O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1

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A12 Política DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


O


Brasil viveu na semana passa-
da o ensaio geral do que deve
ser um período de restrições
da vida diária das pessoas, crise econô-
mica com extensão imprevisível e pos-
sibilidade de colapso do sistema de
saúde. À frente desse quadro, um go-
verno que tem um Ministério da Saú-
de tentando organizar uma resposta
técnica à pandemia do novo coronaví-
rus, mas um presidente que ainda de-
monstra incapacidade de liderar.
A fase aguda da epidemia no Bra-
sil foi precedida de um desarranjo
geral promovido por exclusiva obra
e graça de Jair Bolsonaro e seu entor-

no mais amalucado.
O presidente, só nos menos de três
meses deste ano, comprou briga com
Sérgio Moro e com o Congresso, promo-
veu mexidas aleatórias no Ministério,
enquanto mantinha ministros ineptos
ou acusados de corrupção ou ambos, se-
gurou as reformas estruturais, convo-
cou e depois desmobilizou a contragos-
to manifestações de viés golpista, desde-
nhou dos riscos do coronavírus, entre-
gou seu posto a um humorista e disse
que a eleição que venceu foi fraudada.
Esqueci algum fato? Com certeza, já
que não é possível dar conta do arsenal
diário de crises bizarras provocadas por

Bolsonaro contra seu próprio governo.
Despiciendo, neste momento, espe-
cular por que ele faz o que faz. Cortina
de fumaça para desviar a atenção de
outros assuntos? Preparação de algum
plano de supressão da democracia ten-
do cavaleiros templários como exérci-
to, mais à frente? O fato é que esse sur-
to de bobagens tirou a concentração
do Brasil do que deveria ter sido feito
desde que a China parou: nos preparar
para os desafios econômicos, de saúde
e sociais que certamente viriam.

O Congresso, alvejado por Bolsona-
ro e mais preocupado em assegurar
seu quinhão do Orçamento, ajudou
com sua cota de irresponsabilidade ao,
já depois do derretimento dos merca-
dos e do alarme de que o coronavírus
viria para valer, aprovar uma sangria

de R$ 20 bilhões nas contas públicas
para se vingar do presidente.
E é com esse pessoal que o País vai ter
de se virar diante da esperada escalada
rápida da pandemia por aqui. Um sena-
dor que esteve na comitiva presidencial
se gaba de ter encontrado meia Repúbli-
ca, abraçado e beijado todo mundo. O fi-
lho do presidente, que já chegou a ser co-
tado para embaixador em Washington,
protagoniza uma comédia pastelão com
a Fox News ao desinformar sobre a saú-
de do próprio pai e levar temor aos Esta-
dos Unidos quanto à de Donald Trump.
O ministro da Educação, o inacreditá-
vel Abraham Weintraub, chegou a cele-
brar nas redes sociais a possibilidade de
uma educadora crítica a sua gestão ter
contraído a doença. Isso dias antes de
integrantes do próprio governo terem
sido atingidos, uma vez que, por óbvio,
pandemia não conhece ideologia.
Mesmo com um contrariado Bolsona-
ro tendo pedido que as manifestações fi-
cassem para depois, ainda hoje há fanáti-
cos irresponsáveis instando as pessoas a

irem às ruas defender reformas que o
governo não enviou ao Congresso. E
contaminar os próprios apoiadores!
Com esses despreparados no con-
trole, nós que lutemos!
Não é de se estranhar que comece
a faltar mantimentos, álcool em gel
seja vendido a peso de ouro e as fake
news sejam propagadas em veloci-
dade maior que o vírus: as pessoas
se sentem entregues à própria sor-
te, a despeito dos esforços louváveis
do Ministério da Saúde.
O presidente falou que tudo era
fantasia da mídia, poucos dias antes
de ter de passar por (dois? três?
quantos? Não se sabe, pois não há
informação oficial confiável) testes
para detectar se foi infectado.
Momentos dramáticos como es-
se só mostram a importância da
ciência e do jornalismo sério, dois
pilares da democracia que têm sido
vilipendiados no Brasil e no mundo.
Que a crise tenha ao menos o efeito
de despertar as pessoas para isso.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
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Nós que lutemos!


