%HermesFileInfo:A-12:20200313:
A12 Metrópole SEXTA-FEIRA, 13 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Giovana Girardi
Diante da falta de remédio espe-
cífico e de vacina para combater
o novo coronavírus – além do
risco de se sobrecarregar o siste-
ma de saúde –, o esforço de cada
indivíduo, em particular, e da co-
munidade, como um todo, pas-
sa a ser fundamental para con-
ter a dispersão da covid-19. A
mensagem que médicos e auto-
ridades de saúde têm reforçado
diariamente é que a população
tem de fazer sua parte.
E o que isso significa? O prin-
cípio básico é não apenas se pro-
teger, mas também evitar que
outras pessoas possam se conta-
minar, principalmente as mais
vulneráveis.
Isso porque muitos casos da
doença são leves ou até assinto-
máticos, de modo que é possí-
vel acabar transmitindo sem
nem perceber. Um jovem com
sintoma leve, que ache que só
tem um resfriado, pode acabar
contaminando um idoso mais
fragilizado. O problema é que a
covid-19 em pessoas com mais
de 80 apresenta uma taxa de le-
talidade de mais de 20%.
As medidas mais básicas vêm
sendo ditas à exaustão, mas não
custa repetir: lavar as mãos
constantemente, tossir ou es-
pirrar tampando o rosto com a
parte interna do cotovelo, evi-
tar beijos e abraços e aglomera-
ções. Mas, sempre que possível,
o ideal é mesmo promover o dis-
tanciamento social.
A recomendação é cancelar
reuniões, congressos, eventos
que não sejam imprescindíveis.
Evitar ambientes fechados e
cheios, como cinemas, teatros e
até mesmo os locais de traba-
lho, fazendo home office. E fi-
car muito atento ao próprio cor-
po. Quem tiver sintomas leves e
puder, tem de ficar em casa.
Em vários países que já apre-
sentam uma epidemia mais
consistente, o início do proble-
ma foi rastreado a situações de
aglomeração, como um culto
religioso na cidade de Daegu,
na Coreia do Sul, e uma confe-
rência de uma multinacional
na cidade de Cambridge, nos
Estados Unidos.
“De um modo geral, quantas
vezes as pessoas correm para o
hospital quando ficam com
uma gripe? Quase nunca, né? E
muitas vezes ainda vão traba-
lhar. Agora têm de ficar em casa.
Cada pessoa que tiver manifes-
tação clínica tem responsabili-
dade de não propagar a doença,
de não colocar ninguém em ris-
co”, afirma Rivaldo Cunha,
coordenador de Vigilância em
Saúde e Laboratórios de Refe-
rência da Fiocruz e professor da
Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul.
A situação muda, claro, se a
pessoa apresentar um quadro
mais sério, como dificuldade de
respiração, febre muito alta.
Mas do contrário é melhor não
ir para os hospitais.
Especialistas em modelagem
matemática de epidemias indi-
cam que quando a população
adere às medidas de contenção
de uma doença, a curva de no-
vos casos pode sofrer um “acha-
tamento”. O princípio é que a
dispersão do vírus em uma po-
pulação que foi pega de surpre-
sa é diferente do que ocorre
quando todo mundo age a fim
de evitar a doença – seguindo as
recomendações das autorida-
des de saúde, o quadro pode mu-
dar. A Organização Mundial da
Saúde tem citado como exem-
plo positivo o caso da Coreia do
Sul, que, apesar de ter chegado a
cerca de 8 mil casos, conseguiu
estabilizar a expansão da doen-
ça com medidas de contenção. A
população aderiu às medidas de
cuidados e controle.
Vacina da gripe. Isso vale até
ao se precaver contra outras
doenças que podem confundir
o sistema, como a gripe co-
mum. Por isso é importante que
todo mundo tome a vacina con-
tra a doença quando ela estiver
disponível. Com isso, não só se-
rá mais fácil distinguir pessoas
com coronavírus como vai evi-
tar que pessoas contaminadas
com gripe também necessitem
de atendimento médico.
NO BRÁS, A MODA
AGORA É USAR
MÁSCARA
Isabela Palhares
Pelo menos 590 mil estudan-
tes em todo o País já tiveram
aulas suspensas como forma
de evitar a transmissão do no-
vo coronavírus, segundo le-
vantamento feito pelo Esta-
do. Apesar de o Ministério da
Saúde não ter recomendado a
interrupção das atividades,
escolas e faculdades anuncia-
ram a medida ontem.
