O Estado de São Paulo (2020-03-14)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-12:20200314:
A12 Política SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


José Maria Tomazela
SOROCABA
Pepita Ortega

O


Supremo Tribunal
Federal (STF) julgou
nesta semana a mais
antiga ação em tramitação na
Corte, que estava à espera de
uma decisão havia mais de 50
anos. Iniciada em abril de
1968 pela União contra o Es-
tado de São Paulo, a ação en-
volvia uma disputa de terras
em Iperó (a 125 km da capi-
tal). As duas partes se diziam
donas de 155,72 alqueires de
terrenos vizinhos à antiga Fa-
zenda Ipanema, onde funcio-
nou a Real Fábrica de Ferro
durante o período imperial.
A sentença foi dada anteon-
tem, 51 anos e 11 meses após o
início do processo, por unani-
midade, em favor do Estado
de São Paulo.
Os ministros negaram o pe-
dido da União, que buscava
anexar terras dos atuais bair-
ros Villeta e Alvorada ao pa-
trimônio federal da Fazenda
Ipanema, atual Floresta Na-
cional de Ipanema. O julga-
mento é definitivo e possibili-
tará que a prefeitura de Iperó
regularize a situação de 20
mil pessoas que vivem atual-
mente na área.
A ação foi ajuizada com o
objetivo de obter a anulação
de títulos de domínio expedi-
dos pelo governo paulista. A
União alegava que a área, co-
nhecida anteriormente co-
mo “Campos Realengos, Rei-
nóis ou Nacionais” era de sua

propriedade. O terreno teria si-
do anexado em 1872, por “or-
dem do Presidente da Província
de São Paulo” para ampliar a
área florestal e atender a deman-
da da Fábrica de Ferro por com-
bustível da fundição.
A Ação Cível Ordinária (A-
CO) 158 havia sido proposta ain-
da durante o regime militar, de-
pois que a Justiça paulista se jul-
gou incompetente para analisar
o caso. Na época, o Estado de
São Paulo considerava aquelas
terras devolutas, sem destina-
ção pelo poder público, e conce-
deu títulos aos posseiros que já
estavam na área. O governo fe-
deral interveio, alegando que se
tratavam de terras da União.
O argumento se baseou em re-
gistros de uma visita feita pelo
imperador D. Pedro II à Real
Fábrica, ao completar a maiori-
dade, em julho de 1840. Na oca-
sião, ele pediu à então Província
de São Paulo que as terras do
chamado Campos do Realengo
fossem anexadas à fazenda do
império. Com a alegação de
competência federal para o fei-
to, a tramitação do processo já
começou no Supremo. Desde
então, a disputa das terras ge-
rou um processo com 16 volu-
mes, quatro anexos e um total
de 1,6 mil páginas. Houve várias
tentativas de conciliação, sem
resultados.
No ano passado, a ministra
Rosa Weber, do Supremo, che-
gou a falar sobre a necessidade
de dar solução “à mais antiga
ação em trâmite nesta Corte”.
Relatora da ação, a ministra afir-
mou que a União não demons-

trou domínio sobre as terras.
“O que era inicialmente terra
doada a poucas pessoas, hoje
constitui grande bairro povoa-
do onde as famílias fixaram
suas residências, construíram
prédios, enfim, área que foi hu-
manizada ao longo do tempo,
alicerçada na presunção de
boa-fé dos réus e terceiros even-
tualmente atingidos”, disse.
Em seu voto, a ministra obser-
vou que, desde a Constituição
de 1891, as terras devolutas,
com exceção daquelas indispen-
sáveis à preservação ambiental
e à defesa das fronteiras, das

construções militares e das vias
federais de comunicação, per-
tencem aos Estados.

Provas. A ministra entendeu
que a União não provou que ad-
quiriu as terras em questão an-
tes da Constituição de 1891, por
meio de compra ou anexação,
para uso específico da atividade
siderúrgica desenvolvida na Fa-
zenda Ipanema. E nem que as
terras eram úteis quando da en-
trada em vigor da Constituição
de 1891. Além disso, Rosa indi-
cou que a União não individuali-
zou a área sobre a qual alega ter
posse, para se saber se coincide
com as terras quanto às quais o
Estado de São Paulo expediu os
títulos em questão.
Ao finalizar seu voto, Rosa
destacou que as leis brasileiras
passaram por diversas transfor-
mações durante o período de
tramitação da ação, pontuando
que o processo foi permeado pe-
la insegurança jurídica. “Não
obstante a desgastante condu-
ção deste processo nesta tortuo-
sa evolução legislativa, cuja de-

longa refletiu também sua com-
plexidade, possibilitou-se, ao fi-
nal, chegar a bom termo e con-
cluir, de forma segura, pela im-
procedência da ação”. Nessa li-
nha, a ministra destacou a im-
portância da preservação da se-
gurança jurídica, em especial
por que “há pessoas por trás
dos autos”. “O que era inicial-
mente terra doada a poucas pes-
soas, hoje constitui grande bair-
ro povoado, onde famílias fixa-
ram suas residências, construí-
ram prédios, enfim, a área foi
urbanizada”.
Rosa ainda determinou à Se-
cretaria da Corte que enviasse
as cópias dos autos para o Mu-
seu Histórico de Sorocaba e pa-
ra as prefeituras de Sorocaba e