Vinicius Valfré / BRASÍLIA

O


adiamento das mani-
festações marcadas
para hoje por causa
do coronavírus não poupou o
Congresso de ataques. Mes-
mo após ter vivido a maior
renovação da história recen-
te nas eleições de 2018, o Le-
gislativo ainda é alvejado por
críticas, como mostram pes-
quisas de opinião.
Após sugerir a suspensão
dos atos, o presidente Jair
Bolsonaro, que passou 28
anos no Congresso como de-
putado, teve apoio de segui-
dores ao dizer que “um tre-
mendo recado ao Parlamen-
to” foi dado nos últimos dias.
A percepção negativa se re-
flete nas pesquisas. Divulga-
do em dezembro, levanta-
mento da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) sobre a ima-
gem das instituições mos-
trou que 79% das pessoas
não confiam no Congresso.
Apenas 10% acham a atuação
do Parlamento ótima ou boa.
No diagnóstico de ex-presi-
dentes, políticos e analistas
ouvidos pelo Estado, a expli-
cação passa pelo excesso de
privilégios dos parlamenta-
res, por práticas de corrupção
e “toma lá dá cá” e pelo hiato
entre o resultado de votações
no plenário e a melhoria no
cotidiano da população.
Foi uma discussão sobre a
concentração de uma fatia de
recursos públicos nas mãos
de deputados e senadores
que levou Bolsonaro a ali-
mentar a fogueira acesa dias
antes pelo ministro do Gabi-
nete de Segurança Institucio-
nal (GSI), general Augusto
Heleno. O chefe do GSI pro-
vocou um terremoto político
ao acusar o Congresso de

chantagear o Executivo.
Bolsonaro compartilhou um
vídeo por WhatsApp incentivan-
do as manifestações em defesa
do governo – como revelou o Es-
tado – e, a partir daí, a convoca-
ção de atos contra o Congresso
e o Judiciário foi feita nas plata-
formas digitais. Na prática, ao
mesmo tempo em que impulsio-
na novas figuras da política, o
terreno virtual expõe o poder.
Para o ex-presidente Fernan-
do Henrique Cardoso, trata-se
de um sintoma da crise de demo-
cracia representativa. “Com as
redes sociais, as pessoas opi-
nam diretamente e imaginam

que as instituições representati-
vas são dispensáveis”, disse
FHC. “A Lava Jato mostrou a
teia que envolveu governo, em-
presas e alguns parlamentares.
Além disso, o Poder Legislativo
sempre foi mais aberto e, tam-
bém, mais fácil de ser criticado.”

Desgaste. O retrospecto do
Congresso não ajuda. Escânda-
los como o dos anões do Orça-
mento (1993), do mensalão
(2005) e a prisão do então presi-
dente da Câmara, Eduardo Cu-
nha (MDB-RJ), em 2016, afeta-
ram a imagem do Legislativo e o
desgaste se tornou irrestrito.
Na avaliação do ex-presiden-
te Michel Temer, a generaliza-
ção atrapalha. “Há uma tentati-
va de desacreditar o Congresso,
uma coisa meio doentia até, e
negativa para o País”, afirmou
ele, que também foi alvo da Lava
Jato. “Algumas ações judiciais
propostas contra membros do
Legislativo, ao longo do tempo,
criaram essa visão negativa de
um órgão que é muito positivo
para a democracia.” Temer pre-
sidiu a Câmara três vezes.
A baixa credibilidade não é
apenas saldo dos ruidosos pro-
testos de 2013. Para o historia-
dor e cientista político José Mu-
rilo de Carvalho, o descontenta-
mento se agravou após 1964. “A
ditadura manteve a instituição

