O Estado de São Paulo (2020-03-13)

(Antfer) #1

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B6 Economia SEXTA-FEIRA, 13 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELENA


LANDAU


K


en Loach fez um filme forte.
Para mim, mais perturbador

que Parasitas ou Coringa,


muito bons e grandes vedetes do


ano. Mas nesses me senti distante


daquelas realidades, apesar da rele-


vância da discussão sobre desigual-


dade de renda, pobreza e violência


retratados. Em Você Não Estava


Aqui, a experiência foi oposta. A dire-


ção é seca, com atores excepcionais,


sem trilha sonora ou glamourização


na atuação e na cenografia. A vida


como ela é.


Cansado de pular de emprego,


dos patrões e da falta de oportunida-


des compatíveis com sua experiên-


cia, Ricky resolve se arriscar e virar


autônomo. Vai ser entregador de en-


comendas. É avisado na partida de


todos os riscos que estava corren-


do, tanto pelo contratante de seus


serviços quanto pela própria mulher.
Mas se joga. Não vê alternativas. A reali-

dade, no entanto, se revela muito pior


que imaginava.


O filme é visto como uma denúncia


sobre a precarização das relações tra-


balhistas. É mais que isso. Há questões


importantes ali levantadas, como a


queda do padrão de vida após a reces-


são de 2008, os adolescentes que per-


dem interesse no ensino tradicional e


a terrível realidade da falta de emprego


para a meia-idade. Todos temos por


perto alguém vivendo a mesma situa-


ção de desesperança. É o retrato de


uma família que poderia ser a nossa.


Um soco no estômago.


É passado no Reino Unido, mas faz


pensar sobre Brasil. O impacto da nova


revolução tecnológica sobre mercado


de trabalho ou a necessidade de adapta-


ção do currículo escolar, que evite a


evasão de jovens, são temas comuns. A


grande diferença está na rede de prote-


ção social, que aqui não existe. Lá, ser-


viços públicos ajudam a família a lidar


com a situação por eles inesperada.


Transporte que permite à mulher, mes-


mo que com muito sacrifício, manter


seu emprego como cuidadora; acesso à


rede de saúde, e uma escola que man-


tém um acompanhamento rigoroso da
frequência e desempenho dos filhos.

Aqui, o País está despreparado e,


pior, parece despreocupado para en-


frentar a revolução tecnológica disrup-


tiva dos dias atuais. Muitas profissões


estão deixando de existir. O assunto é


sério, por isso, é injustificável a indife-


rença com a requalificação, ou mesmo


a qualificação, do trabalhador brasilei-


ro. O abandono da área de Educação, a


mais importante porta para igualar


oportunidades, hoje comandada por


um incapaz, é mais que chocante. É cri-


minosa.


A indiferença social deste governo


está por toda a parte. O desmonte do


Bolsa Família, as filas no INSS e a desu-


manidade na prova de vida convivem


com a proteção à indústria e o gigantis-


mo do Estado. Pequenos arroubos libe-


rais não atingem a elite empresarial ou


as fortes corporações. Não há privati-


zação, abertura comercial ou elimina-


ção de isenções e créditos tributários.


A competitividade e a produtividade


seguem baixas, e não geram emprego
nem em quantidade nem com qualida-

de necessárias. O governo é liberal na


pregação, mas capenga na prática.


E agora temos uma crise recessiva e


humanitária com o coronavírus para


aprofundar os problemas que já te-


mos, que vai exigir respostas mais efeti-


vas. Frustrados com o fraco desempe-


nho da economia, muitos vaticinam:


“o modelo liberal não deu certo”. A ver-


dade é que ele nem sequer foi testado.


Faltaram políticas públicas que gerem


igualdade de oportunidades, mobilida-


de social e assistenciais, que terão que


ser ampliadas em tempos de covid-19.


Nesse ambiente, a pressão pelo aban-


dono do controle de gastos aumentou


e o apelo ao retorno ao que já deu erra-


do cresce.


A única resposta para uma socieda-


de atônita foi a insistência de Guedes


nas reformas. A lista de “prioridades”


do ministro de Economia é longa e


confusa. Traz 19 projetos e 48 pro-


postas. A falta de empatia dos go-


vernantes com a população assus-


ta.


