O Estado de São Paulo (2020-03-13)

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A10 SEXTA-FEIRA, 13 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Metrópole


Paula Felix


Fabiana Cambricoli


O Centro de Contingência pa-


ra o Coronavírus do governo


do Estado de São Paulo infor-


mou ontem que já há trans-


missão comunitária da doen-


ça em território paulista e


afirmou que projeta para os


próximos meses pelo menos


460 mil infectados pela co-


vid-19 no Estado, contando


os casos assintomáticos. Até


ontem, São Paulo contabiliza-


va 42 dos 77 registros confir-


mados da doença no País, se-


gundo dados do Ministério


da Saúde.


O Estado de São Paulo defi-


niu três cenários de números de


infecções para que a rede públi-


ca se prepare para um aumento


de demanda no sistema de saú-


de. O cenário menos grave esti-


ma que 1% dos 46 milhões de


habitantes do Estado será con-


taminado, resultando nas 460


mil pessoas mencionadas aci-


ma. Já o cenário mais pessimis-


ta projeta 10% dos paulistas in-


fectados, o equivalente a 4,6 mi-


lhões de indivíduos.


“No enfrentamento (do sur-


to), o que se objetiva é o trata-


mento dos doentes graves e tra-


balhamos com cenários. Eles


vão desde 1% da contaminação


da população até 5% e 10%. Es-


ses cenários são repassados ao


secretário (estadual da Saúde),


que demanda aquilo que é preci-


so: número de leitos, investi-


mento, custeio e recursos hu-


manos. São Paulo tem 46 mi-


lhões de habitantes, 60% disso


tem atendimento exclusiva-


mente do SUS e, em cima disso,


tem todo o planejamento”, dis-


se o infectologista David Uip,


coordenador do centro de con-


tingência, responsável por apre-


sentar as estimativas em entre-


vista coletiva ontem.


Ao explicar as projeções, o in-


fectologista destacou que se tra-


ta de cenários desenhados para


diferentes situações que po-


dem ocorrer no Estado com a


disseminação do vírus. Mas, pa-


ra o que chamou de “primeira


onda” da infecção, a proposta é


ter 1,4 mil leitos de UTI extras


para receber os pacientes (mais


informações nesta página).


Sobre os altos números da


projeção, Uip diz que fala de es-


timativas para todo o período


da epidemia. “Não é para hoje


nem amanhã, é para os próxi-


mos meses. O mundo vai ter no-


vos países e números novos de


casos”, disse. Ele destacou que


a maioria desses infectados, cer-


ca de 80%, não precisará de


atendimento hospitalar pois te-


rá apenas sintomas leves. Os ou-


tros 20% precisarão de interna-


ção, segundo as estimativas.


Tal proporção de casos (1% a


10%) ainda não foi observada


em países que já vivem um sur-


to mais severo, como China e


Itália. Mas as estatísticas ofi-


ciais geralmente não incluem


os casos assintomáticos, cujo


diagnóstico é mais raro.


O infectologista disse ao Es-


tado que as projeções foram fei-


tas por epidemiologistas, consi-


derando tanto dados de pande-


mias passadas, como a de gripe


H1N1, entre 2009 e 2010, quan-


to a evolução do surto de coro-


navírus em outros países, além


de estudos científicos publica-


dos. Ele não detalhou como os


cálculos foram feitos.


O coordenador do centro de


contingência destacou que não


é possível estimar qual dos três


cenários estimados é mais pro-


vável porque ainda não se sabe


o comportamento do vírus no


Brasil. “Cenários são estimati-


vas. Pode acontecer 1%, 2%, 5%,


10%. Tem um fato novo que nós


precisamos aprender: como é


que esse vírus vai se comportar


em um país tropical no verão e


entendendo que, daqui a pou-


co, estaremos no outono. Eu


não consigo dizer hoje se vai ser


1% ou 10%”, explicou.


Ele disse que a projeção pode


mudar caso nos próximos me-


ses seja descoberto um trata-


mento para a doença. “No final


de abril deveremos ter os pri-


meiros resultados dos medica-


mentos que estão sendo testa-


dos. Se tivermos um bom resul-


tado, esses cenários mudam


completamente.”


Transmissão comunitária. So-
bre a circulação do vírus no Esta-

do, Uip diz que já é possível afir-


mar que há transmissão comu-


nitária pelo histórico das pes-


soas que vêm sendo diagnosti-


cadas. “Já está havendo trans-


missão comunitária porque pes-


soas que não viajaram e não tive-


ram contato com indivíduos sa-


bidamente com coronavírus po-


sitivo estão com resultados po-


sitivos.” Apesar do cenário preo-


cupante, o governador João Do-


ria (PSDB) afirmou que ainda


não há recomendação para can-


celamento de eventos públicos


(mais informações ao lado).


Mateus Vargas / BRASÍLIA


O Ministério da Saúde deve di-


vulgar hoje novas orientações


nacionais sobre o novo corona-


vírus, incluindo medidas “não


farmacológicas”, que podem in-


cluir sugestão de cancelamento


de eventos ou para que pessoas


idosas ou com doenças crôni-


cas evitem contato social. “Va-


mos discutir essas medidas


com secretarias estaduais”, dis-


se o secretário de Vigilância em


Saúde, Wanderson Oliveira.


O ministério não adiantou


quais iniciativas serão recomen-


dadas, mas disse que Estados de-


vem começar a repensar o calen-


dário de cirurgias eletivas, que


são mais simples e agendadas.


“Queremos interferir em indica-


ções de cirurgias eletivas. Não


vamos colocar paciente dentro


do hospital. Não tem razão para


ir ao hospital e entrar em conta-


to com o novo coronavírus”,


afirmou o secretário executivo


da pasta, João Gabbardo.


