O Estado de São Paulo (2020-03-14)

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B6 Economia SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Eduardo Rodrigues / BRASÍLIA


Para tentar conter a escalada do
dólar, o Banco Central já injetou
US$ 15,245 bilhões em recursos
novos no mercado do câmbio
apenas em março. O dólar – que
neste semana chegou a bater em
R$ 5 – vem subindo em todo o
mundo em meio à busca pelos
investidores por ativos de prote-
ção. Por trás do movimento, es-


tá o avanço da pandemia de coro-
navírus e as incertezas sobre a
duração e a magnitude dos efei-
tos da doença sobre o cresci-
mento da economia global.
Para piorar, no começo de
março os países produtores de
petróleo entraram em uma dis-
puta que levou à forte queda no
preço internacional do barril.
Por fim, no Brasil, o cenário po-
lítico conturbado em torno do
orçamento impositivo tem ser-
vido de estímulo para um dólar
ainda mais caro.
Somente em 2020 o dólar
acumula uma alta de 20% em
relação ao real. Considerando
apenas as duas primeiras sema-
nas de março, o avanço da moe-

da americana foi de 7,54%. Esse
aumento só não foi maior por-
que o BC atuou diariamente no
mercado, lançando um arsenal
de intervenções, muitas delas
sem aviso prévio durante os mo-
mentos de maior volatilidade
da moeda.
Nesta semana, o BC vendeu
US$ 7,2 bilhões à vista aos agen-
tes financeiros. Esse tipo de
operação significa uma injeção
de recursos “na veia”, já que os
contratos não preveem a recom-
pra desses valores pela autorida-
de monetária no futuro. Na
prática, significa que o governo
está “queimando” parte das re-
servas internacionais para es-
tancar o dólar. As reservas inter-

nacionais do Brasil estão na ca-
sa dos US$ 361 bilhões.
Conforme mostrou o Esta-
dão/Broadcast em dezembro, o
BC vendeu US$ 28 bilhões à vis-
ta ao longo de todo o segundo
semestre do ano passado para
enfrentar as flutuações da moe-
da. Somente nesta semana, no
entanto, precisou vender um
quarto desse valor.

Swap. Intercalado às vendas
de dólares à vista, o BC nego-
ciou outros US$ 6 bilhões neste
mês em novas operações de
swap cambial, um tipo de con-
trato cuja negociação tem efei-
to equivalente à venda de dóla-
res no mercado futuro. É justa-
mente o mercado futuro de dó-
lar o mais líquido no País e o que
costuma conduzir as cotações –
inclusive, do dólar à vista.
Ontem, o BC ainda vendeu
mais US$ 2 bilhões de recursos
novos em leilões de linha com

recompra. Esse tipo de opera-
ção já traz embutida a garantia
de que a autoridade monetária
irá reaver os montantes nego-
ciados em uma data futura.
No começo da semana, o dire-
tor de Política Monetária do
Banco Central, Bruno Serra, já
havia adiantado que instituição
utilizaria todo o arsenal de me-
didas para agir no mercado de
câmbio. “Não temos preconcei-
tos contra nenhum instrumen-
to”, afirmou em evento em São
Paulo.

Serra, por outro lado, recha-
çou antecipar os volumes que o
BC pode desembolsar para ten-
tar controlar o mercado de câm-
bio. “Não há definição de lo-
tes”, disse ele. Com isso, as co-
municações sobre essas inter-
venções têm sido pontuais, na
véspera dos leilões programa-
dos ou instantes antes de
leilões extras.
Parte do mercado, porém, de-
fende que o BC divulgue um
“programa cambial” com crono-
grama para intervenções e o vo-
lume total disponível. A tese é
defendida pelo ex-diretor do
BC e atual economista-chefe do
UBS, Tony Volpon, como um
meio de fornecer mais seguran-
ça e previsibilidade aos agentes.
Já o ex-secretário do Tesouro
Nacional e atual diretor do ASA
Bank, Carlos Kawall, chega a
propor um pacote de US$ 50 bi-
lhões para compras e vendas ou
leilões de troca.

Luís Eduardo Leal
Iander Porcella
Altamiro Silva Jr.