Primeira universidade públi-
ca a anunciar a suspensão, a Uni-
versidade Estadual de Campi-
nas (Unicamp) informou on-
tem que interromperia as ativi-
dades de 13 a 29 de março. A ava-
liação da reitoria é a de que as
próximas duas semanas serão
as de maior potencial de propa-
gação do coronavírus. No fim
da tarde, a Unicamp comuni-
cou que poderia rever a decisão.
Segundo o reitor da Uni-
camp, Marcelo Knobel, a deci-
são de suspender as aulas foi to-
mada após a avaliação de um
grupo técnico. “Ainda não te-
mos caso em Campinas ou na
Unicamp, mas dentro desse
quadro precisamos ser pruden-
tes para diminuir a circulação
do coronavírus. Aulas, grupos
de pesquisa e outras atividades
presenciais podem contribuir
para que a doença se espalhe”,
disse. A Universidade de São
Paulo (USP) não informou a
suspensão de atividades, ape-
sar de ter um caso confirmado –
um aluno da graduação de Geo-
grafia. Segundo a USP, a Unida-
de de Vigilância em Saúde do
Butantã monitora as pessoas
que tiveram contato mais próxi-
mo com o estudante. Nenhuma
apresentou sintoma da doença.
Sete faculdades particulares
também suspenderam ativida-
des. Cada instituição adotou a
medida por um período espe-
cífico, que varia de 2 a 14 dias. O
Insper, por exemplo, só anun-
ciou a paralisação para ontem e
hoje. A Fundação Armando Al-
vares Penteado (Faap) decidiu
fechar por uma semana, com re-
tomada das atividades no dia 23
de março, mesmo prazo defini-
do pela Escola Superior de Pro-
paganda e Marketing (ESPM).
Já a Universidade Estadual
Paulista (Unesp) suspendeu
temporariamente todas as ativi-
dades do programa Universida-
de Aberta à Terceira Idade – o
grupo dessa faixa etária é consi-
derado o mais vulnerável. Ativi-
dades de ensino, pesquisa e ad-
ministrativas estão mantidas,
mas a instituição recomendou
o cancelamento de eventos no
câmpus de São Paulo. A Unesp
também determinou que estu-
dantes, professores e funcioná-
rios que tenham voltado do ex-
terior façam quarentena de 14
dias antes de retornar à universi-
dade. Para servidores, o perío-
do de isolamento será conside-
rado de “efetivo exercício”.
Colégios. Duas escolas particu-
lares de São Paulo já haviam pa-
ralisado atividades após regis-
trar casos da doença entre alu-
nos ou pais: Colégio Vera Cruz
e Avenues. A Escola da Vila, por
sua vez, decidiu abolir bebedou-
ros. No Distrito Federal, o go-
vernador Ibaneis Rocha (MDB)
decidiu suspender as aulas em
toda a rede pública e privada.
População tem papel importante
para evitar disseminação
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Publicação que circula na internet sobre supostos
casos de coronavírus na região alimentou temor
lRecomendações
O Ministério da Educação
(MEC) montou uma comissão
para avaliar a situação e pensar
em recomendações para escolas
e universidades do País.
Unicamp paralisou atividades por duas semanas; pelo menos 7 particulares também fecharam, por um período que varia de 2 a 14 dias
lTodos juntos
Há semanas, Benjamim Mara-
nhão, de 4 anos, vê fotos de pes-
soas com máscara no jornal que
os pais leem e questiona o moti-
vo. Os pais contaram sobre o no-
vo coronavírus e a importância
de reforçar hábitos de higiene
para se proteger da doença. Con-
tar sobre a doença foi fácil, ago-
ra o casal pensa em como expli-
car a ele caso as aulas na escola
sejam suspensas.
“Não quero que fique alarma-
do, mas acho importante que
ele saiba o que está acontecen-
do. A paralisação das aulas pode
ser difícil já que vai ficar longe
dos amigos, muito tempo em ca-
sa”, contou Tatiana Maranhão.
Ela é professora universitária e
trabalha a maior parte dos dias
em casa. Por isso, ficaria com o
menino no caso de interrupção
na escola Jacarandá, em Higie-
nópolis. “Minha preocupação
vai ser manter um clima de nor-
malidade para ele dentro do que
for possível.”
O médico veterinário Eduar-
do Henriques, de 48 anos, tam-
bém já pensa em alternativas ca-
so suspendam as aulas do colé-
gio Santa Maria, no Jardim Ma-
rajoara, onde estudam seus qua-
tro filhos, de 7, 9, 11 e 13 anos.