em situação de humilhante de-
pendência do Executivo. Os
eleitores eram obrigados a parti-
cipar de uma farsa em que ele-
giam representantes que não os
representavam e usavam o man-
dato apenas em benefício pró-
prio, em arranjos clientelistas.”
Trinta e cinco anos após o fim
do regime, o resultado das urnas
de 2018 sinalizava o início de
uma nova relação entre repre-
sentantes e representados. Na-
quele ano, surgiram novos per-
sonagens para 46 das 54 cadeiras
em disputa no Senado e a Câma-
ra mudou sua composição em
52%. Mesmo assim, esse aspec-
to não foi capaz de alterar de for-
ma expressiva a opinião do elei-
tor. Pesquisa da XP Investimen-
tos, feita em fevereiro, apontou
que a avaliação ótima ou boa era
de 19% quando os atuais parla-
mentares tomaram posse, caiu
ao longo do ano e chegou a 10%.
E, para 52% dos entrevistados, a
expectativa para os próximos
seis meses não é melhorar nem
piorar. É ficar tudo como está.
As pessoas não entendem as
atribuições dos Poderes e o sen-
so comum prevalece, sobretu-
do entre aqueles que não acom-
panham e não conhecem as atri-
buições das Casas. É o que ob-
serva o cientista político Jairo
Nicolau, professor do Centro
de Pesquisa e Documentação

de História Contemporânea do
Brasil da FGV. “A população
não tem noção da renovação. Sa-
be de um nome ou outro, mas
não acompanha milimetrica-
mente a atividade parlamentar.
E a ideia dos privilégios, da auto-
proteção do Congresso, é bem
explorada nas redes sociais.”
Embora sejam alvo de críti-
cas, líderes do Congresso estão
convencidos de que atendem às
demandas populares. Citam o
trabalho para a aprovação das
reformas e do equilíbrio fiscal
como sinal de responsabilidade
e consideram injustos os ata-
ques sofridos pelos presidentes
da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), e do Senado, Davi Al-
columbre (DEM-AP).

Contribuição. O ex-senador e
ex-ministro Cristovam Buar-
que disse, porém, que a contri-
buição do Congresso ainda é pe-
quena. “Onde o povo vê a cons-
trução de uma coesão e de um
rumo para o País? O povo não
vê. Claro que pior que o Con-
gresso é o presidente que temos
hoje. Mesmo assim, (o Legislati-
vo) não atrai a simpatia da popu-
lação pelo excesso de privilé-
gios que têm os parlamentares
em relação ao Brasil.”
Para o jornalista e ex-deputa-
do Fernando Gabeira, o Con-
gresso tem se empenhado em

algumas boas decisões refor-
mistas. “Mas continua co-
brando pedágios, na forma
de fundos eleitorais, etc.”
O próprio processo de es-
colha de candidatos aparece
no radar das críticas ao Con-
gresso. O sistema brasileiro é
o proporcional. Com isso,
não necessariamente o depu-
tado mais votado ganha. Elei-
to 11 vezes para a Câmara, o
ex-deputado e ex-ministro
Miro Teixeira considera “um
desastre” esse modelo. “O
sistema de voto proporcio-
nal com quociente eleitoral
se esgotou. No voto majoritá-
rio, a expressão popular do
parlamentar contribui para o
fortalecimento da institui-
ção. No proporcional, é a ins-
tituição que vai fortalecer o
titular do mandato.”
Professor da USP, José Ál-
varo Moisés também questio-
na o sistema proporcional,
em que correligionários dis-
putam entre si, coligações
põem ideologias distintas no
mesmo pacote e candidatos
menos votados podem ser
eleitos. “Isso explica a distân-
cia que o Legislativo tem com
relação aos representados.
Em seis meses, as pessoas es-
quecem em quem votaram e
não têm mais conexão.” /
COLABOROU FELIPE FRAZÃO

“O Legislativo sempre foi
mais fácil de ser criticado.”
Fernando Henrique Cardoso
EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Há uma tentativa de
desacreditar o Congresso.”
Michel Temer
EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“O Congresso continua
cobrando pedágios.”
Fernando Gabeira
EX-DEPUTADO

“Em seis meses, a pessoa
esquece em quem votou.”
José Álvaro Moisés
PROFESSOR DA USP

