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A6 Política SEXTA-FEIRA, 13 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ELIANE
CANTANHÊDE
É
dramaticamente irônico que,
apenas dois dias após dizer que
o coronavírus não passava de
uma “pequena crise”, uma “fantasia
criada pela grande mídia”, o presiden-
te Jair Bolsonaro teve de fazer o teste
do vírus e a cúpula do governo ficou
sob suspeita, após a confirmação de
que o secretário de Comunicação da
Presidência, Fabio Wajngarten, está
contaminado. Vítimas da “fantasia”?
A curiosidade é por que o presiden-
te perde todas as chances de ficar cala-
do. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) já declarou pandemia, os ca-
sos e mortes se multiplicam rapida-
mente por todos os continentes, as Bol-
sas despencam, eventos nacionais e in-
ternacionais são cancelados, um atrás
do outro, e as escolas estão sendo fecha-
das. O coronavírus já atingiu centenas
de milhares de pessoas, com perto de 5
mil mortes no mundo. No Brasil, já há
mais de cem casos confirmados e mais
de 1.400 suspeitos em vários Estados e
no DF. Pesadelo, não fantasia.
A Bovespa já foi suspensa quatro ve-
zes nesta semana, enquanto o dólar che-
gou a R$ 5. É para brincar com uma coisa
dessas? Imitar o ídolo Donald Trump?
Aproveitar para jogar descrédito sobre a
mídia? O Planalto e o Ministério da Eco-
nomia deveriam seguir o exemplo do Mi-
nistério da Saúde. Mostrando serviço.
Não é essa a sensação, nem em Brasília
nem no mercado.
Em meio a tudo isso, é muito preocu-
pante que o presidente esteja sob suspei-
ta de coronavírus, assim com a primei-
ra-dama Michelle, o filho Eduardo, mi-
nistros das Relações Exteriores, da Defe-
sa, do GSI e todos os assessores da comi-
tiva presidencial a Miami. Para constran-
gimento mundial, Wajngarten também
participou do jantar de Trump em Mar-
a-Lago e ainda tirou foto com ele e o vice
Mike Pence com aquele boné ridículo
do “Brasil great again”. Já imaginaram se
ele contamina Trump e a Casa Branca?
É óbvio que Wajngarten é uma vítima
e isento de qualquer responsabilidade,
mas, na prática, a Presidência da Repúbli-
ca está numa situação delicada. O presi-
dente e o comando do País estão sob mo-
nitoramento, evitando reuniões, aper-
tos de mão, abraços e beijos. Logo, o go-
verno brasileiro está funcionando em
“home office” e isso pode piorar muito.
Se o teste do presidente der positivo, hi-
pótese não descartada, o governo passa
do monitoramento para o isolamento.
Enquanto isso, o Congresso derruba
o veto da ampliação do Benefício de Pres-
tação Continuada (BPC) para idosos ca-
rentes e deficientes, dando uma de bon-
zinho para o eleitor e uma de mau para
as contas públicas e para o governo, apro-
veitando para dar um troco em Bolsona-
ro, pelos sucessivos ataques.
Para piorar, uma parte do Congresso
fez jogo duro para destinar à Saúde os R$
5 bilhões que o ministro Luiz Henrique
Mandetta vai liberar por MP para prepa-
rar o País para tratar os pacientes de co-
ronavírus por toda parte. Mandetta pe-
diu, o deputado Rodrigo Maia e o sena-
dor Davi Alcolumbre apoiaram, mas líde-
res de partidos do Centrão arranjaram
pretextos para dificultar as coisas. É
brincar com fogo.
A situação ainda vai piorar muitíssi-
mo, antes de começar a melhorar.
Por enquanto, os contaminados são
pessoas que estavam na Ásia, na Euro-
pa, particularmente na Itália, e têm
acesso ao que há de melhor em saúde
no Brasil. O problema será se o presi-
dente estiver de fato contaminado e
quando os “ricos” começarem a pas-
sar o vírus para os “pobres”. Esse será
o grande teste, não só da saúde públi-
ca no Brasil, mas também das autori-
dades brasileiras, a começar do presi-
dente e do Congresso. Não é fantasia
e não se brinca com vida e morte.
