O Estado de São Paulo (2020-03-14)

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A10 Política SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Centrais sindicais e movimen-
tos sociais decidiram suspen-
der as manifestações de rua
marcadas para a próxima quar-
ta-feira. A medida segue a orien-
tação da Organização Mundial
da Saúde (OMS) de evitar aglo-
merações para diminuir a pro-
pagação do coronavírus, consi-
derado uma pandemia nesta se-


mana. Os atos eram contrários
à agenda de reformas econômi-
cas promovidas pelo governo
Jair Bolsonaro e favoráveis à re-
vogação da lei do teto de gastos.
Em reunião realizada anteon-
tem, a Força Sindical, a União
Geral dos Trabalhadores
(UGT), a Central dos Sindica-
tos Brasileiros (CSB) e a Nova

Central Sindical dos Trabalha-
dores (NCST) propuseram o
cancelamento dos protestos.
Em uma nota conjunta divulga-
da pelo Twitter, as entidades fa-
lam em “severa cautela” para
evitar a proliferação do covid-
19, mas defendem que os traba-
lhadores não deixem de lutar
contra “mazelas promovidas
pelo governo Bolsonaro”.
A Central Única dos Trabalha-
dores (CUT), que também este-
ve presente à reunião, decidiu
manter o calendário de mobili-
zação para o dia 18, mas deve

reavaliar a realização de atos pú-
blicos na próxima segunda-fei-
ra. A entidade afirmou que, dian-
te da crise, o governo precisa
atuar para garantir a preserva-
ção dos empregos e a retomada
da economia.

Direitos. Ontem, a Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras
do Brasil (CTB) divulgou um co-
municado no qual também sus-
pende as manifestações que es-
tavam convocadas para o dia 18.
A entidade pede que os empre-
gadores assegurem todos os di-

reitos aos trabalhadores infecta-
dos pelo coronavírus que, por
isso, precisem ficar em isola-
mento domiciliar.
A União Nacional dos Estu-
dantes (UNE) informou que,
neste momento, defende que a
manifestação seja realizada pe-
las redes sociais e anunciou que
deve organizar novos atos públi-
cos após a contenção da pande-
mia de coronavírus.
No Twitter, o presidente da
UNE, Iago Montalvão, afirmou
que as entidades precisam
“mostrar responsabilidade

com a saúde do povo” e que não
podem “ficar a reboque” das ma-
nifestações convocadas para
amanhã em defesa do governo e
contra o Congresso – que tam-
bém foram suspensas por causa
da pandemia.
As frentes Brasil Popular e Po-
vo Sem Medo, em nota conjun-
ta, cobraram a apresentação de
um plano de emergência para
enfrentar a crise do coronaví-
rus e a suspensão da agenda de
reformas, para que o poder pú-
blico concentre seus esforços
na saúde do povo brasileiro.

Centrais suspendem atos


marcados para o dia 18


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Rafael Moraes Moura
BRASÍLIA.


A pandemia de coronavírus
aumentou a preocupação no
Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) sobre a licitação que
prevê a compra de até 180 mil
novas urnas para as eleições
municipais, a um custo de R$
696,5 milhões. Como algu-
mas peças das urnas são fabri-
cadas na China, onde se origi-
nou o vírus, técnicos do tribu-
nal veem risco de haver atra-
so na entrega dos aparelhos.


Até agora, o tribunal não defi-
niu a empresa vencedora da lici-
tação, alvo de uma guerra de re-
cursos e contestações entre
duas concorrentes: a Positivo e
o consórcio formado pelas em-
presas Smartmatic e Diebold.
Um ministro do tribunal ouvi-
do sob reserva disse não haver
riscos de mudança no cronogra-
ma das eleições de outubro. Um
segundo magistrado, no entan-
to, afirmou que está “muito ce-
do para definir” isso e observou
que a Corte Eleitoral terá de se
curvar a um “dado da medici-

na”, já que o coronavírus é uma
questão de saúde pública.
Em maio, o ministro Luís Ro-
berto Barroso, do Supremo Tri-
bunal Federal (STF), assumirá
o comando do TSE, substituin-
do a atual presidente, ministra
Rosa Weber, e chefiará o tribu-
nal durante as eleições.
O TSE tem hoje cerca de 470
mil urnas – a compra mais recen-
te de equipamentos ocorreu em


  1. Integrantes do tribunal já
    cogitam a possibilidade de haver
    menos urnas espalhadas para
    atender os milhões de eleitores


brasileiros, o que, eventualmen-
te, pode resultar em filas.