“Vou me revezar com a minha
mulher. Acredito que vai ser
bem tranquilo, uma vez que a
escola deve passar atividades
que possam fazer”, disse.
Pai de um menino de 7 anos,
aluno do colégio Oswald de An-
drade, na Vila Madalena, o con-
sultor de vendas João Wendell,
de 47 anos, disse acreditar que a
suspensão das aulas pode ser im-
portante para conter a propaga-
ção do vírus. “São apenas al-
guns dias que vamos ter de nos
organizar e abrir mão da rotina
para evitar uma piora do cená-
rio. Outros países já tiveram a
experiência e mostraram que o
isolamento ajuda a não espa-
lhar a doença”, disse. Para ele,
as escolas podem ajudar os pais
ao dar atividades a distância, di-
cas de brincadeiras e filmes pa-
ra o período em que as crianças
tiverem de ficar em casa. / I.P.
Itália supera mil mortos; na China, pico chega ao fim. Pág. A 14 }
Fernanda Boldrin
N
os bairros do Brás e Pa-
ri, na região central de
São Paulo, o cenário
mudou em uma semana. Por
causa de uma publicação no
Facebook que avisa sobre su-
postos casos de coronavírus
na região, lojistas e frequenta-
dores afirmam que, desde se-
gunda-feira, a máscara se tor-
nou acessório obrigatório.
A publicação diz que há
dois casos nos arredores –
um em um shopping popu-
lar na região da Avenida Vau-
tier e outro em um condomínio
do Pari. Agora, mesmo quem
não viu a página cita o Shop-
ping de Vautier como foco da
doença. E, no burburinho das
ruas, a população já inclui na
lista de contaminação outros
shoppings geridos pela mesma
administração.
A administradora dos shop-
pings, Margareth Scordama-
glio, diz ser “tudo mentira”.
“Não somos crianças, temos 11
shoppings. Não teve nenhum ca-
so (de coronavírus), nenhuma lo-
ja aqui fechou. O que aconteceu
é que isso saiu em uma página
na internet. Já estamos acionan-
do um advogado para que eles
retirem o post e digam de onde
veio esta informação”, disse.
Na região, conhecida por
agregar imigrantes de diversos
países, a repercussão do supos-
to caso ganhou tons de precon-
ceito. A página não dá detalhes
sobre quem seriam os infecta-
dos. Mas a versão corrente é
unânime: “foi uma chinesa”. À
reportagem, pessoas que fre-
quentam a região e preferiram
não se identificar disseram que
“foram os chineses que trouxe-
ram isso para cá” e “por isso ago-
ra eles usam máscara”.
Segundo os dados oficiais, a
capital tem 44 casos de coronaví-
rus, mas não há detalhamento
por bairro ou região. “Não
damos detalhes de pacien-
tes, até por uma questão de
sigilo, para preservá-los”,
informou a Secretaria Esta-
dual de Saúde.
A preocupação fez com
que donos de lojas instruís-
sem os funcionários a utili-
zar a máscara. “Estou usan-
do máscara desde segunda-
feira. Teve boatos de que ti-
nha gente contaminada,
meu patrão pediu para
usar”, conta a vendedora
Angélica Lopes, de 22 anos.
A população local se divide
entre quem adota todos os
tipos de medidas de preven-
ção e quem diz que a situa-
ção está “tranquila”. No
fim da tarde, é comum ver
no Brás e no Pari gente que,
saindo do expediente, logo
tira a máscara.
Por outro lado, algumas
pessoas só aceitaram con-
versar com a reportagem
com dois metros de distân-
cia e, ainda assim, estican-
do o pescoço para trás.
NILTON FUKUDA/ESTADÃO
Suspensão de aulas já atinge 590 mil
Preocupação. Tatiana Maranhão quer manter ‘clima de normalidade’ dentro de casa para o filho Benjamim, de 4 anos
“As principais lições são:
evitar grandes eventos,
incentivar o trabalho de
casa, diminuir a velocidade
de propagação.”
Marcelo Gomes
MATEMÁTICO DA FIOCRUZ
Proteger-se contra a
doença não é bom só
para o próprio indivíduo,
mas também para evitar
a progressão do vírus
Pais se preparam para ficar com filhos em casa
Famílias traçam planos
para entreter as crianças,
caso as aulas sejam
suspensas para evitar
propagação do vírus
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
Justificativa. Donos de lojas é que instruíram os funcionários a utilizar máscaras
Preocupação