Aliás, o ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, comemorou a sus-
peita de contaminação da educadora
Priscila Cruz como punição divina:
“o Senhor fará recair sobre eles a sua
própria iniquidade (...); o Senhor (..)
os destruirá”, postou, citando o no-
me de Deus em vão. E agora, também
é punição divina?
E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS
André Borges / BRASÍLIA
O governo tem trabalhado de
forma desordenada no com-
bate ao avanço do novo coro-
navírus. Enquanto o minis-
tro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, admite que o Bra-
sil deve viver “vinte semanas
muito duras”, o próprio presi-
dente Jair Bolsonaro insistiu,
nos últimos dias, na tese de
que a doença não era “isso tu-
do”. Na noite de ontem, po-
rém, Bolsonaro apareceu de
máscara em uma transmis-
são ao vivo na internet, ao la-
do de Mandetta, que também
tinha o rosto protegido.
Até então, o ministro afirma-
va que a máscara só deveria ser
usada por quem apresentava
sintomas do coronavírus – uma
recomendação da Organização
Mundial da Saúde (OMS). Na
terça-feira, em Miami, o presi-
dente chegou a dizer que a doen-
ça estava superdimensionada e
era “uma fantasia” da mídia.
Quarenta e oito horas depois,
porém, ele foi pego de surpresa
ao saber que o secretário de Co-
municação da Presidência e um
de seus acompanhantes na via-
gem, Fábio Wajngarten, con-
traiu coronavírus. Diante da cri-
se, Bolsonaro foi submetido ao
exame. O resultado sairá hoje.
Na prática, a falta de entendi-
mento na equipe sobre o que de-
ve ser feito para proteger a po-
pulação fica cada vez mais evi-
dente. Na noite de anteontem,
por exemplo, enquanto Man-
detta alertava para o risco de
“propagação geométrica” dos
casos no País, Bolsonaro trata-
va de minimizar a situação, sob
o argumento de que “outras gri-
pes mataram mais do que essa”.
Sem alinhamento, cada inte-
grante do governo sugere uma
coisa e muitos “batem cabeça”.
O ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, decidiu ir às re-
des sociais para afirmar que as
instituições de ensino preci-
sam se planejar para “algumas
medidas emergenciais pon-
tuais”. Conhecido por seu esti-
lo polêmico, Weintraub cogi-
tou até mesmo a possibilidade
de antecipar as férias escolares.
“Pensem em um cenário de
contingência. Esta é a melhor
solução”, afirmou o ministro.
Mandetta, por sua vez, disse
que a decisão de deixar crianças
em casa pode não ajudar em na-
da. Ao contrário, tem potencial
para agravar a crise, caso os alu-
nos permaneçam em seus lares
com idosos, já que o coronaví-
rus atinge os mais velhos com
intensidade maior.
Enquanto a equipe patina e
Estados admitem não ter estru-
tura nem material para lidar
com o alastramento da enfermi-
dade, o governo ainda não mon-
tou um gabinete de crise. Em
agosto, Bolsonaro recorreu a
um gabinete assim para tratar
das queimadas da Amazônia.
Agora, vai criar um comitê ape-
nas para monitorar os impactos
econômicos da doença.
O ministro da Economia, Pau-
lo Guedes, disse recentemente
que a crise era “passageira” e mi-
nimizou seus efeitos. Anteon-
tem, no entanto, Guedes afir-
mou que a consequência da pan-
demia era algo “imponderá-
vel”. “Suponha que todos va-
mos nos trancar em casa e parar
de nos movimentar. Vai aconte-
cer uma queda no setor de servi-
ços. Aí nós vamos reagir a isso
como?”, perguntou o ministro a
deputados e senadores.
Crise desafia coordenação do governo
Bolsas, dólar e coronavírus de
Fábio Wajngarten também são
‘fantasias da grande mídia’?
