O Estado de São Paulo (2020-03-14)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






John Lennon dizia que gosta-
va de viver em Nova York por-
que lá ele podia ser um ho-
mem comum. Depois de alcan-
çar a fama com os Beatles, Len-
non mudou-se para a cidade
em 1971, um ano após o fim da
banda, com a mulher Yoko
Ono. A exposição John Len-
non em Nova York, que abre


nesta sexta-feira, 13, no Mu-
seu da Imagem e do Som
(MIS), traz fotos que Bob
Gruen tirou durante 9 anos e
que mostram a relação do ar-
tista com a cidade, na tentati-
va de mudar sua vida e reposi-
cionar a carreira.

http://www.estadao.com.br/e/gruen

V


ivemos tempos marca-
dos pela exacerbação
ideológica, em que se
confundem facilmente valo-
res com posições ideológicas
e partidárias. A polarização
ideológica cria miopias e até
cegueiras, que não deixam
mais ver as coisas como elas
são e tudo é passado pelo fil-
tro da ideologia assumida. To-
da realidade é, então, assimila-
da a partir do preconceito. E
o enquadramento ideológico
se sobrepõe à verdade.
Falar de direitos humanos,
fraternidade, solidariedade e
justiça social causa arrepios
aos que tomam posição num
dos polos. E logo aparece o
rótulo: “É coisa de comunis-
ta”. Assumir a defesa da vida
humana, ser contra o aborto
e professar valores morais e
religiosos, isso é tachado pe-
lo outro polo ideológico co-
mo “coisa da direita, de ultra-
conservadores”.
Será que a realidade é tão
simples assim, em que são
possíveis e devem ser aceitas
como verdadeiras apenas
duas interpretações extremas
e opostas entre si? Posições,
ademais, sem base na própria
realidade das coisas, mas fun-
dadas em posições ideológi-
cas ou partidárias previamen-
te assumidas? Parece-me que
isso seria o verdadeiro funda-
mentalismo, no qual a com-
plexidade das coisas deveria
necessariamente caber em
duas caixinhas apertadas.
Os extremismos levam à ce-
gueira ou, pelo menos, à mio-
pia, à deturpação da realida-
de. Fundamentalismos são fe-
chados e avessos ao diálogo,
preferem a luta contra quem
é diferente, pensa diversamen-
te e tem escolhas partidárias
ou convicções religiosas dis-
tintas das suas. Daí vem a po-
larização sectária, fonte de
agressões e violências de todo
tipo, até mesmo mediante o
recurso à difamação, à calúnia
e à violência física. As fake
news e agressões contra pes-
soas pelas mídias sociais, ge-
ralmente de rosto encoberto
ou com perfil falso, potenciali-
zam aquilo que em outros

tempos eram fofocas de esqui-
na ou calúnias a meia voz e se
mantinha circunscrito a um
ambiente restrito.
Interpreto esses fenôme-
nos como sinais de uma pro-
funda crise do pensamento fi-
losófico, a permear a cultura
do nosso tempo. O esvazia-
mento da filosofia do ser le-
vou à desconfiança quanto à
capacidade humana de conhe-
cer a verdade e de afirmar al-
go que vá além do objetivável
e verificável mediante méto-
dos científicos. Faz bem a
ciência em seguir avante com
seu método próprio, rigorosa-
mente aplicado. Mas nem tu-
do é passível de ser enquadra-
do nesse método. A verdade
sobre o homem e seus an-
seios mais profundos, sobre
os ditames da ética e da mo-
ral, o discurso sobre o mundo
e Deus, enfim, a verdade pro-

priamente filosófica, tudo foi
atirado ao mundo das incerte-
zas e da opinião subjetiva.
É verdade o que cada um
diz ou sente. Cada um tem a
sua verdade e, assim, acaba-se
não tendo mais nenhuma ver-
dade. Onde tudo é verdade,
nada é verdade.
A verdade dos nossos tem-
pos tornou-se líquida, vaporo-
sa, nebulosa e inalcançável,
deixando um vazio enorme e
uma incerteza angustiante. Is-
so acaba abrindo espaços pa-
ra discursos fundamentalis-
tas, sustentados por gurus ilu-
minados a prometer sua ver-
dade segura e salvadora, ge-
ralmente embasada no anta-
gonismo e no ódio. A ela se
adere cegamente, sem admi-
tir espaço para o contraditó-
rio, o diálogo e a acolhida de
outras luzes para iluminar a
compreensão das coisas e
das pessoas.
Esse estado de espírito bipo-
lar também torna enferma a
cultura e a convivência social,
favorecendo o surgimento de