Iperó, para registro cultural
e histórico, tendo em vista o
“robusto acervo histórico e
documental coligido” no de-
correr do processo.

Títulos. A decisão, em ses-
são quase sem público devi-
do à pandemia do coronaví-
rus, foi unânime. Com isso,
os títulos expedidos pelo go-
verno de São Paulo para os
moradores daquela porção
da Fazenda Ipanema tor-
nam-se válidos.
O advogado das famílias,
Solano Camargo, disse que a
regularização vai permitir
que os moradores obtenham
os títulos das propriedades e
possam investir nos imóveis.
“Embora a administração
atual tenha realizado melho-
rias na região, ainda faltam
escolas, unidades de saúde e
pavimentação.” A prefeitura
de Iperó informou que vinha
lutando pela definição do
processo para poder levar in-
fraestrutura à área com segu-
rança jurídica.

1.
Quem mandou matar a ve-
readora Marielle Franco?
Embora dois suspeitos de se-
rem os executores do crime
(Ronnie Lessa e Élcio Quei-
roz) tenham sido presos, ain-
da não há nenhuma pista so-
bre os mandantes do crime.
Investigadores de Brasília cita-
ram o nome do ex-deputado
estadual e conselheiro do Tri-
bunal de Contas do Estado do
Rio Domingos Brazão. Ele e
sua família são apontados co-
mo integrantes de milícias da
zona oeste do Rio. No entan-
to, investigações tocadas por
autoridades fluminenses des-
cartam a hipótese de que ele
seja o mandante do crime.

2.
Qual foi o motivo do crime?
Não se sabe. Quando foi mor-
ta, Marielle tinha acabado de
concluir o primeiro ano de seu
primeiro mandato como verea-
dora. Parentes, amigos e com-
panheiros de partido são unâ-
nimes em dizer que ela não
estava sendo ameaçada. Uma

hipótese investigada era DE
que a morte estaria relaciona-
da à grilagem de terras na zo-
na oeste do Rio. Outra era de
que ela teria sido morta como
“recado” ao deputado federal
Marcelo Freixo (PSOL-RJ), de
quem era próxima. As relações
de Marielle no PSOL também
foram investigadas, bem como
discussão dela com o vereador
Carlos Bolsonaro (PSC), de
quem era vizinha de gabinete
na Câmara Municipal.

3.
No início das investigações
foi dito que um segundo car-
ro teria participado do cri-
me. Isso foi descartado?
Essa hipótese foi citada pela
polícia na semana do crime,
mas não voltou a ser detalha-
da. Não foram fornecidas in-
formações sobre que modelo
ou quem estaria no veículo.

4.
Também foi divulgado que
câmeras de segurança que
poderiam ter registrado o
momento do atentado esta-

vam desligadas. Por ordem
de quem? Por qual motivo?
As imagens do momento exa-
to do crime seriam cruciais
para a investigação. Até agora,
no entanto, não se sabe o resul-
tado da apuração sobre o desli-
gamento das câmeras.

5.
Perito da PF teria detectado
fragmentos de impressões
digitais em cápsulas de mu-
nição achadas no local do
crime. Eles foram usados?
Na época se afirmou que o
fragmento era insuficiente pa-
ra rastrear uma identidade,
embora pudesse ser compara-
da a de eventuais suspeitos.
Não foi revelado, porém, se o
fragmento foi comparado às
digitais dos presos nem qual
teria sido o resultado.

6.
Por que ainda não foi encon-
trada a arma do crime?
A polícia identificou a arma do
crime como sendo uma subme-
tralhadora de origem alemã
HK MP5, de calibre 9 mm. Tra-

ta-se de uma arma de uso res-
trito no Brasil, usada apenas
por forças especiais. Cinco
submetralhadoras semelhan-
tes teriam desaparecido do
arsenal da Polícia Civil em


  1. A munição usada no cri-
    me, por sua vez, pertencia a
    um lote da Polícia Federal liga-
    do a outros crimes e teria sido
    roubada na sede dos Correios
    na Paraíba. Não se sabe se os
    desvios de armas e munições
    foram investigados nem qual
    o resultado. Quatro pessoas,
    incluindo a mulher de Ronnie
    Lessa, foram presas em outu-
    bro do ano passado acusadas
    de ocultar provas do crime.