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Enquanto ministro da Saúde alertava para ‘propagação geométrica’ do coronavírus no País, presidente minimizava avanço da pandemia
BRASÍLIA
O diagnóstico de coronavírus
do secretário de Comunicação
da Presidência, Fabio Wajngar-
ten, e a ampliação do alerta
mundial para a doença muda-
ram o funcionamento dos três
Poderes. No Congresso e no Su-
premo Tribunal Federal, visitas
foram suspensas e audiências
marcadas foram canceladas.
O Palácio do Planalto infor-
mou ontem que o Serviço Médi-
co da Presidência da República
“adotou todas as medidas pre-
ventivas necessárias para pre-
servar a saúde do presidente e
de toda comitiva presidencial
que o acompanhou, bem como
dos servidores do Palácio do
Planalto”. Wanjgarten ficará
em quarentena em sua casa em
São Paulo e só retornará ao tra-
balho quando não houver mais
risco de transmissão da doença.
O presidente Jair Bolsonaro
cancelou uma viagem que faria
ontem a Mossoró, no Rio Gran-
de do Norte, e passou o dia em
casa, no Palácio da Alvorada.
Na sua agenda de hoje, não cons-
tam compromissos públicos.
Os ministros Augusto Hele-
no (Gabinete de Segurança Ins-
titucional), Fernando Azevedo
e Silva (Defesa) e Bento Albu-
querque (Minas e Energia), que
estavam na comitiva presiden-
cial que foi aos Estados Unidos
também passaram por exames.
Apenas Bento já descartou es-
tar contaminado com o vírus –
exames deram negativo.
O chanceler Ernesto Araújo,
que ficou no País após acompa-
nhar Bolsonaro, cancelou agen-
das que teria em Washington e
antecipou a volta ao Brasil.
Legislativo. No Congresso, os
deputados Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), filho do presidente, e
Daniel Freitas (PSL-SC), além
dos senadores Nelsinho Trad
(PTB-MS) e Jorginho Mello
(PL-SC), que viajaram na comi-
tiva presidencial, devem ficar
em quarentena e aguardar resul-
tados de exames. Pela manhã,
antes do diagnóstico positivo
do secretário de Comunicação,
Jorginho chegou a presidir uma
audiência na Casa com partici-
pação de cerca de 20 pessoas.
Uma reunião da Comissão de
Relações Exteriores do Senado,
que seria presidida por Trad, foi
cancelada após o presidente da
Casa, Davi Alcolumbre (DEM-
AP), determinar a quarentena.
Alcolumbre avalia suspender
as sessões do Senado se houver
casos confirmados no Congres-
so. O senador Angelo Coronel
(PSD-BA) encaminhou um pe-
dido aos presidentes da Câma-
ra e do Senado pela parada total
dos trabalhos por 15 dias. Por
enquanto, a medida adotada é
de restrição de visitas e proibi-
ção de sessões solenes.
O efeito do coronavírus tam-
bém foi sentido na Câmara.
Uma pilha de panfletos sobre o
“Dia Mundial do Rim”, comemo-
rado ontem, 12 de março, aguar-
dava interessados na entrada de
um dos corredores da Casa. Fun-
cionárias tentavam, sem suces-
so, distribuir os papéis a quem
passava pelo local. Difícil. Não
havia um servidor, deputado ou
parlamentar interessado em in-
formações sobre dosagens de
creatinina para avaliar os rins.
Só se falava em coronavírus.
Nos corredores acarpetados
e de janelas fechados do Con-
gresso, o clima era de tensão.
Muitas pessoas circulavam
com máscaras. Bastava uma tos-
se ou espirro para todos se en-
treolharem, algumas vezes com
humor, em outras, com tensão.
Até mesmo o café foi cortado.
A Comissão de Agricultura da
Câmara suspendeu a cortesia
de cafezinho, como medida pa-
ra evitar a disseminação do ví-
rus. A sede do colegiado, fre-
quentada por parlamentares,
servidores e visitantes do Con-
gresso, é reconhecida por servir
rótulos de diversas regiões do
País. O clima de esvaziamento
foi reforçado com a restrição de
visitas pública.