supostos salvadores da pátria,
que pregam fundamentalis-
mos sectários e requerem ade-
são irrestrita às suas ideias e
posições extremadas, demoni-
zando quem pensa diversa-
mente, ou tem posições con-
trárias às suas. Tempos de
grandes incertezas e de inse-
gurança social, econômica e
cultural, ao longo da História,
foram ocasiões favoráveis pa-
ra o surgimento de caudilhos
oportunistas e regimes totali-
tários, que produziram enor-
mes tragédias.
Isso tem solução? Certa-
mente, existem soluções. A
primeira coisa a fazer é a to-
mada de consciência dessa si-
tuação e fazer uma avaliação
crítica sobre o que está acon-
tecendo. A tentação a se dei-
xar levar pela polarização fe-
chada deve ser vencida pela
abertura sincera e corajosa ao
diálogo e à atitude da escuta.
Ninguém precisa abdicar ime-
diatamente das próprias con-
vicções para aceitar as do ou-
tro. Trata-se de ouvir e de per-
ceber as razões do outro, do
qual podemos sempre apren-
der algo. Ninguém, a não ser
Deus, é senhor absoluto da
verdade. De maneira indivi-
dual, nossa percepção da ver-
dade é sempre parcial e pode-
mos aprender algo de quem
pensa diversamente de nós.
Mesmo que devamos discor-
dar inteiramente do outro,
não estamos dispensados de
tratá-lo com respeito e consi-
deração, como nós mesmos
gostaríamos de ser tratados
por quem discorda de nós.
A atitude dialogante e o es-
pírito desarmado também de-
vem permear as relações so-
ciais e políticas. Os extremis-
mos raivosos e as manifesta-
ções de ódio envenenam e tor-
nam sufocante o convívio so-
cial. No diálogo sereno, ao
contrário, todos têm a ga-
nhar. A vida social alicerçada
no respeito às pessoas e no
senso de colaboração e justiça
faz bem a todos.

]
CARDEAL-ARCEBISPO
DE SÃO PAULO

Guitarrista ajudou Ringo e
fez dobradinhas com outros
artistas famosos.

http://www.estadao.com.br/e/george

50 ANOS DO FIM


SP ganha exposição sobre Lennon


Lennon escreveu o hino pa-
cifista ‘Imagine’, se afastou
da música para cuidar do
filho, Sean, e foi assassinado
depois de fim de hiato.

http://www.estadao.com.br/e/john

l“O vírus tem um tempo de incubação e os sintomas iniciais são simila-
res a uma influenza! Onde está a negligência?”
NILSON LARA

l“Agora a culpa é dele? O culpado é o mandatário do Brasil por ter via-
jado sabendo que o vírus estava circulando. Tenha paciência!”
SONIA ECLAIR DE REZENDE

l“Parece que faltou comunicação da parte do chefe da Secretaria de
Comunicação do governo, não é?”
MARCIO LOPES

l“O próprio chefe dele (Jair Bolsonaro) disse que a doença era uma
‘fantasia’. Ele acreditou, não vamos culpá-lo.”
CRISTIANE DOS SANTOS

COMENTÁRIOS

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Paul formou uma nova ban-
da de sucesso, Wings, e sua
paleta de composições in-
cluiu música erudita, além
de clássicos do pop.

http://www.estadao.com.br/e/paul

Espaço Aberto


O


Nobel de Literatura
Albert Camus publi-
cou em 1947 o roman-
ce existencialista A Peste, ima-
ginando uma epidemia na ci-
dade argelina de Oran, no nor-
te de África, sitiada para con-
tenção de sua disseminação.
A cidade, de 200 mil habitan-
tes, é surpreendida pela mis-
teriosa morte de milhares de
ratos, que, desgovernados,
morriam em locais que não
frequentavam. Enquanto a
população, apreensiva, espe-
cula sobre a doença dos roe-
dores, aconteceu sua dissemi-
nação entre humanos, mani-
festada por febre seguida de
morte em poucos dias.
No início as autoridades re-
futam a possibilidade do diag-
nóstico médico de peste e o
risco de sua disseminação ex-
ponencial, mas, depois de
muitas mortes, fecham as
fronteiras. Cada cidadão con-
finado tem de aprender a li-
dar com seu particular sofri-
mento associado ao medo, ra-
cionamento e isolamento de
amores e familiares. Escolas
são transformadas em hospi-
tais auxiliares. Funerais pas-
sam a ser fiscalizados e conta-
giantes são postos em quaren-
tena. O estoque de soro se es-
gota e um dos personagens
acumula riqueza com contra-
bando de bens racionados.
O sermão de um erudito pa-
dre jesuíta, numa interpreta-
ção fake, atribui o evento a
castigo divino aos pecadores,
mas é desacreditado quando
ele mesmo se torna vítima da
doença. Sem tratamento, a
epidemia segue seu curso na-
tural e desaparece em meses.
Causada por uma bactéria,
hoje a peste é restrita a focos
isolados, limitados pelo uso
de antibióticos.
A epidemia do novo corona-
vírus (covid-19) mimetiza par-
te do romance. Contestada
em dezembro, foi admitida
no mês seguinte, depois da
comprovada transmissão en-
tre humanos em Wuhan, cida-
de chinesa de 10 milhões de
habitantes, logo sitiada para
contenção da doença. O mun-
do, apreensivo, esperava que


