4 |Valor|Sexta-feira,13demarçode
RES PUBLICA
Fa c toi d e s
não vão
tirar Brasil
da crise
Hoje,o presidente se
refugianumdiscurso
cadavez maisbeligerante
e ideológico,e busca
proteçãonosmilitares
e naameaçadavolta
dopetismo. Por
FernandoAbrucio
P
roduzirfactoideséa
principalestratégiade
governardobolsonarismo.
Desdeoiníciodogoverno,os
brasileirossãobrindadostodosos
diascomumanovahistória,uma
frasedeimpactooualgumanotícia
quenuncaseconcretizará.Nesta
novela,éprecisolutar
incessantementecominimigos,reais
ouimaginários,eaemoçãoprevalece
sobrearazão.Porenquanto,mesmo
tendoummandatoatribuladoem
tãocurtoespaçodetempo,Bolsonaro
mantémoapoiodeumterçoda
populaçãoesonhacomareeleição.
Masseráqueessemodeloserácapaz
delidarcomaimensacrisequeo
Brasilenfrentaránesteano?
Apesarde as açõesdo governo
Bolsonaropareceremmuitasvezes
irracionaise de difícil explicação, é
possíveldefiniros desafiosque ele
vai enfrentar e dizerse seu estiloé
eficazpara lidarcom tais situações.
Para desenvolvereste argumento, a
visãode Maquiavel, pai da teoria
políticamoderna, é essencial.
O grandefilosofoflorentinodizia
que duascategoriassão centraispara
analisaras lideranças políticas.A
primeiraé a fortuna,que representa
a situaçãoobjetivade cadaépoca,ao
passoque a segunda é a virtù,que
diz respeitoàs habilidadespolíticas
dos líderes.Só que não há uma única
formade se fazerpolítica,pois cada
momentoexigecaracterísticas
distintasdos governantes. O que
podeser eficaznumdeterminado
caso podenão ser noutro, e o político
bem-sucedido, na visãode
Maquiavel, é o que conseguese
adaptara realidades diferentes,que
exigemestratégias específicas.
Na eleiçãode 2018houveum
casamentoperfeito entrea fortunae
a virtùde Bolsonaro. Ele percebeu
que a maiorpartedo eleitorado
queriaum candidatoque
combinasse duascaracterísticas:ser
antipetistae “outsider”. Assim,tendo
os petistase a classepolítica
tradicionalcomoprincipais
inimigos,construiuuma
campanhaem nomeda renovação —
emboraele mesmofossedeputado
há 28 anos,o públicoo percebeu
comoum novo“condottiere”.O
destino, ademais,trouxe-lheum
episódioparadoxal:a facada,que
quaseo matou,mas que lhe deu
maisforçaeleitoral.
Ocontextodoprimeiroanode
governoeratodofavorávelaonovo
presidente.Altapopularidade,
expectativasmuitopositivas,
Congressoafavordereformascomo
nuncaantes,oposiçãodivididae
enfraquecida.Bolsonaropoderiater
montadoumacoalizãoparlamentar
compouquíssimoesforçoemtermos
dedivisãodepoder.Odestinosorriu
paraonovopresidente,masele
escolheuumcaminhoquese
relacionavamaiscomaeleiçãodo
quecomasuanovasituaçãode
governante.Obolsonarismopreferiu
manter-seconstantementeno
palanqueeleitoral,montandoum
governoorientadoparaaeliminação
dequalquerpossíveladversário
político,jácomvistasa2022.
Aopçãopoderiatersidooutra:um
governobaseadoemdiagnósticose
gerenciamentodepolíticaspúblicas,
porém,issopoderiatertiradoaaura
daquelequepropunhafundaruma
novapolítica.Aforaisso,ogrupoque
circundavaBolsonaroesuaspróprias
característicascomolíderqueexige
obediênciacaninaresultaramnuma
equipeque,comalgumashonrosas
exceções,émajoritariamente
compostaporgente
incompetentee/oucaracterizada
porumfanatismoideológico.
Abasedaestratégiapolítica
bolsonaristafoicentrar-sena
produçãocotidianadefactoides,seja
parafazerdogovernoumeterno
movimentopolíticoemguerra
contrainimigos,sejaparaesconder
oserroseaincapacidade
governamentais.Opresidenteesua
famíliafazemissocomoauxíliodo
gurudeVirginiaedetodoum
exercitonasredessociais.Outros
ministrostambémseguemessalinha,
comoostitularesdoMECedo
MinistériodasRelaçõesExteriores.
Alógicadosfactoidesfoireforçada,
ainda,pelaprimaziadalógicados
valoressobreaorientação
pragmáticaporresultadosdas
políticaspúblicas.Ainsistênciacada
vezmaiornadefesadafamíliaedos
princípioscristãoséumaformanão
sódefidelizaçãodeeleitores.Trata-se
deumaescolhadequemnãotem
tantavirtùemtermosde
competênciasbásicasparaserum
governantedemocrático,afinal,as
negociaçõespolíticasea
administraçãodaspolíticaspúblicas
nãosãotãoemocionantes.
Apartirdosegundosemestrede
2019,ainsistêncianosfactoides
produziuváriosconflitos
desnecessárioseatrasouoavançode
váriasaçõesgovernamentais,alémde
terreduzidoemmaisde20pontosa
popularidadepresidencial.Todavia,o
presidentemanteveessaestratégia
portrêsrazões.Aprimeiraéquea
fortunadoprimeiroanolheprotegia:
tantoaluademelcomopovocomoo
discursocontraa“herançamaldita”
seguravamogoverno.Asegundaé
queeladefiniabemquemeramos
amigoseosinimigos,mantendoo
seupúblicomaisfiel.Porfim,as
instituiçõeseatoresquepoderiam
contrabalancearopoderdo
FernandoAbrucio, doutoremciênciapolí-
ticapelaUSPe chefe doDepartamento
deAdministraçãoPúblicadaFGV-SP, es-
creveneste espaçoquinzenalmente
E-mail:[email protected]