As reformas são importantes, cla-


ro, mas já o eram no 1.º dia de manda-


to. A Previdência foi aprovada na Câ-


mara em junho do ano passado. Na-


da mais aconteceu nesses nove me-
ses. O governo não se empenhou se-

quer na votação da PEC, que traz


“emergência” no nome. A desarticu-


lação e o despreparo são reflexo de


um governo que tem desprezo pela


política e pela democracia.


Indiferente, o presidente man-


tém sua briga pessoal contra os Po-


deres Legislativo e Judiciário. Nada


indica que esteja preocupado com a


grave crise nacional e internacional.


Vive em outra dimensão. Não há


uma resposta para a crise. Um retra-


to do liberalismo sem alma e sem


direção deste governo.


O filme de Ken Loach termina


com um pedido: “Quero voltar ao


que tínhamos antes”. Impossível.


Não tem volta.


]


ECONOMISTA E ADVOGADA

Fora do radar. Medidas de redução de tributos são vistas com resistência por Guedes


Sem rumo, sem laços


E-MAIL: [email protected]
ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALMENTE

Adriana Fernandes


Idiana Tomazelli


Amanda Pupo / BRASÍLIA


Sob pressão diante do avanço


da pandemia do novo corona-


vírus no Brasil, o governo co-


meçou a organizar uma rea-


ção para evitar quebradeira


das empresas por conta da cri-


se e anunciou ontem a libera-


ção de R$ 28 bilhões para dar


fôlego à economia.


Haverá a antecipação da pri-


meira parcela do 13.º aos segura-


dos do INSS em abril, o equiva-


lente a R$ 23 bilhões. O ministé-


rio também vai propor na sema-


na que vem ao Conselho Nacio-


nal de Previdência Social a redu-


ção do limite de taxa de juros


para empréstimos consignados


em folha de pagamento dos be-


neficiários do INSS. Em outra


frente, uma proposta será envia-


da ao Congresso para ampliar a


margem do salário que pode ser


comprometida com a parcela


do financiamento. Hoje essa


margem é de 30% em caso de


empréstimo e 5% para cartão de


crédito. O prazo de pagamento


também deve aumentar, mas o


secretário não detalhou os no-


vos parâmetros.


O secretário especial de Fa-


zenda, Waldery Rodrigues, ad-


mitiu que o grupo estuda uma


nova liberação imediata de par-


te do FGTS para os trabalhado-


res. No ano passado, os cotistas


puderam retirar R$ 500 de cada
uma de suas contas – ou até um

salário mínimo caso o saldo esti-


vesse dentro desse valor.


No entanto, 1h40 depois, o


Ministério da Economia infor-


mou em nota que “não está sen-


do estudado novo saque imedia-


to do FGTS”.


Se nas primeiras semanas do


avanço da doença, a ação do go-


verno à turbulência do merca-


do esteve concentrada na mão


do Banco Central, a equipe do


ministro da Economia, Paulo


Guedes, começou a acionar me-


didas mais pontuais também


nas frentes fiscal e de crédito.


Um comitê de monitoramento


será formado pelo presidente


Jair Bolsonaro para analisar as


medidas a serem adotadas, a pe-


dido de Guedes. O grupo traba-


lhará em diferentes dimensões


e terá atualizações periódicas, a
cada 48 horas.

Além dos R$ 23 bilhões do 13.º


do INSS, houve acordo para a


liberação de R$ 5 bilhões para


ações na área de saúde. Uma reu-


nião para discutir a ajuda aos Es-


tados e municípios também nes-


sa área será feita hoje.


Crédito. Do lado do crédito,


os bancos públicos acenaram


com linha para capital de giro e


também compra de carteiras


de bancos pequenos e médios



  • que costumam ser mais afeta-


dos nas crises. O governo estu-


da ainda medidas para evitar


uma espiral negativa, sobretu-


do, nas pequenas e médias em-


presas, segmento que garante


grande contratação de traba-


lhadores.