Plano. A hipótese havia sido le-
vantada em janeiro deste ano
pelo secretário de Tecnologia
da Informação do TSE, Giusep-
pe Janino. “Já temos um plano
de contingência para otimizar
os recursos que temos hoje”,
afirmou na época, diante do im-
passe com a licitação.
A estratégia da otimização
consiste em utilizar o máximo
de cada equipamento e colocar
o maior número possível de elei-

tores para votar em cada urna.
Apesar do imbróglio, porém,
o TSE informou ao Estado que
mantém o cronograma das elei-
ções. O primeiro turno está mar-
cado para 4 de outubro e o se-
gundo para 25 daquele mês. “O
cronograma eleitoral está sen-
do cumprido. O calendário elei-
toral não sofreu alterações”,
afirmou a assessoria do TSE.
A expectativa no tribunal é de
que a situação do coronavírus já
esteja controlada até agosto, o
que evitaria mudanças no cro-
nograma das eleições. “O TSE

possui um plano adequado para
as eleições municipais de 2020,
que consiste na utilização dos
equipamentos já existentes em
seu parque atual, sem prejuízo
de acréscimo de novos equipa-
mentos”, informou o tribunal.
Na avaliação de técnicos do
TSE, o fato de a campanha des-
te ano ser municipal facilita um
“plano B” porque os eleitores
escolherão apenas dois candida-
tos, com um tempo de votação
inferior ao das eleições gerais,
quando os brasileiros elegem
até seis nomes.

ENTREVISTA


Wilson Tosta / RIO


O recuo do presidente Jair Bol-
sonaro do apoio às manifesta-
ções contra o Congresso e o Ju-
diciário, marcadas para ama-
nhã, não encerra a disposição
do presidente de pressionar os
outros Poderes, avalia o cien-
tista político Luiz Werneck
Vianna, professor da Pontifícia
Universidade Católica do Rio
(PUC-Rio).
O pesquisador vê nos atos,
que foram desmobilizados,
“uma tentativa de forçar os li-
mites da institucionalidade pa-
ra rompê-la”. O objetivo seria
“totalizar a política por um
projeto de poder”, sem objeti-
vo. Segundo ele, diferente-
mente do que ocorreu no go-
verno de Jânio Quadros
(1961) e na ditadura (1964-
1985), a iniciativa autoritária
que ele atribui a Bolsonaro
não tem programa. “É o poder
pelo poder, para acumular po-
der”, disse o cientista político
ao Estado.


lO recuo do presidente sobre os
atos foi apenas “físico”, por cau-
sa do coronavírus, ou político?
Foi político. Ele sentiu o esva-
ziamento. O coronavírus foi a
sopa no mel.


lIsso encerra o episódio ou o
presidente tende a, mais adiante,
retomar esse enfrentamento das
instituições?
Essa coisa vai ser retomada,
sim, quando ele encontrar condi-
ções favoráveis. Faz parte da na-
tureza desse regime. É destruir
as instituições da democracia
política. E com apoio de massas.


lComo o sr. analisa a convoca-
ção do ato que foi suspenso?
Há uma tentativa de forçar os li-
mites da institucionalidade pa-
ra rompê-la. Há uma estratégia
por trás, que é a conquista do
poder político total. Há uma
tentativa de totalizar a política
brasileira por um projeto de po-


der. Porque programa político
não há. A luta é pelo poder. Ele
quer todo o poder possível, acu-
mular poder, maximizar poder.
O limite do poder é o poder.

lIsso tem precedente na histó-
ria do Brasil?
Tem precedente, sim, mas ha-
via um programa envolvido.
Agora não tem programa ne-
nhum... Jânio (Quadros, presi-
dente em 1961 por sete meses, até
renunciar) tinha um programa.
Terceiro-mundista lá, aquela
época do Terceiro Mundo, na-
quele contexto. Agora, não
tem. Qual é o programa? O pró-
prio regime militar, que não
apelou às massas, mas quando
tomou todo o poder para si ti-
nha um programa, de moderni-
zação por cima da sociedade.

lO sr. acha que nesses atos o
presidente poderia se dirigir dire-
tamente às pessoas?
Acho que há, na verdade, um
projeto de fascistização do po-
der político no Brasil. Não tem
programa econômico, não tem
programa social, não tem pro-
grama de sociedade, de País, de
nada. Quer o poder todo. Para
quê? Conservar poder, mando.

lE as pessoas comuns envolvi-
das nisso? O que as move?
Às elites econômicas interessa-
ria o caminho de eliminação
de obstáculos sociais à acumu-
lação. Agora, mas só isso? A es-
ta altura, não nos basta. A eco-
nomia não tem andado. Não
tem obstáculo nenhum diante
dela. Não anda porque não
tem agentes econômicos inte-
ressados, envolvidos, não tem
sociedade para isso. Este gover-
no não tem programa econômi-
co. Tem um programa políti-
co, de extrair o máximo de po-
der possível de todas as fontes
existentes de poder. Para exer-

cer o poder total.

