O Estado de São Paulo (2020-03-14)

(Antfer) #1

SÉRGIO


AUGUSTO


A


gente senta para escrever
uma coluna. Tema livre. Li-
vre ma non troppo. Dois te-
mas forçam a porta: nossa catástro-
fe econômica e a pandemia corona-
virótica. Como evitá-los, se as pes-
soas só falam e querem falar deles?
Como sair, sem culpa, pela tangen-
te, desviar-se por amenidades, per-
der-se na estratosfera cultural, diva-
gar sobre coisas mais leves, meno-
res, miúdas? Miúdas como o pibi-
nho da dupla caipora Jair & Gue-
des, por exemplo.
Versava sobre o pibinho a última
crônica de Gregório Duvivier, na Fo-
lha de S. Paulo. Divertida, como sem-
pre, com os inuendos fálicos de que
o nosso diminuto produto interno
bruto nunca escapa quando enco-
lhe além do esperado. Esperado pe-
los entendidos, não por mim, que
nada entendo de economia, só aju-
do a pagar a conta. E é justamente
porque, como todos vocês, ajudo a
pagar a conta, que me preocupo
com os rumos da economia.
No final do século passado, ainda
no governo FHC, com o dólar a R$

1,20, reivindiquei, na revista Bravo!, o
direito de falar de economia mesmo
sendo leigo no assunto, porquanto nu-
ma enquete com palpites de diversas
categorias profissionais sobre o futu-
ro da economia mundial, nos dez anos
seguintes, os economistas não tira-
ram o primeiro lugar. Nem o segundo.
Nem o terceiro.
Mais surpreendentes foram os cam-
peões de acertos: os lixeiros euro-
peus.
De onde viria a presciência do pes-
soal da limpeza urbana?, perguntei-
me na época. A única pista encontrada
foi que os lixeiros talvez tenham uma
visão mais clara, além de empírica, de
como funciona a economia por traba-
lharem em contato direto e permanen-
te com o que a sociedade consome,
desperdiça e joga fora. O lixo é um dos
índices mais confiáveis de nosso po-
der de compra e de nossa capacidade
para controlar gastos.
Ao cabo dessa especulação, sugeri
que FHC acrescentasse um gari à equi-
pe de Pedro Malan, proposta que, por
inútil, não estendo ao capitão que ora
nos desgoverna.

Mas chega de economia. Fiquemos
no huis clos paradoxalmente imposto
e condenado pela pandemia do coro-
navírus. Não sei se vocês já se deram
conta, mas nem no auge do existencia-
lismo Sartre mostrou-se tão certeiro
como agora. O distanciamento entre
as pessoas recomendado pelos sanita-
ristas fez dele o filósofo do momento.
Agora, mais do que nunca, o inferno
são os outros.
No claustro a que o coronavírus, es-
sa aids assexuada, nos condenou, só
nos restarão tarefas e lazeres solitá-
rios ou quase isso. Com eles espantare-

mos o tédio, mas não, infelizmente, a
paranoia. Graças ao convívio nas re-
des sociais, ainda encontramos ânimo
para achar graça na desgraça. Há dias,
no Twitter, alguém comentou que, de
tanto esfregar o braço e as mãos com
água, sabão e álcool gel, apareceu uma
cola que fizera na faculdade em 1993.
Uau! Um pentimento braçal.
Em nossa compulsória vida mo-
nástica ficaremos mais, como dizem
os franceses, “cultivés”. Leremos
mais, veremos mais filmes e ouvire-
mos mais música. Leituras escapistas
ou atinentes à pestilência em curso?
Se atinente, ficção ou não ficção? Fil-
mes sobre epidemias e pandemias é o
que não falta, mamma mia!

Ainda não parei para pensar numa
playlist que vá além da 5.ª Sinfonia de
Mahler, que, no filme de Visconti, Mor-
te em Veneza, baseado no romance de
Thomas Mann, embala os últimos
dias de Aschenbach, vítima de um
amor platônico em tempos de cólera.
As canções e danças macabras de Mus-
sorgsky também cabem, mas para que
insistir na depressão?
Graças à covid-19, aprendi uma pala-
vra nova: fômite ou fómite. Não tem
ainda no Houaiss. É o nome técnico
que se dá a qualquer objeto inanima-
do ou substância capaz de absorver,
reter e transportar organismos conta-
giantes ou infecciosos (de germes a
parasitas), de um indivíduo a outro.
Tudo que possa contaminar ao menor
contato – torneira, maçaneta, corri-
mão, copo, botões de elevador, teclas,
sapatos, etc. – é um fômite.
Para nos livrar de possíveis ger-
mes (e vírus!) transmitidos por fômi-
tes que lavamos bem as mãos e os
pulsos ao chegarmos da rua; tanto
melhor se com o mesmo apuro de
Larry David na comédia de Woody
Allen, Tudo Pode Dar Certo, cantando
“Parabéns pra você” duas vezes se-
guidas: 20 segundos, no relógio. Taí
um filme a ser visto durante nossa
reclusão virótica. Escapista, mas di-
dático. E infinitamente mais leve
que O Sétimo Selo, de Bergman.
Aprendi o novo vocábulo com a per-
sonagem de Kate Winslet no filme
Contágio. Lançado aqui em 2011, só o
vi na noite de terça-feira; em casa, que

