
bolsonaristas que estão convo-
cando as manifestações são di-
retamente ligadas a parlamenta-
res que apoiam o presidente. O
Movimento Avança Brasil tem
como um de seus principais qua-
dros o deputado federal Luiz
Philippe de Orleans e Bragança
(PSL-SP), enquanto o Nas Ruas
é liderado pela deputada fede-
ral Carla Zambelli (PSL-SP).
Essa estrutura orgânica é ali-
mentada pelas declarações de
Bolsonaro, que tem usado os
atos para pressionar o Congres-
so a abrir mão do controle sobre
parte do Orçamento. Com ação
majoritariamente virtual, os
grupos bolsonaristas também
estão por trás dos ataques nas
redes sociais contra adversá-
rios do governo.
Na semana passada, uma re-
portagem do portal UOL reve-
lou que uma das páginas utiliza-
das para ataques virtuais e para
estimular o ódio contra supos-
tos adversários do presidente
foi criada a partir de um compu-
tador localizado na Câmara dos
Deputados. A página, chamada
Bolsofeios, também foi registra-
da a partir de um telefone utili-
zado pelo secretário parlamen-
tar de Eduardo Bolsonaro,
Eduardo Guimarães.
Em suas redes sociais, o Movi-
mento Conservador fez uma
ofensiva sobre outros organiza-
dores dos atos para que não se-
jam apresentadas demandas
além da defesa do presidente.
“Qualquer outro grupo que
apresente pautas diversas tem
o único objetivo que é dispersar
a manifestação”, escreveu Salo-
mão, no último dia 23.
CPI. Na Assembleia de São Pau-
lo, a CPI das Fake News foi pro-
tocolada pelo deputado Mauro
Bragato (PSDB). A iniciativa
conta com apoio expressivo
dos deputados, inclusive da
oposição. “Isso aqui parece a far-
ra do boi. Tem deputado fazen-
do fake news contra outros de-
putados”, disse Carlos Pignata-
ri (PSDB), líder do governo na
Casa, que questionou a atuação
do gabinete de Garcia. “É triste
que se use dinheiro público pa-
ra ficar no Twitter batendo em
todo mundo.”
O Estado apurou que a banca-
da do PSL indicou Gil Diniz e
Janaína Paschoal para integrar
a comissão. Garcia foi indicado
como suplente. A bancada do
PT deve ter uma cadeira no cole-
giado. As indicações ainda preci-
sam ser homologadas pela presi-
dência da Casa. Sem partido, Ar-
thur do Val fez uma autoindica-
ção para integrar a CPI. “Como
líder (do Patriota), quero partici-
par para que não ocorram arbi-
trariedades. O que é fake news?
Defendo a liberdade de expres-
são”, disse do Val.
Ao menos um deputado da
oposição ouvido pelo Estado
defende que Garcia seja convo-
cado para prestar esclarecimen-
tos sobre a possibilidade de no-
tícias falsas terem sido dispara-
das de seu gabinete. “A CPI po-
de ter um papel importante, até
porque a eleição do ano retrasa-
do foi um processo muito com-
plicado. Hoje sabemos que o
uso de ‘fazenda de bots’ foi im-
pressionante”, disse o deputa-
do Paulo Fiorilo (PT), indicado
para a comissão.
Ontem à noite, o plenário da
Assembleia Legislativa apro-
vou um projeto de lei que torna
mais duras as penalidades para
quem produz ou compartilha
notícias falsas. O texto estabele-
ce multa de R$ 2,7 mil para
quem compartilhar fake news
no território do Estado de São
Paulo, e R$ 5,5 mil para os res-
ponsáveis pela notícia falsa.
Além de Janaína e Diniz, a ban-
cada do partido Novo se decla-
rou contra o projeto.
O projeto, que é de autoria do
deputado estadual Edmir Che-
did (DEM), agora segue para
sanção do governador.