Judiciário. O avanço do coro-
navírus também levou o presi-
dente do Supremo Tribunal Fe-
deral (STF), ministro Dias Tof-
foli, e o vice-presidente da Cor-
te, ministro Luiz Fux, a suspen-
der as audiências públicas mar-
cadas para este mês que discuti-
riam o marco civil da internet e
a criação do juiz das garantias.
Já a presidente do Tribunal Su-
perior Eleitoral (TSE), ministra
Rosa Weber, decidiu cancelar
um evento em homenagem ao
Dia Internacional da Mulher
que estava previsto para a próxi-
ma semana em Brasília.
Os ministros já discutem até
mesmo trocar sessões presen-
ciais do Supremo por julgamen-
tos no plenário virtual, uma pla-
taforma online que permite a
análise de casos sem que os ma-
gistrados estejam reunidos pre-
sencialmente – e longe dos holo-
fotes da TV Justiça.
Uma resolução assinada por
Toffoli também prevê trabalho
remoto para servidores maio-
res de 60 anos e portadores de
doenças crônicas. / JUSSARA
SOARES, A.B., CAMILA TURTELLI,
JULIA LINDNER, DANIEL WETERMAN,
FELIPE FRAZÃO e RAFAEL MORAES
MOURA
lDivergência
Fantasia e pesadelo
lPGR
Em razão do surto de coronaví-
rus, o procurador-geral da Repú-
blica, Augusto Aras, instituiu o
regime de home office para parte
dos servidores em todas as Pro-
curadorias no País.
I
nfectado com o coronavírus, o chefe da
Secom, Fabio Wajngarten, é alvo de
críticas dentro do governo pelo modo
como conduziu a situação. Para integran-
tes do alto escalão e pessoas próximas do
presidente Jair Bolsonaro, ele não foi
transparente sobre seu estado de saúde,
mesmo após o avanço da pandemia e o au-
mento de casos no País.
Wajngarten e a comitiva do presidente
embarcaram de volta ao Brasil na terça-fei-
ra à tarde. Segundo relatos feitos ao Esta-
do, antes de viajar o secretário estava
bem, mas se sentiu mal durante o voo. Na
quarta, após a notícia de que Wanjgarten
havia passado por exames no Einstein, em
São Paulo, o secretário foi ao Twitter di-
zer que “estava bem”. Apesar dos questio-
namentos, a Secom informou apenas que
não comentaria o assunto, mas também
não negou a suspeita. Um assessor disse
que o posicionamento era o que Wajngar-
ten havia publicado em seu perfil pessoal.
Um amigo do secretário disse que ele
estava contrariado e se recusou a atender
os telefonemas de quem queria saber seu
estado de saúde. Já um integrante do Palá-
cio do Planalto avaliou que Wajngarten
pode ter minimizado a situação ao relatar
os primeiros sintomas. Um assessor presi-
dencial criticou o fato de Wajngarten não
ter revelado ao público que havia feito exa-
mes para coronavírus.
Entre o fim da tarde e o início da noite
de quarta, porém, membros da comitiva
que foi aos EUA passaram a receber liga-
ções do gabinete da Presidência para que
comunicassem quaisquer sintomas. O aler-
ta no governo disparou logo nas primeiras
horas da manhã de ontem, após o Estado
revelar que o secretário estava infectado.
Rotina dos três Poderes
muda com a doença
“Outras gripes mataram
mais do que essa.”
Jair Bolsonaro
PRESIDENTE
“Vamos viver umas 20
semanas duras.”
Luiz Henrique Mandetta
MINISTRO DA SAÚDE
Wajngarten vira alvo
de críticas no Planalto
]
BASTIDORES: Jussara Soares
CAMILA TURTELLI/ESTADÃO
Contágio. Em corredor da Câmara, servidores e visitantes usam máscaras cirúrgicas
Congresso e Supremo
suspendem audiências e
vetam visitas; presidente
Jair Bolsonaro cancela
viagem ao Nordeste