7.
A PF abriu uma “investiga-
ção da investigação” por
suspeita de que haveria “in-
terferências externas” na
elucidação do crime. Qual o
resultado dessa apuração?
A Polícia Civil do Rio, respon-
sável pela investigação, foi acu-
sada de receber propina da mi-
lícia e obstruir a resolução do
crime, mas nenhum resultado

foi divulgado sobre a “investi-
gação da investigação”.

8.
Qual era a relação de Ron-
nie Lessa e Élcio Queiroz
com os integrantes do Escri-
tório do Crime?
O Escritório do Crime seria
comandado pelo ex-PM Adria-
no da Nóbrega – que foi morto
pela polícia na Bahia há pouco
mais de 1 mês. Não foi revela-
do até que ponto a morte de
Nóbrega estaria relacionada
ao caso Marielle. Ele não era,
portanto, suspeito de ser man-
dante ou executor do crime. O
Escritório do Crime foi citado
ao longo da apuração do caso
e, por isso, Adriano foi classifi-
cado como “suspeito no Caso
Marielle” quando morreu.

9.
Os suspeitos do caso tive-
ram acesso a informações
da investigação?
No dia em que foram presos,
Lessa e Queiroz já se prepara-
vam para fugir, indicando que
receberam informações sobre

a prisão. Nóbrega também es-
tava em fuga quando foi cerca-
do pela PM da Bahia. É prová-
vel que eles tenham informan-
tes, já que a milícia costuma
ser composta por ex-policiais.

10.
O que diz a Promotoria do
Rio dois anos após o crime?
O Ministério Público do Rio
informou ontem que mais de
200 pessoas já foram ouvidas.
Investigadores do Grupo de
Atuação Especializada no
Combate ao Crime Organiza-
do (Gaeco) disseram que bus-
cam os mandantes do crime
com “checagens rigorosas de
todas as informações obtidas
que devem ser provadas tecni-
camente”. Segundo o MP, há
sete investigações paralelas à
principal sobre o crime.

51 anos depois...

Roberta Jansen / RIO


Dois anos depois do assassina-
to da vereadora Marielle Fran-
co (PSOL) e do motorista An-
derson Gomes, em 14 de março


de 2018, no Rio, perguntas cru-
ciais sobre o caso seguem sem
respostas. O policial militar re-
formado Ronnie Lessa e o ex-
PM Élcio Queiroz foram presos
há um ano, acusados de serem
os executores do crime – eles
negam –, mas os mandantes
não foram identificados. Lessa
e Queiroz devem ser submeti-
dos a júri popular este ano.
As principais linhas de inves-
tigação foram sendo descarta-
das sem que outras tenham vin-

do a público. Como o caso é
mantido sob segredo de Justi-
ça, pontos básicos do crime, co-
mo a motivação do assassinato,
continuam desconhecidos. Ain-
da nestes dois anos, acusações
graves foram feitas à equipe de
investigação da Polícia Civil –
que receberia propina de mili-
cianos – e uma “investigação da
investigação” chegou a ser ins-
taurada pela Polícia Federal. Os
resultados das apurações nun-
ca foram apresentados.

Após dois anos, caso Marielle ainda tem lacunas


lAtualização
Ao condenar a União, a ministra
Rosa Weber, do STF, teve de atua-
lizar o valor dado à causa inicial-
mente, em 1968, de 50 mil cruzei-
ros novos. Hoje, o valor corres-
ponderia a R$ 100 mil.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

ONDE FICA

PR

MS

OCEANO
ATLÂNTICO

São Paulo

Floresta Nacional
de Ipanema

Iperó

MG
SP

PREFEITURA DE IPERO–17/5/

Espera. Bairro Vileta, no município de Iperó, no interior de São Paulo; ação sobre disputa por terreno teve início em 1968

STF JULGA


AÇÃO MAIS


ANTIGA; SP


VENCE UNIÃO


Sentença encerra briga por terreno em Iperó
e permite validar títulos de terra a moradores

WILTON JUNIOR/ESTADÃO–13/12/

Acusados de serem os


executores do crime


estão presos e vão a júri


popular, mas mandantes


não foram identificados


Memória. Vereadora do PSOL e motorista Anderson Gomes foram assassinados no Rio

NA WEB
Especial.
Dois anos da
morte de Marielle

estadao.com.br/e/especialmarielle
6
Free download pdf