Para reforçar o atendimento


à população, o ministério ainda


lançou um edital com 5.811 va-


gas para profissionais com regis-


tro médico (CRM) do Brasil


atuarem nos postos de saúde,


por meio do programa Mais


Médicos. Das vagas ofertadas,


44,5% (2.588) são para as capi-


tais. O governo federal ainda


corre para implementar o pro-


grama Médicos pelo Brasil.


Oliveira disse que a lei de qua-
rentena e isolamento, regula-

mentada por portaria ontem,


prevê restrições a uma área


grande, como cidade ou Estado,


ainda que não haja discussão so-


bre essas medidas no momen-


to. Ele explicou que os gestores


locais devem determinar qual


será a abrangência. “A medida


deve ser adotada por no máxi-


mo 40 dias, podendo se esten-


der pelo tempo necessário”, ex-


plicou. Oliveira disse que puni-


ções para quem se recusar a rea-


lizar quarentena ou isolamento


estão previstas em lei e a aplica-


ção será caso a caso.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lEspecialistas ponderam que


projeções de cenários sobre o


coronavírus têm limitações. “Pro-


jeções de médio e longo prazo


podem servir como análise de


cenário, caso nada seja feito tan-
to no País quanto fora. Mas tem

por base a premissa de que o


Brasil seguirá padrão similar ao


de outros países, o que não ne-


cessariamente é verdade. Fato-


res sociodemográficos podem


afetar a dinâmica de propaga-


ção”, diz Marcelo Gomes, pesqui-


sador em saúde pública do Pro-


grama de Computação Científica


da Fiocruz. Ele e outros especia-


listas participaram na semana


passada de evento na Universida-


de Estadual Paulista (Unesp) pa-


ra analisar como esses estudos
ajudam a entender a doença.

Os pesquisadores afirmaram


na ocasião, e reafirmaram agora,


que não é possível ainda fazer


projeções específicas da popula-


ção a ser afetada. Para Gomes, o


risco de projeções é tirar o foco


de decisões a tomar e há “enor-


me incerteza associada”. “Proje-


ções de nossos modelos são de


que casos continuarão aumentan-


do, principalmente fora da Chi-


na", disse a matemática Sara Del


Valle, do Laboratório Nacional


Los Alamos (EUA). Mudanças no
comportamento, diz, “são cru-

ciais para reduzir a carga no sis-


tema de saúde”. / GIOVANA GIRARDI


Estado tem transmissão comunitária e


projeta pelo menos 460 mil infectados


Governo paulista estuda cenários em que contaminação atinge 1%, 5% e até 10% da população. Para o que chamou de ‘primeira onda’ da


infecção, a proposta do coordenador estadual, David Uip, é ter 1,4 mil leitos em unidades de terapia intensiva para receber os pacientes


Uip anuncia mil


leitos de UTI;


600 da Prefeitura


Mais procurado, SUS só tem 44% dos leitos de UTI do País. Pág. A11 }


Projeções de casos


têm limitações,


dizem especialistas


GOVERNO SP

Informação. Os gestores cobraram que a população se informe mais sobre a doença e não use máscaras sem necessidade


Diante do aumento de casos do
novo coronavírus, o governo de

São Paulo anunciou ontem que


vai solicitar recursos para a cria-


ção de mil novos leitos de UTI.


Segundo a gestão estadual, se-


rão comprados também respira-


dores, luvas e máscaras.


“São leitos que estão prontos


e precisam ser habilitados pelo


Ministério da Saúde. Estamos


solicitando recursos para a com-


pra de aparelhos, insumos e con-


tratação de pessoal. Há uma


pandemia em desenvolvimen-


to. Isso é um planejamento ne-


cessário para aquilo que enten-


demos que é a primeira onda,


que deve durar de quatro a cin-


co meses”, explicou David Uip,


coordenador do Centro de Con-


tingência para o Coronavírus


do Estado de São Paulo.


Desses leitos, que ainda não


têm a estrutura de uma UTI,


600 são da Prefeitura e 441 são
da rede estadual. Segundo Uip,

em um primeiro momento o Es-


tado necessita de 1,4 mil leitos e


a solicitação inicial de recursos


será de R$ 250 milhões. O coor-


denador diz que São Paulo tem


7,2 mil leitos de UTI e, ocorren-


do a liberação dos recursos, a


oferta será gradativa. “O tempo


da demanda é: quanto antes ti-


vermos, melhor.”


Alguns hospitais de referên-


cia estão sendo preparados pa-


ra o cenário de emergência. Um


andar inteiro do Hospital das


Clínicas de São Paulo já estaria


com seus 75 leitos de UTI reser-


vados para doentes com infec-


ção pelo coronavírus.


Os gestores estaduais cobra-


ram que a população se infor-


me corretamente sobre a


doença. “Não vamos distri-


buir máscaras para a popula-
ção, porque não tem efeito ne-

nhum”, disse o secretário de


Estado da Saúde, José Henri-


que Germann.


Outra orientação foi para que


a população idosa e com doen-


ças crônicas evite locais com


aglomeração. “A recomenda-


ção é para que se poupe e seja


protegido”, disse Uip. Segundo


o governador João Doria


(PSDB), o Estado não vai ado-


tar medidas preventivas desne-


cessariamente, porque isso in-


terfere na vida das pessoas.


“Nossas decisões não são políti-


cas, são sanitárias.”/ F.C. e P.F.


MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Governo discute com


secretarias estaduais


iniciativas como


‘afastamento social’ para


idosos e doentes crônicos


Ministério deve sugerir adiamento


de cirurgias eletivas e viagens


Cautela. ‘Não tem razão para ir ao hospital’, diz secretário

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