não sou besta de ir a uma sala de
cinema. A distância no tempo lhe
fez bem, aumentou-lhe a resso-
nância. Dirigido com pulso firme
por Steven Soderbergh, não inova
em nada, mas antecipa fielmente
a escalada pânica que o noticiário
ora nos despeja diariamente, pre-
sentificando uma calamidade que
se tornou menos ficcional quan-
do a covid-19 reapareceu na Chi-
na, meses atrás.
O vírus de Contágio surge em
Hong Kong, propaga-se com espan-
tosa e incontrolável velocidade, di-
zima populações e alguns dos prota-
gonistas do filme. Não é um vilão
visível, antropomorfizado, sob a
forma de zumbi ou de um serial kil-
ler com fetiches e traumas mal re-
solvidos. Por isso, mete mais – mui-
to mais – medo.
É menos um espetáculo de hor-
ror do que um thriller sobre o de-
samparo do ser humano e suas rea-
ções a um ataque súbito e frontal à
sua vulnerabilidade, agravado pela
intromissão de fake news no circui-
to, como o que agora enfrentamos.
Com um final feliz: uma vacina é
descoberta a tempo de salvar o res-
to da humanidade.
Em dezembro, antes do surto da
covid-19, Contágio era o 270.º filme
mais visto e baixado da Warner
Bros. Já pulou para o segundo lu-
gar. Prefira o streaming à cópia físi-
ca alugada. Caixinha de DVD é um
fômite de alta periculosidade.

Julio Maria


Ficou para dezembro a realiza-
ção do maior festival de música
em São Paulo. O Lollapalooza
Brasil, depois de um dia de mis-
térios com relação à edição que
seria em abril, informou na tar-
de de ontem (13) que o evento
foi remarcado para os dias 4, 5 e
6 de dezembro, no mesmo Autó-
dromo de Interlagos. O adia-
mento ocorre por causa do coro-
navírus, um dia depois das edi-
ção do festival no Chile e na Ar-
gentina serem suspensas. Não
há certezas com relação aos ar-
tistas que tocarão nos três dias,
cada um está sendo contactado
pela produção do festival, com
exceção dos três principais, cha-
mados de headliners: Guns N’
Roses, o rapper Travis Scott e a
banda The Strokes.
Na tarde de ontem, agendas
de shows de artistas começa-
ram a despencar. Teatros anun-
ciaram fechamentos e casas de
shows passaram a rever suas


programações. O cantor Gilber-
to Gil viajou até a Dinamarca pa-
ra saber que não iria mais se apre-
sentar. Sua produção divulgou
uma nota informando que as
apresentações no DR Koncer-
thuset, previstas para dias 14 e
15, não iriam mais ocorrer por
causa dos riscos de contágio do
novo coronavírus.
O desgaste maior para Gil e
sua equipe foi o fato de saber do
cancelamento dos espetáculos
quando todos já estavam na ci-
dade de Copenhagen. Os shows
estavam com lotação esgotada e
seriam aproveitados para que as
imagens de um documentário
sobre sua turnê do álbum Ok,
Ok, Ok fossem gravadas. “Quan-
do saímos do Brasil, na quarta,
não havia nenhuma recomenda-
ção de que não viéssemos. Mas o
coronavírus se alastra veloz-
mente a cada hora, a cada dia, e
assim, ao chegarmos aqui, toma-
mos conhecimento de que o
magnífico DR Koncerthuset ha-
via sido lacrado pelas autorida-

des dinamarquesas por preven-
ção”, diz a nota.
O comunicado fala ainda que
a primeira ideia dos produtores
era diminuir o público e fazer os
shows, depois pensou-se em fa-
zer os shows sem público. Mas a
produção já está devolvendo os
3.600 ingressos que foram ven-
didos para as duas datas. “De-
pois de nos reunirmos hoje pela
manhã (sexta) com o diretor de
produção Lars Skovgaard, sacra-
mentamos o cancelamento dos
shows.” A nota termina dizendo
que “eles (os produtores dina-
marqueses) querem, de qual-
quer jeito, que Gil volte no futu-
ro próximo para gravar aqui. Po-
rém, já estamos vendo disponi-
bilidade de datas em bons tea-
tros no Brasil, provavelmente
em Salvador ou Rio de Janeiro.”
Gil e equipe retornam ao Brasil