A Bolsa brasileira teve uma
“sexta-feira 13” de ganhos e,
ao fechar em alta de 13,91%, re-
gistrou a maior variação des-
de 13 de outubro de 2008. Ain-
da assim, não foi o suficiente
para apagar totalmente as
perdas acumuladas na inédi-
ta semana em que ocorreram
quatro circuit breakers, o me-
canismo de interrupção das
negociações no mercado acio-
nário.
O porcentual de queda sema-
nal, de 15,63%, também reme-
teu ao pico da época da crise glo-
bal passada. Em Nova York, os
três principais índices de refe-
rência das Bolsas fecharam a
sessão com ganhos na casa de
9,0%, com Dow Jones ganhan-
do 9,36%.
O movimento de alta das Bol-
sas ganhou força em reação à
coletiva de imprensa do presi-
dente americano, Donald
Trump, na qual ele declarou es-
tado de emergência nos Esta-
dos Unidos, em meio ao avanço
do novo coronavírus no país.
O líder da Casa Branca tam-
bém informou que a decisão
permitirá a liberação de US$ 50
bilhões em recursos federais pa-
ra o combate ao surto. Pouco
antes, a presidente da Câmara
dos Representantes, Nancy Pe-
losi, havia afirmado que a Casa
aprovará uma lei para liberar re-
cursos que serão usados no
combate ao surto.
Já o petróleo, que despencou
no início da semana com a


“guerra de preços” entre a Ará-
bia Saudita e a Rússia, teve ga-
nhos entre 4,0% e 5,0%, mas fe-
chou com perdas semanais su-
periores a 20%.
“Apesar da recuperação em
muitos mercados de ações hoje
(ontem), ainda pensamos que a
disseminação global do vírus te-
rá de diminuir antes que uma
recuperação genuína ocorra”,
analisa o economista sênior de
mercados Oliver Jones, da con-
sultoria britânica Capital Eco-

nomics. O epicentro da pande-
mia agora, de acordo com a Or-
ganização Mundial da Saúde
(OMS), é a Europa, onde o nú-
mero de casos tem aumentado
em países como Itália, Espa-
nha, França e Alemanha.
“A expectativa era de que
Trump realmente declararia es-
tado de emergência nos EUA,
abrindo caminho para medidas
mais restritivas de proteção sa-
nitária, como fez a China”, diz
Rafael Wynalda, analista da To-
ro Investimentos.
Até quinta-feira, o Ibovespa
acumulava perda de quase 40%
nesse período de ajuste em rela-
ção ao pico histórico de fecha-
mento de 23 de janeiro (119.527
pontos). “A experiência mostra
que as perdas em períodos de
recessão no Brasil ficam em tor-
no de 35%. E, nas globais, che-
gam a 50%”, observa Matheus

Soares, analista da Rico Investi-
mentos. Para ele, não é possível
dizer que é um ponto de virada,
pois é cedo para isso.

Dólar. A moeda americana te-

ve o terceiro dia seguido de alta,
acumulando valorização de
3,94% na semana por conta da
tensão causada pela pandemia
do coronavírus. Foi a pior sema-
na desde o início de novembro

do ano passado, quando da frus-
tração com o leilão do pré-sal.
Desde que a crise gerada pela
disseminação da doença se in-
tensificou, no fim de fevereiro,
o Banco Central já injetou qua-
se US$ 18 bilhões no mercado
de câmbio, por meio de diver-
sos instrumentos. Para o res-
ponsável pela área de câmbio da
Terra Investimentos, Vanei Na-
gen, apesar do clima de pânico
no mercado, a atuação do BC
nos últimos dias tem ajudado a
conter uma disparada ainda
maior do dólar e fazer o real an-
dar em linha com outras moe-
das emergentes. No mercado à
vista, o dólar terminou ontem
em novo nível recorde, a R$
4,816. No ano, acumula alta de
20% no Brasil, o segundo pior
desempenho em uma cesta de
34 moedas, atrás apenas da Co-
lômbia, onde sobe 22%.

FRANKFURT


O governo da Alemanha se com-
prometeu a gastar o que for ne-
cessário para amenizar o impac-
to econômico do coronavírus.
O objetivo do país europeu é ga-
rantir que as empresas tenham
liquidez suficiente para enfren-
tar a crise desencadeada pelo
surto, disseram ontem os Minis-
térios das Finanças e da Econo-
mia, em comunicado conjunto.
O ministro das Finanças, Olaf
Scholz, disse que não haverá li-
mite para o dinheiro disponível
e que a Alemanha pode precisar
assumir dívidas adicionais para
financiar a onda de gastos.
Inicialmente, o pacote con-
templa uma ajuda de pelo me-


nos ¤ 460 bilhões. “Temos for-
ça financeira para lidar com es-
sa crise”, disse Scholz em entre-
vista coletiva em Berlim. “Há di-
nheiro suficiente e estamos im-
plantando (esse plano). Esta-
mos usando todas as medidas
necessárias para proteger traba-
lhadores e empresas.”
Ao mesmo tempo, a Comis-
são Europeia, braço executivo
da União Europeia, prometeu
flexibilidade máxima nas re-
gras fiscais e auxílio estatal do
bloco para permitir que os paí-
ses prestem ajuda a empresas e
trabalhadores atingidos.
As ações de Berlim e de Bruxe-
las sinalizam um aumento dra-
mático da preocupação, após
uma semana em que os líderes
europeus foram avisados de
que podem enfrentar um colap-
so econômico parecido com o
de 2008, a menos que tomem
medidas decisivas. Os merca-
dos despencaram na quinta-fei-
ra, quando o pacote de ajuda do
Banco Central Europeu decep-

cionou os investidores.

