O Estado de São Paulo (2020-03-14)

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A14 SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional


WASHINGTON

Há um mês, Donald Trump ca-
minhava tranquilo para a ree-
leição. Seu rival democrata se-
ria Bernie Sanders, radical es-
querdista que assusta o elei-
tor moderado. A economia da-
va sinais de força e a populari-
dade de Trump batia recor-
des. Agora, além de o corona-
vírus ter dizimado os merca-
dos e cortado previsões de
crescimento, tudo indica que
o presidente ganhou como ad-
versário Joe Biden, um mode-
rado que atrai centristas, re-
publicanos dissidentes e
ameaça sua tranquilidade elei-
toral.
A epidemia, que infectou qua-
se 2 mil americanos em 47 Esta-
dos deixando pouco mais de 40
mortos, caiu como uma bomba
no colo de Trump. Após passar
semanas minimizando o impac-
to da doença, agora ele sentiu o
golpe. Assessores da campanha
dizem que o único tema discuti-
do entre eles é o coronavírus. O
objetivo é evitar a consolidação
da imagem de um presidente ne-
gligente com relação a um tema
tão delicado de saúde pública.
Mas muito além da imagem, a
epidemia afetou a campanha do
presidente em dois aspectos
cruciais. Primeiro, os discursos
que reuniam multidões e revigo-
ravam o espírito de Trump fo-
ram cancelados. Na quinta-fei-
ra, no Salão Oval da Casa Bran-
ca, ele disse que não saber se irá
à Flórida no dia 25 para um comí-
cio na cidade de Tampa. “Tive-
mos de fazer alguns ajustes”,
afirmou o presidente. “Eu não
quero ficar voando de avião pa-
ra todo lado neste momento.”
Os grandes comícios serviam
para Trump manter um conta-
to direto com o eleitor e criar
sua própria narrativa em jor-
nais e TVs. Michael Caputo,
que trabalhou na corrida presi-
dencial republicana de 2016, dis-
se que o cancelamento de comí-
cios é preocupante. “Esses even-
tos são parte importante da
campanha”, afirmou. “Perdê-
los significa dar uma pequena
vantagem para Biden.”
Outro problema para o presi-
dente é interromper os eventos
de arrecadação de fundos de
campanha. Na quarta-feira, a
Casa Branca cancelou a ida de
Trump a uma conferência
anual em Las Vegas, no fim de
semana, onde ele apareceria ao
lado do magnata dos cassinos
Sheldon Adelson. Uma visita ao
Estado de Milwaukee, na sema-
na que vem, também foi descar-
tada em razão do coronavírus.

Os planos para o treinamen-
to de voluntários e a organiza-
ção de comitês de campanha
em várias partes do país tam-
bém tiveram de ser suspensos.
Alguns assessores começaram
ontem a trabalhar de casa. As
próximas semanas, de acordo
com pessoas ligadas à Casa

Branca, serão decisivas para
conter a epidemia e estabilizar
a economia. “Tudo depende de
quanto tempo vai durar a cri-
se”, afirmou um assessor do go-
verno. “Se durar até o segundo
semestre, o presidente terá um
grande prejuízo. Mas, se tudo
acabar em dois meses, ele vai se
sair bem.”
E no meio da pandemia tem
Biden. Os republicanos não
acreditam que o ex-vice-presi-
dente americano seja um candi-
dato estável e apostam no de-
sempenho de Trump nos deba-
tes. Até agora, porém, o demo-
crata está passando como um
rolo compressor pelas primá-
rias do Partido Democrata, in-
clusive em Estados considera-
dos chave, como Michigan, Ca-
rolina do Norte e Virgínia.
Em sete pesquisas nacionais
diferentes, divulgadas ao longo
da última semana, Biden supera
Trump: YouGov (45% a 41%),

Ipsos (44% a 42%), Morning
Consult (48% a 41%) e Harris
Poll (55% a 45%), Quinnipiac
(52% a 41%), Rasmussen (48% a
42%) e CNN (53% a 43%).
“Se fosse (Elizabeth) Warren
ou Bernie Sanders e não tivesse
coronavírus, acho que Trump
poderia passar despercebido”,
disse Kevin DeWine, ex-presi-
dente do Partido Republicano
de Ohio. “Mas se é Biden, com
investimentos caindo e um am-
biente disruptivo por conta do
coronavírus, então é uma histó-
ria totalmente diferente.”
Seja como for, antes de se con-
centrar em Biden, é consenso
na Casa Branca que Trump pre-
cisa da uma resposta firme à epi-
demia. A declaração de estado
de emergência, feita ontem em
Washington, e a liberação de
US$ 50 bilhões para o combater
o coronavírus, foram um come-
ço. Resta saber se será o sufi-
ciente. / AP, NYT, WP e REUTERS

Eleições nos EUA. Republicanos, que davam como certa a reeleição do presidente, agora avaliam como lidar com o fim dos grandes


comícios, com cancelamento dos eventos de arrecadação de fundos e com crescimento do ex-vice-presidente democrata nas pesquisas


lExame
Donald Trump
afirmou ontem
que pode fazer
um exame pa-
ra saber se
está com o co-
ronavírus,
após ter tido
contado com
infectados.