já neste final de semana.
O DJ Alok informou, por meio
de nota, que vai cancelar suas tur-
nês que seriam realizadas na
próxima semana nos EUA, e em
abril, na China, com duração de
15 dias cada, para evitar a disse-
minação do coronavírus. Alok
afirmou que vai seguir as orien-
tações da Organização Mun-
dial da Saúde (OMS). “O artista
ressalta sua prioridade e preo-
cupação com a saúde do seu pú-
blico”, disse sua assessoria.
Os próximos shows do cantor
Bob Dylan no Japão também fo-
ram cancelados por causa do sur-
to do novo coronavírus, infor-
mou a organização da turnê na
sexta-feira, 13. O compositor
norte-americano de 78 anos fa-
ria 15 apresentações em Tóquio
e Osaka no mês de abril. “Senti-
mos muito por cancelar os

shows, mas, por questões de se-
gurança e saúde pública, não te-
mos outra alternativa”, acres-
centou a Udo Artists em seu site.

Postura oficial. O governo es-
tadual sugeriu na noite de on-
tem uma restrição de público
de no máximo 500 pessoas para
todos os espaços, incluindo mu-
seus. Já o Ministério da Saúde
aconselhou o cancelamento de
eventos esportivos, sociais, cul-
turais e todos os que geram reu-
niões grandes. O Estado apu-
rou que o governo federal tem
um plano para ser acionado as-
sim que a fase 2 do novo corona-
vírus chegar, ou seja, quando os
contágios estiverem em níveis
mais altos. Casas de shows, tea-
tros e salas de cinema estarão
no pacote dos órgãos que deve-
rão se manter fechados.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Sartre se torna o filósofo do
momento. Agora, mais do que
nunca, o inferno são os outros

Lollapalooza


no Brasil é


adiado para


dezembro


TWITTER: SERGIUSAUGUSTUS
SÉRGIO AUGUSTO ESCREVE AOS SÁBADOS

CANCELAMENTOS EM MUSEUS PELO MUNDO

Vilão invisível


lO Teatro Municipal de São Pau-
lo resolveu suspender até segun-
da ordem toda a sua programa-
ção, incluindo a ópera Aida, de
Verdi. A Sala São Paulo também
determinou a suspensão de toda
a agenda a partir deste sábado,


  1. No Rio, a abertura da tempo-
    rada do Teatro Municipal, previs-
    ta para a noite de ontem, foi sus-
    pensa e o teatro ficará fechado
    por quinze dias. O concerto da
    Sinfônica Heliópolis previsto pa-
    ra o domingo no Auditório do
    Masp também foi cancelado.
    / JOÃO LUIZ SAMPAIO, ESPECIAL
    PARA O ESTADO


TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 7/4/2019

Artes. No line up, as únicas certezas são


Guns N’ Roses, Travis Scott e Strokes


Efeito coronavírus. Festival alinhou com as atrações principais para o início de dezembro, mas line up total será refeito

l Museu do Louvre
O museu mais visitado do mundo,
localizado em Paris, está fechado
desde ontem “até nova ordem”,
segundo sua administração.

l Museu de Orsay
O museu, outra atração turística
em Paris, também ficará fechado
até novo aviso.

l Guggenheim em Veneza
As visitas ao museu na Itália es-
tão suspensas até 3 de abril de


  1. Todas as atividades agen-
    dadas durante esse período es-
    tão canceladas.


l Guggenheim em
Nova York
Como medida proativa para pro-
teger a saúde de visitantes e fun-
cionários, o museu nos Estados

Unidos está temporariamente
fechado até novo aviso.

l Museu de Arte Moderna
(MoMA)
O museu, o MoMA PS1 e as lojas
MoMA, em Nova York, estão fe-
chados temporariamente.

l Museu do Prado
O museu em Madri fechou suas
portas ao público. A medida en-
trou em vigor na quinta, 12, e as-
sim seguirá até novo aviso.

l Rainha Sofia
O museu em Madri cancelou
suas atividades na quinta, 12.

l Museu Van Gogh
O museu em Amsterdã, Holanda,
também está fechado.
/ CHARLISE MORAIS

Municipal e Sala SP


fecham as portas


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C6 Caderno 2 SÁBADO, 14 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO

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