“A ideia dos privilégios é
bem explorada nas redes.”
Jairo Nicolau
CIENTISTA POLÍTICO

lDebate TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO - 19/12/2019 WILTON JUNIOR / ESTADÃO -16/6/2019 MARCIO FERNANDES/ESTADÃO WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Ruas e redes

lEmbora o presidente Jair Bol-
sonaro tenha pedido o adiamento
dos atos marcados para hoje, o
governo de São Paulo vai manter
o policiamento na Avenida Paulis-
ta para quem decidir ir, já que as
manifestações já haviam sido
comunicadas às autoridades. A
Secretaria de Segurança Pública
informou que o cancelamento de
eventos com mais de 500 pes-
soas, anunciado pelo governo, só
vale para agendas públicas.

ENTREVISTA


Junior Durski, empresário


‘Manifestações ficaram pequenininhas’


Brasil enfrenta pandemia
e crise econômica sem
liderança segura

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 13/3/

ALEX SILVA/ESTADÃO

Poder. Pesquisas mostram que a população confia pouco na Câmara e no Senado e não tem expectativa de melhora

POR QUE O


CONGRESSO


É O ALVO


PREDILETO?


Apesar do alto grau de renovação nas eleições
passadas, Legislativo é foco principal de críticas

Policiamento em


ato de SP é mantido


Felipe Frazão / BRASÍLIA


O chef e empresário Junior
Durski, dono da rede de res-
taurantes e hamburguerias Ma-
dero, disse ao Estado que o
ato convocado para hoje ficou
“pequenininho” diante da pan-
demia do novo coronavírus.
“Tudo que estou fazendo nes-
se momento é olhar o corona-
vírus, administrando uma cri-


se chegando”, afirmou Durski,
que é apoiador do presidente
Jair Bolsonaro e sócio do apre-
sentador Luciano Huck, apon-
tado como candidato ao Pla-
nalto em 2022.

lO sr. vai ao ato no Paraná?
Não sei. Tenho 3 milhões de
clientes por mês para atender.
Tudo que estou fazendo nesse
momento é olhar o coronaví-

rus, administrando uma crise
chegando. Acho que isso é ou-
tra história. Não sei se deve
ter ou não (manifestação). Não
sei como vamos acordar ama-
nhã com esse coronavírus.
Acho que isso não é a priorida-
de no Brasil e não é a minha
prioridade agora. Esse negócio
de manifestação virou peque-
nininho perto do tamanho des-
sa crise que está chegando.

lFizeram campanha de boicote
ao Madero após o sr. declarar
apoio a Bolsonaro. Isso pegou?
Não pega. O barulho nas re-
des sociais não é o que as pes-
soas pensam. A rede social é
muito dura. As pessoas que
estão nas redes são muito
provocativas, dos dois lados.
Nunca foi meu estilo, meu
negócio. Brigar é uma coisa,
no mínimo, não inteligente.
Se as pessoas não se enten-
dem, que tentem conversar e
se não der corta a relação e
toca a vida. Com respeito. A
rede social não funciona as-

sim. É uma coisa chata que
faz parte do Brasil.

lO sr. se arrependeu de ter feito
o vídeo de apoio ao ato?
Não me arrependi, mas tam-
bém não me orgulho, não me
aplaudo. Por que eu não fico
quieto e vou fazer hambúr-
guer? Esse é o ponto. Estou
muito mais preocupado com a
chegada do coronavírus, o que
a gente pode fazer para ajudar
e se defender. Esse é o assun-
to do momento. Minha obriga-
ção como patriota é tentar aju-
dar nesse problema. O corona-

vírus não vai escolher a direita
ou a esquerda para infectar,
vai pegar todo mundo e todo
mundo está junto.

lComo fica sua relação com seu
sócio Luciano Huck, que tem pro-
jeto político?
Já conversamos muito, é meu
amigo de longa data. Politica-
mente, ele tem opiniões dife-
rentes da minha, e eu respeito
muito a opinião dele. Se ele
fosse presidente, seria muito
bem-intencionado, tentaria
fazer um bom governo e tem
toda a condição para isso.
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