Garantir o capital de giro é


considerado ponto nevrálgico,


principalmente, para as empre-
sas que dependem de insumos

importados para a produção, e


também aquelas mais afetadas


pela queda do consumo diante


do maior isolamento das pes-


soas. Por isso, o setor de servi-


ços é o mais monitorado pela


equipe econômica, como avi-


sou Guedes.


“Capital de giro é uma preocu-


pação por conta da interrupção


da produção da China por dois


meses. Pode ter um problema


numa cadeia da indústria por-


que não recebeu o material e aí


tem uma espiral. É uma questão


importante que eu sei que está


acontecendo”, disse ao Estado


o presidente da Caixa, Pedro


Guimarães. Ele disse que o ban-


co tem condições de oferecer


R$ 70 bilhões de crédito: R$ 40


bilhões para capital de giro e R$


30 bilhões para a compra de car-


teiras dos bancos pequenos.


O presidente do Banco do Bra-


sil, Rubem Novaes, disse ao Es-
tado que a instituição já anali-

sou os setores com mais dificul-


dades e está ofertando crédito


às empresas. A ideia é reforçar


principalmente a linha de capi-


tal de giro. O BB também dará


suporte para que empresas con-


sigam quitar empréstimos ex-


ternos, diante da escalada do dó-


lar, que chegou a ultrapassar a


barreira de R$ 5 ontem – a moe-


da fechou em R$ 4,79. “A ideia é


que o banco atue como ponte


entre o presente de dificuldade


e o futuro de normalidade. Para


nós, a economia voltará ao nor-


mal no segundo semestre.”


Tributos. O ministro de In-


fraestrutura, Tarcísio de Frei-


tas, propôs a desoneração da fo-


lha de pagamento das empresas


aéreas, cujas ações desabaram


ontem na B3, a Bolsa de São Pau-


lo. Também quer zerar o


PIS/Cofins do querosene de


aviação e o fim do adicional na
tarifa de embarque de voos es-

trangeiros.


Mas as medidas de redução


de tributos são vistas com resis-


tência por Guedes e sua equipe.


O secretário do Tesouro, Man-


sueto Almeida, que se reuniu


com o presidente do BC, Rober-


to Campos Neto, para discutir


medidas de ação, correu para


avisar que não há espaço no Or-


çamento para reduzir a carga tri-


butária de empresas como res-


posta à crise.


Com pressão para ajudas seto-


riais, Guedes tem insistido nos


bastidores que a resposta à crise


deve partir também de soluções


a serem buscadas pelos próprios


empresários. O ministro admi-


tiu a possibilidade, em caso de


agravamento dos impactos eco-


nômicos, de “soltar recursos es-


peciais”, sem dar detalhes. “As


áreas vão quebrar”, disse o líder


do MDB, senador Eduardo Bra-


ga (AM). Ele cobra do governo a
divulgação de um plano emer-

gencial de curto prazo.


Segundo apurou o Estado,


no momento, “o máximo” que


pode ser feito na área tributária


é discutir redução do Imposto


de Importação de produtos rela-


cionados ao combate ao corona-


vírus. A lista está sendo discuti-


da com o ministro da Saúde,


Henrique Mandetta. /


COLABOROU EDUARDO RODRIGUES

Idiana Tomazelli / BRASÍLIA


A equipe econômica poderá rea-


valiar a meta de resultado primá-


rio de 2020, caso seja necessário


diante do avanço do novo coro-


navírus no Brasil, informou um


integrante da equipe econômi-


ca ao Estadão/Broadcast.


A medida seria adotada para


garantir os recursos demanda-


dos, sobretudo pelo Ministério


da Saúde, e evitar uma paralisia


do governo num momento críti-


co para o País.


A meta fiscal permite hoje um


rombo de até R$ 124,1 bilhões


nas contas do Tesouro Nacio-


nal, Previdência Social e Banco


Central. Ou seja, esse é o limite


de quanto as despesas podem su-
perar as receitas, sem levar em

conta os gastos com o pagamen-


to dos juros da dívida.