E


nquanto enfrenta a crise mais sé-
ria de seu mandato, Donald
Trump tem sido assertivo ao falar
em fechar fronteiras para estrangeiros,
uma de suas políticas favoritas. Mas, nos
EUA, à medida que o coronavírus se espa-
lha de uma comunidade para outra, ele
tem sido mais seguidor do que líder. Ape-
sar de ser o presidente, Trump se tornou
um espectador, enquanto superintenden-
tes de escolas, comissários esportivos,
diretores de faculdades, governadores e
empresários decidem mudar grande par-
te do cotidiano dos americanos sem a
orientação clara da Casa Branca.
Por semanas, Trump resistiu em dizer
aos americanos para cancelar ou ficar
longe de grandes reuniões, relutante até
em cancelar seus próprios comícios de
campanha, mesmo quando ele reconhe-
ceu de má vontade que provavelmente
precisaria fazer isso. Coube a Anthony
Fauci, o cientista mais famoso do gover-
no, dizer publicamente o que o presiden-
te não faria grandes encontros, influen-
ciando as ligas de basquete, hóquei, fute-
bol e beisebol em apenas 24 horas a sus-
pender os jogos e cancelar os torneios.
Prefeitos de cidades, executivos de hos-
pitais e proprietários de fábricas não re-
ceberam mais orientações do presidente.
Além dos limites de viagem e lembretes
de lavar as mãos, Trump deixou para ou-
tras pessoas definir o caminho no comba-
te à pandemia e indicou que não estava
com pressa de tomar outras medidas.
Em seu pronunciamento, mesmo com
o texto na tela, ele descaracterizou suas
próprias políticas de uma maneira que
exigiu que seu governo o corrigisse pos-
teriormente. Autoridades disseram que
havia dois erros no texto. Um deles foi
acrescentar a palavra “apenas” em uma
frase que pretendia dizer que a proibi-
ção não se aplica ao comércio e aos fre-
tes, o que assustou os mercados.
Trump também se referiu à pandemia
como um “vírus estrangeiro” que “não
terá chance contra nós” como se fosse
uma nação hostil a ser derrotada no
campo de batalha. Mas havia mais. Em
seu discurso, houve um apelo ao Con-
gresso para “parar com o partidaris-
mo”. O pedido durou apenas nove ho-
ras. Na madrugada de quinta-feira, ele
já havia tuitado ou retuitado ataques ao
senador Chuck Schumer e à líder demo-
crata, Nancy Pelosi.

]
SÃO JORNALISTAS

WASHINGTON


O Estado da Louisiana decidiu
ontem adiar suas primárias pre-
sidenciais em um esforço para
conter a disseminação do coro-
navírus, informou a CNBC, ci-
tando um porta-voz do secretá-
rio de Estado da Louisiana, Kyle
Ardoin. As prévias, que estavam
programadas para 4 de abril, fo-
ram adiadas para 20 de junho.


Os Estados de Arizona, Flóri-
da, Illinois e Ohio disseram, em
um comunicado conjunto, que
realizarão suas primárias na ter-
ça-feira, como previsto, mas au-
mentarão as medidas para ga-
rantir a segurança dos partici-

pantes. A decisão de Louisiana,
no entanto, representa um pro-
blema para o Partido Democra-
ta, que precisaria realizar todas
as primárias até o início de ju-
nho sob risco de perder delega-
dos para a convenção de julho.
A campanha do ex-vice-presi-
dente John Biden, que lidera a
disputa, pediu aos Estados que
realizem as votações nas datas
programadas. “Nossos traba-
lhos com os funcionários de saú-
de pública demonstraram que
nossas eleições podem ser reali-
zadas em segurança”, afirmou
Kate Bedingfield, vice-diretora
da campanha de Biden.
O ex-vice-presidente ameri-
cano e seu rival, o senador Ber-

nie Sanders, que disputam a can-
didatura democrata para en-
frentar o presidente republica-
no, Donald Trump, nas eleições

de novembro, cancelaram os co-
mícios em razão da epidemia de
coronavírus nos EUA, que le-
vou o governo americano a de-

clarar emergência ontem. Des-
de o início da semana, os dois
têm buscado meios criativos de
se conectar com os eleitores, co-
mo campanha pela internet.

Liderança. Na quinta-feira,
tanto Biden quanto Sanders co-
braram uma resposta mais
agressiva de Trump e de seu go-
verno depois do aumento do nú-
mero de contaminados e de ca-
sos suspeitos nos EUA.
Biden consolidou sua diantei-
ra na disputa democrata ao ven-
cer em Estados importantes co-
mo Michigan, Texas e Carolina
do Norte, que lhe deram uma
ampla vantagem sobre San-
ders. Analistas acreditam que
os quatro Estados que realizam
primárias na terça-feira repre-
sentam a última chance de San-
ders para evitar um caminho
sem volta para a nomeação de
Biden na convenção do partido.
/ AP e REUTERS

Ascensão de Biden e coronavírus ligam


sinal de alerta na campanha de Trump


lEm risco

lPosição democrata

EVAN VUCC/AP

“Se fosse (Elizabeth)
Warren ou Bernie Sanders,
e não tivesse coronavírus,
acho que Trump poderia
passar despercebido. Mas se
é Biden, com investimentos
caindo e um ambiente
disruptivo por causa do
coronavírus, acho que é
uma história totalmente
diferente”
Kevin DeWine
EX-PRESIDENTE DO PARTIDO
REPUBLICANO DE OHIO

Prevenção. Bruce Greenstein, do grupo de saúde LHC, oferece cotovelo após Trump tentar lhe dar a mão

Presidente ainda


se comporta como


espectador da crise


]
ANÁLISE:
Peter Baker e Maggie Haberman / NYT

MELINDA DESLATTE/AP–12/3/

Arizona, Flórida, Illinois


e Ohio mantêm votação
na terça-feira, como


previsto, mas aumentam


medidas de segurança


“Nossos trabalhos com
os funcionários de saúde
pública demonstraram
que nossas eleições
podem ser realizadas
em segurança”
Kate Bedingfield
VICE-DIRETORA DE
CAMPANHA DE JOE BIDEN

Louisiana adia primárias para


conter disseminação de doença


Adiamento. John Bel Edwards, governador de Louisiana
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