esse surto seguisse o rumo de
anteriores, geograficamente
restritos pela baixa capacida-
de de disseminação. Entretan-
to, em menos de três meses
ele se disseminou por mais
de cem países, com mais de
100 mil casos confirmados,
cuja mortalidade, ao redor de
2%, é semelhante à da gripe
espanhola, que assolou o
mundo em 1918. No Irã a mor-
talidade parece maior pela in-
definição do número de pes-
soas infectadas com manifes-
tações leves. Na Lombardia
(Itália), o principal foco oci-
dental da doença, cidades fo-
ram isoladas e as aglomera-
ções, limitadas, com restri-
ções ao fluxo de pessoas; as
atividades escolares foram in-
terrompidas, plateia de parti-
das de futebol, excluída e mis-
sas dominicais, canceladas. A
restrição doméstica dos infec-

tados menos graves e de seus
contatos é mandatória e o co-
tidiano dessas pessoas, dete-
riorado como no romance.
Nos Estados Unidos seu pre-
sidente comunicou pessoal-
mente a primeira morte no
país e colocou seu vice na li-
derança do comitê dessa cri-
se. No Japão a realização da
Olimpíada está ameaçada.
No Brasil poucas dezenas
de casos foram confirmadas,
a maioria importada e confi-
nada em quarentena em suas
residências. Entretanto, o nú-
mero de suspeitos tornou-se
progressivo depois da recen-
te identificação de casos de
transmissão interna. Assim,
pessoas com sintomas respi-
ratórios semelhantes, causa-
dos por diversos vírus da gri-
pe comum, naturalmente se
assustam. Já há desabasteci-
mento de produtos como
máscaras hospitalares de pro-
teção individual, cujo preço
aumentou. A ameaça de epi-
demia em aglomerações habi-
tacionais sem infraestrutura

apropriada, ou no sistema car-
cerário, demandará muito
pensamento e ação para con-
ter uma possível dissemina-
ção da doença em condições
onde o isolamento em qua-
rentena se torna praticamen-
te impossível.
Bill Gates publicou há pou-
cos dias artigo numa das prin-
cipais revistas médicas do
mundo, New England Journal
of Medicine, clamando para
que governantes, indústria e
lideranças promovam ações
que tornem disponível a assis-
tência para as populações e
regiões com maior necessida-
de como a única forma de mi-
nimizar a disseminação do co-
ronavírus e prevenir futuras
pandemias.
O comportamento deste co-
ronavírus é repleto de enig-
mas, desde a potencialidade
de sua disseminação e de gra-
vidade em diferentes áreas
geográficas e étnicas até a pos-
sibilidade de sua incorpora-
ção entre as gripes sazonais,
como aconteceu com a in-
fluenza H1N1. É menos prová-
vel que um medicamento pos-
sa controlar a doença, seu
controle sustentado deve de-
pender do desenvolvimento
de vacinas, como foi com a gri-
pe causada pelos vírus da in-
fluenza. Essa ansiada expecta-
tiva cria mais uma oportunida-
de para que a fração descren-
te da população volte a enten-
der a importância da vacina-
ção para a manutenção da saú-
de pública, conceito recente-
mente abalado pela dissemi-
nação de fake news relaciona-
das ao sarampo.
Além dos danos para a saú-
de, os efeitos do temor e pre-
caução que determinam redu-
ção do fluxo internacional de
pessoas, bens e suprimentos
causam enorme repercussão
econômica na cadeia global de
produção e consumo, levando
à queda nas bolsas de valores
e ameaça ao crescimento eco-
nômico semelhantes às maio-
res crises do passado.

]
PROFESSOR TITULAR DA UNIFESP
E-MAIL: [email protected]

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
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NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
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0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

JOHN
Criador dos Beatles
foi o mais controverso

McCartney foi o mais
prolífico dos Beatles

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

REPRODUÇÃO ANTHONY ED/DIVULGAÇÃO

]
José Medina Pestana


Tema do dia


Carreira solo de Ringo foi
cheia de altos e baixos, mas
digna de um ex-beatle.

http://www.estadao.com.br/e/ringo

O romance ‘A Peste’, de Albert Camus,


e o coronavírus


Além dos danos à saúde,
os efeitos do temor e da
precaução ameaçam o
crescimento econômico

Cultura


bipolar


A vida social alicerçada
no respeito e no senso
de colaboração e
justiça faz bem a todos

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
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SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
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CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Após coronavírus,


Wajngarten vira alvo


de críticas no Planalto


Integrantes do alto escalão do Executivo
avaliam que chefe da Secom não foi
transparente sobre seu estado de saúde

]
Dom Odilo P. Scherer

TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO PAUL

No estadao.com.br


GEORGE

Beatle ‘quieto’ fez
muitas parcerias

RINGO

Baterista combinou
hits e alcoolismo
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