O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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A16 DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO

Internacional


MIAMI


A Flórida é o quarto Estado com
mais peso na escolha democra-
ta, com 219 delegados na conven-
ção partidária, perdendo apenas
para Califórnia, Texas e Nova
York. Até agora, Joe Biden tem
889 dos delegados partidários e
Bernie Sanders, 735. A distância
entre os dois tende a se ampliar
nesta terça-feira e a Flórida po-


de ser uma pá de cal sobre as
intenções de Sanders. No mes-
mo dia, Ohio, Illinois e Arizona
também fazem prévias. Em to-
dos, Biden tem folga nas pesqui-
sas de intenção de voto.
Isabella Ashby, de 19 anos, e
Fiorella Biagioni, ou Fifi, como
ela pede para ser chamada, de 21
anos, concordam em quase tu-
do. As duas amigas estudam
ciência política na Flórida Inter-
national University, onde Do-
nald Trump esteve ano passado
para um comício, e fazem ques-
tão de mostrar os conhecimen-
tos em política internacional ao
discutir as eleições deste ano.
Isabella tem pais porto-rique-
nhos e Fifi, origem venezuelana

e colombiana. As duas votarão
por democratas “não importa o
que aconteça” e rejeitam as po-
líticas de Trump, especialmen-
te as restrições a imigrantes.
Elas divergem quanto ao can-
didato preferido na oposição.
Isabella quer ver Biden nas ur-
nas em novembro porque “não
concorda com o socialismo” de
Sanders. Já Fifi prefere o sena-
dor “apesar” da sua classifica-
ção como socialista democráti-
co: “Eu queria votar em Elizabe-
th Warren. Mas agora votarei
no Bernie. Não acredito que ele
seja totalmente socialista”.
O desafio do partido é fazer
com que latinos de outros paí-
ses, que não Cuba, votem, espe-

cialmente os jovens. Enquanto
54% dos cubanos no Estado ten-
dem a votar pelos republicanos,
eleitores de origem hispânica de
outras nacionalidades pendem
para os democratas – a porcenta-
gem de apoio ao Partido Republi-
cano é de 26% considerando as
demais nacionalidades. Em
2016, 41% dos cubanos na Flóri-

da votaram em Hillary Clinton,
enquanto o apoio entre latinos
que não são da ilha foi de 71%.
“É uma loucura que cubanos
e venezuelanos daqui gostem
de Trump. Uma maluquice!",
afirmou Fiorella. A amiga, Isa-
bella, diz que estudou no norte
da Flórida quando criança e to-
das as famílias eram cubanas e
republicanas. “Depois de já te-
rem passado por isso (migrar),
eles se tornam conservadores,
criticam a imigração. Depois
que conseguiram, não querem
que ninguém mais consiga. Mia-
mi foi construída com imigra-
ção. E temos um presidente con-
tra imigrantes, racista, sexista, é
um absurdo”, criticou a jovem.
A porcentagem de latinos ap-
tos a votar na Flórida cresceu
nos últimos anos, com a chega-
da de venezuelanos e porto-ri-
quenhos. Com isso, a fatia de
cubanos neste eleitorado caiu
para perto de 30%. / B.B.

Beatriz Bulla
ENVIADA ESPECIAL A MIAMI

A língua oficial nas ruas de
Doral, cidade no subúrbio de
Miami, é o espanhol. Essa é
uma peculiaridade de locali-
dades da Flórida, uma das re-
giões mais disputadas na cam-
panha presidencial por ser
um Estado pêndulo, ou seja,
não ter clara preferência por
democratas ou republicanos.
Em 2016, a Flórida elegeu Do-
nald Trump com 49% dos vo-
tos, depois de dar a vitória
duas vezes a Obama.
Para ganhar em 2020, demo-
cratas apostam no compareci-
mento em novembro de jo-
vens de origem latina. E o pri-
meiro passo para isso é fazê-
los participar das primárias
desta terça-feira.
Enquanto cubanos anticas-

tristas são em geral conservado-
res, os estudantes descenden-
tes de outras nacionalidades
tendem a votar por democra-
tas. Entre 2000 e 2017, a popula-
ção de venezuelanos nos EUA
cresceu mais de 300% e supe-
rou as 420 mil pessoas. Mais da
metade do grupo vive na Flóri-
da, e Doral se tornou o coração
dos venezuelanos no país.
Em frente ao restaurante El
Arepazo, o venezuelano Oscar
Rivas é minoria. Ele não votou
em Trump em 2016, apesar de
se definir como republicano.
“Trump é muito egocêntrico,
não entregou suas declarações
de imposto de renda. Tenho a
sensação que ele tem ligações
com Vladimir Putin”, diz o apo-
sentado. Ele mesmo alerta que
os venezuelanos de sua geração
pensam diferente.
Recuperar em novembro os
29 delegados que a Flórida pos-
sui no Colégio Eleitoral não se-
ria suficiente para os democra-
tas vencerem Trump em no-
vembro. Mas uma vitória dimi-
nuiria a distância que o republi-
cano teve sobre Hillary Clinton
em 2016.
O El Arepazo virou um comi-
tê informal de apoio ao Juan
Guaidó, o opositor a Nicolás
Maduro reconhecido pelo go-
verno Trump e por outros paí-
ses, como o Brasil, como presi-
dente interino da Venezuela.
Em abril do ano passado, vene-
zuelanos lotaram as mesas do