Bloco. Por sua vez, a União Eu-
ropeia (UE) anunciou um paco-
te emergencial de ¤ 37 bilhões,
utilizando “toda a flexibilidade
prevista na estrutura fiscal”, pa-
ra financiar medidas urgentes
de combate ao novo coronaví-
rus e seus impactos econômi-
cos. Além disso, a presidente da
Comissão Europeia, braço exe-
cutivo da UE, Ursula Von der

Leyen, em coletiva de impren-
sa, ressaltou que a entidade está
pronta para ativar uma medida
emergencial de crise que sus-
pende a necessidade de os go-
vernos reduzirem os déficits fis-
cais, caso a conjuntura se agra-
ve. “Nossa prioridade é que to-
das as companhias tenham a li-
quidez necessária”, afirmou Ur-
sula, para quem os governos de-
vem aumentar seus gastos para
apoiar as economias e o sistema

de saúde. “Precisamos ajudar a
Itália a superar essa crise.”
As medidas fiscais foram
anunciadas um dia depois de o
BCE decepcionar o mercado.
Embora tenha proposto um au-
mento das compras de bônus e
uma nova rodada de emprésti-
mos de longo prazo, a autorida-
de contrariou as expectativas e
não reduziu as taxas básicas de
juros do bloco. / AGÊNCIAS
INTERNACIONAIS

lValorização

lImpacto

MATTHIAS SCHRADER/AP

l Estímulo europeu

Governo anunciou um


pacote para combater


os efeitos do coronavírus


na economia de pelo


menos ¤ 460 bilhões


“Temos força financeira
para lidar com essa crise.”
Olaf Scholz
MINISTRO ALEMÃO DAS FINANÇAS

“Nossa prioridade é de que
todas companhias tenham a
liquidez necessária.”
Ursula Von der Leyen
PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

Alemanha oferece


ajuda ‘ilimitada’


às empresas do país


Impacto. Terminal do aeroporto de Munique, na Alemanha, vazio depois de muitos voos serem cancelados pelo coronavírus

Desse valor, US$ 7,2 bi


foram vendidos à vista,


‘queimando’ parte das


reservas; câmbio tem


alta de 7,54% no mês


Ações para segurar dólar custaram


US$ 15,2 bi ao BC só em março


20%
é a variação acumulada pelo dó-
lar em relação ao real desde o
início do ano. Alta reflete temor
de desaceleração da economia
mundial, com a disseminação do
novo coronavírus.

“A experiência mostra que
as perdas em períodos de
recessão no Brasil ficam em
torno de 35%. E, nas globais,
chegam a 50%.”
Matheus Soares
ANALISTA DA RICO INVESTIMENTOS

VOLATILIDADE NO MERCADO

FONTE: BROADCAST INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Bolsas no Brasil e no mundo
VARIAÇÃO DO DIA, EM PORCENTAGEM

IBEX 35
(MADRI)

DAX
(FRANKFURT)

NASDAQ
(NOVA YORK)

S&P 500
(NOVA YORK)

PSI 20
(LISBOA)

FTSE 100
(LONDRES)

FTSE MIB
(MILÃO)

IBOVESPA
(SÃO PAULO)

CAC 40
(PARIS)

DOW JONES
(NOVA YORK)

0

12/MARÇO ONTEM

Dólar
EM REAIS

2
JAN
2020

3
FEV

4,000

4,300

4,600

4,900

2
MAR

13

4,8163

VARIAÇÃO
NO DIA
0,57%

-12,24

-9,76
-14,06 -10,87 -12,28
-16,92

-9,99 -9,43 -9,51
-14,78

2,46 1,83 0,83 0,77
3,73

7,12

9,36 9,35 9,29

13,91

LUCAS JACKSON/REUTERS

Bolsa tem a pior semana desde 2008


Alta de 13,91% ontem, depois do tombo de 14,78% na quinta-feira, não foi suficiente para reverter a queda de 15,63% na semana


Nos EUA. Dow Jones avançou 9,36% após cair 9,99%
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