Com a desaceleração da eco-


nomia e a queda nos preços do


petróleo no mercado internacio-


nal, o governo deve arrecadar


menos, o que levaria a um blo-


queio no Orçamento mesmo ha-


vendo espaço no teto de gastos,


como já admitiu o secretário es-


pecial de Fazenda, Waldery Ro-


drigues.


Cálculos da área econômica


apontam que uma redução de


US$ 10 no preço do barril da


commodity pode desfalcar as re-


ceitas da União em R$ 5 bilhões,


e as dos Estados e municípios,


em outros R$ 5 bilhões.


A avaliação na equipe econô-


mica é que, diante da situação


excepcional, mexer na meta fis-
cal, caso necessário, pode dar ao

governo os instrumentos neces-


sários para garantir despesas


emergenciais diante da pande-


mia, sem comprometer a con-


fiança no País.


Nos últimos dias, economis-


tas de diferentes espectros ideo-


lógicos passaram a defender


uma flexibilização no teto de gas-


tos , regra criada em 2016 limi-


tando o avanço das despesas à


inflação, para ampliar investi-


mentos públicos e injetar fôlego


na economia brasileira. Qual-


quer mudança no teto é rechaça-


da pela equipe econômica. “Tu-


do está em estudo. Não o teto”,


disse um integrante da equipe à


reportagem.


A demora do governo em rea-


gir com medidas emergenciais e


as restrições que o teto impõe


ao aumento dos investimentos


para acelerar o crescimento es-


tão no centro da polêmica. O de-


bate cresceu nas redes sociais


entre os críticos do governo,


mas ganhou espaço também en-


tre os defensores do ajuste fis-
cal, que observam inação da

equipe econômica e do governo


nas medidas necessárias para


impulsionar o crescimento. A


crítica maior é de falta de foco


do governo para atacar os pro-


blemas mais urgentes.


Para o ex-ministro da Econo-


mia, Henrique Meirelles, que no


governo Michel Temer coman-


dou o time que propôs a emenda


constitucional do teto de gas-


tos, “tirar o teto e começar a gas-


tar de novo, em vez de melhorar,


pode aumentar o risco e dimi-


nuir os investimentos”. Já na


avaliação de Monica de Bolle,


pesquisadora sênior do Peter-


son Institute for International


Economics, nos EUA, o governo


deveria reavaliar sua política


econômica, diante da possibili-


dade de uma crise global, sus-


pendendo o teto de gastos e reto-


mando o investimento público,


para evitar que o Brasil volte a


entrar em recessão.
O teto é considerado pela

equipe econômica uma âncora


da confiança dos investidores


no ajuste fiscal do País. A ele é


atribuído os resultados mais fa-


voráveis no custo de financia-


mento e na trajetória da dívida


pública brasileira. Uma flexibili-


zação poderia deteriorar as con-


dições macroeconômicas e pio-


rar ainda mais o cenário para o


Brasil, na avaliação dos técni-


cos. Apesar da possibilidade de


mudança na meta, a fonte desta-


ca que ainda não há definição so-


bre isso. Qualquer alteração se-


rá avaliada à luz dos impactos da


pandemia na economia.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lPreocupação


lCálculo


Governo pode reavaliar teto de gastos deste ano


INSS suspende prova de vida de beneficiários. Pág. B10 }


Bolsonaro vive em outra


dimensão; não indica


preocupação com a crise


ADRIANO MACHADO / REUTERS - 9/3/2020

INSS vai liberar a


segurados 1º parcela


do 13º já em abril


“Capital de giro é uma


preocupação por conta da


interrupção da produção da


China por dois meses. Pode


ter um problema numa


cadeia da indústria porque


não recebeu o material e aí


tem uma espiral.”


Pedro Guimarães


PRESIDENTE DA CAIXA

Medida faz parte de pacote preparado pelo governo para enfrentar


impactos na economia causados pela disseminação do coronavírus


R$ 124,1 bi


é o rombo permitido hoje nas con-


tas do Tesouro Nacional, Previ-
dência Social e Banco Central

US$ 5 bi


é quanto a queda de US$ 10 no


preço do barril do petróleo pode-


ria tirar em receitas da União


Segundo integrante da


equipe econômica, medida


seria adotada em caráter


excepcional para conter


efeitos do coranavírus

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