pequeno restaurante para assis-
tir pela televisão aos desdobra-
mentos de um dos protestos an-
tichavista na Venezuela, como
se fosse uma final de campeona-
to de futebol.
“Já é hora de os jovens come-
çarem a tomar as rédeas da po-
lítica”, afirma Oscar Rivas, que
vive há 10 anos na Flórida e era
engenheiro civil na Venezuela.
O conflito geracional na região
é explícito. Os jovens de origem
hispânica não vacilam para di-
zer que votarão em um democra-
ta neste ano. Questionados so-
bre a opção de seus pais, a respos-
ta também é padronizada: vota-

ram e votarão em Trump.
Pesquisa da Flórida Interna-
tional University de 2018 com cu-
banos e descendentes de cuba-
nos em Miami aponta que 76%
dos maiores de 75 anos se decla-
ravam republicanos, 7% eram de-
mocratas e 17%, independentes.
Já o grupo de 18 e 39 anos tinha
35% de republicanos, 23% de de-
mocratas e 40% independentes.
“Não tenho um partido defini-
do, mas tenho preferido os de-
mocratas, afinal eu tenho ori-
gem hispânica”, disse Jenifer
Acevedo, de 21 anos, cujos pais
são de El Salvador. Ela vai votar
pela primeira vez para presiden-

te, assim como Erik Espinoza, 18
anos, de origem peruana.
Espinoza disse que sua famí-
lia foi beneficiada durante o go-
verno Trump e apoiará a reelei-
ção do presidente. Ele afirmou
preferir Joe Biden, apesar de re-
produzir um discurso crítico à
imigração comumente visto
em casas republicanas. Para o
jovem, que tem colegas de facul-
dade descendentes de cubanos
e venezuelanos, a imigração da
Venezuela está “estragando” o
Peru. O único candidato que
ele rejeita é o senador Bernie
Sanders.
Com uma tradicional comuni-

dade de cubanos e a diáspora
mais recente de venezuelanos, a
política externa é um pilar im-
portante dos candidatos a presi-
dente no local.

Projeção. Em pesquisa recente
conduzida pelo instituto Ma-
son-Dixon Polling & Strategy,
apenas 18% dos eleitores de ori-
gem hispânica no Estado disse-
ram que votariam em um candi-
dato que se define como socialis-
ta, como Bernie Sanders.
Trump tem usado como tática
repetir mantras contrários ao so-
cialismo, o que impulsionou sua
candidatura na Flórida. Foi em
Miami que John Bolton, ex-con-
selheiro de Segurança Nacional
de Trump, classificou Cuba, Ni-
carágua e Venezuela como a
“troika da tirania”.
Se confirmadas as pesquisas,
Joe Biden sairá na frente na pri-
mária de terça-feira. Até sexta-
feira, o ex-vice-presidente tinha
66,4% das intenções de voto, an-
te 23,6% dos eleitores que plane-
jam votar em Sanders. Ambos se
enfrentam hoje à noite em um
debate em Washington, às 23 ho-
ras (21 horas em Brasília).
A última sondagem sobre o re-
sultado de novembro no Estado
mostra Trump com vantagem
sobre os dois democratas, mas
no caso de Biden a vitória seria
apertada, por um ponto porcen-
tual. Desde 1996, quem vence
na Flórida triunfa também na
eleição para presidente.

Eleições nos EUA. Estado, que terá primárias democratas na terça-feira, é fundamental para a vitória na corrida à Casa Branca, como


ocorreu duas vezes com Obama e com Trump; conflito de gerações de hispânicos divide votos entre os democratas e republicanos


lDianteira

Com Biden favorito, Estado é


chave na briga por indicação


Para recuperar Flórida, democratas


buscam estimular voto de jovens latinos


lPrimárias

889
é o número de delegados
que tem até agora o
ex-vice-presidente Joe
Biden, contra 735 do
senador Bernie Sanders

Flórida é o quarto


território com maior
número de delegados;


pesquisas apontam


ex-vice bem à frente


Oposição. Fiorella e Isabella votarão em um democrata

Reta final. Reta final.
Apoiadores Apoiadores
de Sanders de Sanders
fazem fazem
campanha campanha
em Miamiem Miami

FOTOS BEATRIZ BULLA/ESTADÃO

BRYNN ANDERSON/AP

“Não tenho um partido
definido, mas tenho
preferido os democratas,
afinal eu tenho origem
hispânica”
Jenifer Acevedo
IMIGRANTE DE EL SALVADOR

“Já é hora de os jovens
começarem a tomar as
rédeas da política”
Oscar Rivas
IMIGRANTE DA VENEZUELA

Decisão. Erik Espinoza, que irá às urnas pela primeira vez, afirma que votará em Trump
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