lMas tem muitas pessoas co-
muns, não empresários, que são
entusiastas do presidente.
Essas perguntas poderiam ser
feitas à expansão do fascismo
na Itália, do nazismo na Alema-
nha... Bom, o nazismo teve as
compensações do emprego, da
ordem. Mas essa pergunta não
sei responder. O que as pes-
soas estão querendo com isso...

lChamar os atos seria uma for-
ma de Bolsonaro manter a narra-
tiva “rebelde”, de “mito”?
Eu não compartilho da ideia
de que esse governo está ton-
to. Esse governo tem um proje-
to, o de conquistar todo o po-
der político para si. Quando
conseguir isso, vai conservar is-
so. Para quê? Eles não sabem,
não têm programa.

lCom muita frequência, o presi-
dente dá uma declaração contro-
versa, polêmica. Aí tem uma rea-
ção e ele se corrige, volta atrás...
Mas volta atrás sempre em um
movimento de dissimulação.
Porque o norte permanece.
Qual é o norte? É a conquista
de todo o poder político. O ca-
so aí dessa moça (a atriz Regi-
na Duarte) que está na Secreta-
ria de Cultura... Está aí em
uma circunstância muito parti-
cular. Mais dia, menos dia, ela
vai ser ejetada.

lQuando vai e volta, ele hesita
ou é método para testar reações?
É um método. É um método de
teste de força. Porque o objeti-
vo é, sempre, puramente políti-
co. Agora, vem cá. Tem uma rea-
lidade nova no País. Tem uma
ralé. Essa ralé pode ser tornar
uma base social de apoio a ele.

lQuem seria essa ralé?
São os desapropriados de tu-
do. Não é só pobre, não. É clas-
se média também. É ressenti-
mento e falta de valores. A so-
ciedade abdicou de valores,
deixou-se perverter. Há agen-
tes de perversão nisso.

lHannah Arendt fala em ralé,
que seriam pessoas de todas as
classes, mas não deram certo.
Isso, no sentido mesmo que
Hannah Arendt fala.

lO presidente ataca a imprensa
profissional. A que atribui isso?
A imprensa profissional expres-
sa interesses organizados. Ele
quer desorganizar tudo. Preci-
sa de um vácuo, um vazio.

lPara o sr., as instituições estão
ameaçadas?
Ah, estão. Tenta-se destituir as
instituições. As instituições
têm resistido. O fato é que a im-
prensa tem se comportado de
forma muito valorosa. Os articu-
listas. A situação está cada vez
mais clara. Estão pondo a nu as
circunstâncias em que estamos
envolvidos. Agora, depende de
uma força política que interrom-

pa essa maluquice, né?

lExiste essa força?
Por ora, não existe.

lO que explica que o presidente
tenha chegado lá? A Lava Jato?
A Lava Jato ajudou muito, né?
Porque minou as instituições,
minou os partidos, desmorali-
zou a política.

lOutros países já passaram por
processos assim?
É, vamos ver se vai ter (Benito)
Mussolini (ditador fascista da
Itália de 1922 a 1945) aí. Não
tem Mussolini, porque Musso-
lini era um homem preparado,

tinha programa. Aqui, é um fas-
cismo nu.

lNo curto prazo, acha que a po-
lítica brasileira tem condições de
se fortalecer? Ou vamos ficar na
situação atual por muito tempo?
Depende de lideranças. Quer
dizer, as nossas lideranças es-
tão muito velhas. Estamos mui-
to longe de um Ulysses Guima-
rães, estamos muito longe de
um Tancredo (Neves).

lNão existem hoje líderes novos
fortes?
Ainda não tem, mas vai apare-
cer. O sapo pula por precisão,
não por boniteza.

Ascensão de Biden e coronavírus ligam sinal de alerta na campanha de Trump. Pág. A14}


l‘Mando’

‘Programa político não


há. A luta é pelo poder’


WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Motivação. Para Werneck Vianna, presidente recuou porque ‘sentiu esvaziamento’ dos atos

TSE teme impacto na entrega de urnas


Para Justiça Eleitoral, coronavírus pode atrasar processo de aquisição para eleições de outubro; algumas peças são fabricadas na China


“Acho que há um projeto de
fascistização do poder
político no Brasil. Não tem
programa econômico, não
tem programa social, não
tem programa de sociedade,
de País, de nada. Quer o
poder todo. Para quê?
Conservar poder, mando.”

Luiz Werneck Vianna diz


que Bolsonaro não tem


diretriz e adiamento de


atos não encerra pressão


sobre Congresso e STF


Luiz Werneck Vianna, cientista político e professor da PUC-Rio

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