O Estado de São Paulo (2020-03-14)

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A27


ENTREVISTA


Mateus Vargas / BRASÍLIA


Países devem estar atentos pa-
ra mudar a estratégia de com-
bate ao coronavírus, quando
confirmada a transmissão co-
munitária. A medida evitaria
erros vistos na Itália, que de-
morou para perceber a circula-
ção da doença, o que sobrecar-
regou o sistema de saúde, afir-
ma o médico brasileiro Jarbas
Barbosa, vice-diretor da Orga-
nização Pan-Americana da Saú-
de (Opas), braço da Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS).
“É preciso manter a estraté-
gia de hoje, mas acelerar a de
amanhã. Para não ocorrer co-
mo na Itália. Lá, infelizmente,
não perceberam que havia
transmissão. Só começaram a
notar quando estavam chegan-
do casos graves e mortes”, dis-
se Barbosa. Para ele, a primei-
ra etapa de enfrentamento à
doença deve ser de contenção,
preparando a rede de assistên-
cia para receber pacientes e


isolando pessoas que tiveram
contato com casos confirma-
dos, por exemplo.
Em fase seguinte, quando há
confirmação de transmissão
do vírus, o trabalho é para “sal-
var vidas”, com foco em gru-
pos de risco: idosos e doentes
crônicos. Nessa etapa, são ava-
liadas medidas de distancia-
mento social, por exemplo.
Barbosa afirma que não há
“bala de prata” para resolver o
surto da doença, mas um “con-
junto de ações”. Medidas co-
mo cancelar aulas, afirma, têm
de ser muito bem pensadas.
“Quando não há transmissão
comunitária disseminada, vo-
cê está prevenindo o quê (ao
determinar afastamento so-
cial)?”. “Mas também não po-
de demorar, senão a transmis-
são sobrecarrega o serviço de
saúde”, diz ele, que foi secretá-
rio do Ministério da Saúde e
presidente da Agência Nacio-
nal de Vigilância Sanitária.

lO que muda com a doença
classificada como pandemia?
É o reconhecimento de que a
dispersão geográfica está con-
solidada. Não significa que ha-
verá mais casos graves ou mais
mortes. Na América Latina e
no Caribe ainda vamos ter um

mosaico de situações. O que
estamos chamando a atenção,
reforçando, apoiando tecnica-
mente para isso, é a prepara-
ção para possível transmissão
comunitária disseminada.
Tem de ser acelerado. Esta-
mos falando de organizar servi-
ços de saúde, identificar bem
quem são as referências.

lO senhor poderia dar exem-
plos de medidas para preparar
os sistemas de saúde?
Primeiro é ter claro quem vai
fazer o quê. Definir estraté-
gias. Quando você tem trans-
missão comunitária, não faz
sentido pessoas com quadro le-
ve irem para os serviços de saú-
de. Tem país que diz: ‘Olha, fi-
ca em casa’. São medidas para
não sobrecarregar o sistema
de saúde para que grupos de
maior vulnerabilidade sejam
atendidos. Também envolve
medidas que a gente chama de
aumento rápido de capacida-
de. Por exemplo, adiar procedi-
mento cirúrgico que não é de
emergência.

lAlguns países têm tomado
medidas mais restritivas. É o
momento correto?
Cada país tem de fazer uma
avaliação bem criteriosa. Não

é só aumento do número de ca-
sos que importa. É o tipo de
transmissão. Uma decisão des-
sa não pode ser tomada muito
precocemente – quando não
há transmissão comunitária
disseminada você está preve-
nindo o quê? Nem pode demo-
rar, senão a transmissão muito
forte pode sobrecarregar os
serviços de saúde. É importan-
te tomar a decisão no momen-
to que faça efeito. Para tam-
bém não estressar as pessoas.

lNo Brasil é recomendável to-
mar já medidas restritivas?
Não posso fazer esta análise.
Ela é da autoridade sanitária,
que tem a riqueza de dados. O
Brasil tem atuado com total
transparência. Fazemos uma
recomendação geral para cada
país adaptar à sua realidade.

lHá discussão sobre cancela-
mento de aulas em escolas. Qual
é a leitura da Opas/OMS?
Este debate era grande já na
época do H1N1. Quando há ni-

tidamente casos em escolas, se
as unidades estão sendo ele-
mento de transmissão, pode fa-
zer sentido. Sabemos que al-
guns países da região tomaram
medidas de cancelar voos.
Tem de avaliar bem se é efeti-
vo, se o impacto econômico
não é maior do que o desejado.

lAlguns países estão isolando
pessoas que estiveram em locais
com transmissão comunitária. A
medida pode ser efetiva?
Essas medidas de contenção,
por mais rigorosas que sejam,
dependendo do grau de trans-
missão que países vizinhos
apresentarem, não serão efeti-
vas para impedir que ocorra
transmissão. Elas podem retar-
dar. É bom quando retarda, vo-
cê ganha mais tempo para pre-
parar o seu serviço de saúde.
Mas não há evidência de uma
medida de contenção que, até
aqui, tenha sido capaz de impe-
dir transmissão em um país.
Não estamos falando de uma
bala de prata que resolve tudo,

estamos falando de um conjun-
to de medidas. É preciso man-
ter a estratégia de hoje, mas
acelerar a de amanhã. Para não
ocorrer como na Itália. Lá, infe-
lizmente, não perceberam que
havia transmissão. Só começa-
ram a notar quando estavam
chegando casos graves e mor-
tes. Os serviços na Itália, em
grande parte, ficaram sobrecar-
regados.

lQuais erros já foram notados
neste surto de coronavírus e po-
dem ser evitados?
Principalmente ter estratégia
de contenção, mas preparar pa-
ra a fase de mitigação. Quem
não faz ao mesmo tempo vai
perder tempo. São dias precio-
sos para evitar sobrecarga do
serviço. O erro é o sistema de
vigilância não dar informação,
e você demorar a perceber que
tem de mudar de estratégia...
Continuar com contenção,
quando já há transmissão na
comunidade. Foi o que aconte-
ceu na Itália.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Jarbas Barbosa, vice-diretor da Opas


São Paulo e Rio fecham os portões dos estádios de futebol. Pág. A 28 }


MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL–4/7/2018

Estratégias. Para Jarbas Barbosa, foco deve ser em grupos de risco, como os idosos

‘É preciso acelerar


combate para evitar


os erros da Itália’


Medidas como cancelar


aulas têm de ser muito


bem pensadas, diz


brasileiro na Organização


Pan-Americana da Saúde

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