Justiça. Após a denúncia feita
pelo deputado federal Junior
Bozzella na semana passada, o
Tribunal de Justiça de São Pau-
lo determinou ao Facebook a
quebra do sigilo de computado-
res usados para disseminar
ofensas e notícias falsas relacio-
nadas a ele e a outros parlamen-
tares que deixaram de apoiar o
presidente.
Ao examinar de onde parti-
ram as mensagens, os advoga-
dos do parlamentar chegaram a
um provedor público de São
Paulo ligado à Companhia de
Processamento de Dados do Es-
tado de São Paulo (Prodesp), a
estatal responsável pelo proces-
samento de dados para todo o
governo de São Paulo e suas res-
pectivas estruturas, entre elas a
Assembleia Legislativa.
“O deputado deveria usar seu
gabinete para atender a popula-
ção em vez de fazer orquestra-
ções políticas. Há uma tropa mi-
liciana fazendo ataques virtuais
contra diversos deputados”, dis-
se Bozzella ao Estado. Procura-
dos, Edson Salomão e Douglas
Garcia não responderam até a
conclusão desta edição.
A imprensa brasileira sofreu qua-
se 11 mil ataques diários pelas re-
des sociais, uma média de 7
agressões por minuto, segundo
o relatório Violações à Liberdade
de Expressão, da Associação Brasi-
leira de Emissoras de Rádio e Te-
levisão (Abert), em parceria
com a consultoria Bites. É a pri-
meira vez que o levantamento in-
clui um capítulo sobre os ata-
ques virtuais. O estudo mapeou
4 milhões de postagens negati-
vas contra a imprensa brasileira
no Twitter em 2019, equivalente
a 10% de tudo o que foi produzi-
do no ano sobre a área de comu-
nicação profissional no Brasil.
O maior volume de críticas no
ano passado veio de perfis e sites
classificados como “mais conser-
vadores”. Estes foram responsá-
veis por 3,2 milhões de posts, mé-
dia de 9 mil ataques por dia, 6
agressões por minuto, segundo o
estudo. “Repórteres que publica-
ram matérias críticas ao governo
se tornaram alvos de ataques vir-
tuais, promovidos por robôs e
apoiadores governistas”, diz o do-
cumento. Já perfis e sites associa-
dos à esquerda foram responsá-
veis por 714 mil posts no ano pas-
sado, média de 1,9 mil ataques
por dia, ou 1 agressão por minuto.
Outro relatório, Redes Sociais
e a Mídia em 2019, produzido pe-
la Bites, aponta que dos 5.
posts publicados pelo presiden-
te Jair Bolsonaro ano passado,
432 posts tinham críticas, insi-
nuações e advertências sobre o
trabalho dos veículos e jornalis-
tas. / BIANCA GOMES
Mudanças na percepção da crise
são mais rápidas que capacidade
do governo de entendê-las
l‘Tropa miliciana’
Políticos integram grupos que convocam manifestações; na Assembleia paulista, estrutura de escritório é usada para divulgar protesto
Direto com o proprietário: 11 99762-
Estudamos carência para instalação
Andar alto
Segurança 24 horas
Elevadores modernos
Controle de acesso
5 vagas de garagem
Imprensa sofre 11 mil ataques diários nas redes
Funcionário. Edson Salomão trabalha na Assembleia Twitter. Movimento convoca para atos e defende Bolsonaro
“É triste que se use dinheiro
público para ficar no
Twitter batendo em todo
mundo”.
Carlos Piganatari (PSDB-SP)
LÍDER DO GOVERNO NA ALESP
“Há uma tropa miliciana
fazendo ataques virtuais
contra diversos deputados.”
Junior Bozzella (PSL-SP)
DEPUTADO FEDERAL
‘Gabinete do ódio’ em SP chama para atos
Estrutura. Gabinete do deputado Douglas Garcia (PSL-SP), de onde assessor comanda o grupo Movimento Conservador
REPRODUÇÃO / TWITTER
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