O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1

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A18 DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Metrópole


No mundo


Espanha determina
confinamento de

46 milhões. Pág. A


1ª GERAÇÃO

DIA 1 DIA 1 DIA 1

2ª GERAÇÃO

4ª GERAÇÃO

●De acordo com parâmetros epidemiológicos, a covid-19 tem uma capacidade de reprodução semelhante à da gripe comum,
mas ainda inferior à de doenças como o sarampo

COMPARAÇÕES

FONTES:OMS, IMPERIAL COLLEGE LONDON, PEKING UNIVERSITY, AMERICAN JOURNAL OF EPIDEMIOLOGY, DAVID GEFFEN SCHOOL OF MEDICINE AT UCLA, THE LANCET INFOGRÁFICO/ESTADÃO

R0 2,

INTERVALO
SERIAL

FATALIDADE

QUANDO O R0 É
MAIOR DO QUE 1 , A
EPIDEMIA TEM
CONDIÇÕES DE SE
ESPALHAR, UMA
VEZ QUE CADA
PESSOA COM O
VÍRUS VAI,
PROVAVELMENTE,
INFECTAR MAIS
ALGUÉM

O CÁLCULO DO
NÚMERO BÁSICO DE
REPRODUÇÃO DO
VÍRUS (R0) PARTE DO
PRESSUPOSTO DE
QUE TODA A
POPULAÇÃO ESTÁ
VULNERÁVEL AO
CONTÁGIO, O QUE NEM
SEMPRE É O CASO.
CONFORME
A DOENÇA AVANÇA,
É POSSÍVEL QUE
UMA PARCELA
SIGNIFICATIVA DAS
PESSOAS COMECE
A DESENVOLVER
RESISTÊNCIA

QUANDO O R0 ESTÁ
ABAIXO DE 1, A
LÓGICA SE INVERTE:
A TENDÊNCIA É DE
QUE OS PORTADORES
DO VÍRUS NÃO
INFECTEM MAIS
NINGUÉM. ASSIM, A
DOENÇA
DESAPARECE COM O
TEMPO

1,5 15

4,4 dias 2,8 dias 11,7 dias

2,3% 0,1% nas gripes comuns 0,2%

DIA 5 DIA 4 DIA 13

3ª GERAÇÃO

DIA 9 DIA 7

DIA 25

DIA 13 DIA 10 DIA 36

Covid-19 Gripe Sarampo

Giovana Girardi
Rodrigo Menegat


No fim de janeiro, quando a
China começava a assustar o
mundo pelo rápido aumento
de casos de uma doença desco-
nhecida, uma das primeiras
medidas adotadas pelo gover-
no foi banir as viagens da cida-
de de Wuhan – epicentro da
epidemia – para o restante do
país. A atitude continuou sen-
do tomada depois por vários
países, como os Estados Uni-
dos, na semana passada, que
impediram a chegada de voos
da Europa, agora que o conti-
nente se transformou na prin-
cipal fonte da doença. Mas
quanto isso de fato afetou a dis-
persão do novo coronavírus?
Dois estudos baseados em mo-
delagens matemáticas divulga-
dos nos últimos dias apontam
que a medida pode ter reduzido
a exportação da doença, mas foi
insuficiente para conter a disper-
são global – ou mesmo dentro da
própria China. Em 23 de janeiro,
quando as viagens foram cance-
ladas, a covid-19 já tinha chega-
do a várias outras cidades.
“A quarentena de viagens ape-
nas modestamente atrasou a
dispersão para outras áreas da
China continental”, concluiu
um grupo de pesquisadores dos
Estados Unidos, da Itália e da
China, que publicaram o traba-
lho na revista Science. Eles fize-
ram a análise a partir de modela-
gens matemáticas da dispersão
do vírus, que também indica-
ram que, se inicialmente o bani-
mento até conseguiu reduzir a
importação internacional de ca-
sos, o número de registros ob-
servados fora da China voltou a
crescer depois de 2 a 3 semanas,
originados de outros lugares.
Segundo os autores – lidera-
dos pelo italiano Alessandro
Vespignani, do Laboratório de
Modelagem de Sistemas Bioló-
gicos da Universidade Nor-
theastern, nos EUA –, mesmo
limitações adicionais de via-
gem de até 90% do tráfego aé-
reo teriam um efeito modesto, a
não ser que fossem combinadas
com intervenções de saúde pú-
blica e mudanças de comporta-
mento que reduzissem a trans-
missibilidade. A mesma equipe
agora tenta estimar o impacto
de fechamento de escolas.
Um outro estudo sobre as res-
trições de viagens e medidas de
controle em aeroportos imple-
mentadas em vários países che-
gou a conclusões semelhantes.
Os autores, liderados por Ali-
son Galvani, do Centro de Mo-
delagem e Análise de Doenças
Infecciosas, da Escola de Saúde
Pública de Yale (EUA), também
concluíram que as ações desace-
leraram a taxa de exportação de


casos da China para outros paí-
ses, mas foram insuficientes pa-
ra conter a dispersão global.
Eles estimaram que, sem a res-

trição de viagem, 779 casos de
covid-19 teriam sido exportados
na China até 15 de fevereiro, mas
com os bloqueios o número caiu
em mais de 70%. Eles considera-
ram ainda que dois terços dos ca-
sos exportados eram pré-sinto-
máticos, o que limitava a capaci-
dade de detecção nos aeropor-
tos. Para os pesquisadores, que
publicaram na revista PNAS, foi
possível atrasar a dispersão, mas
medidas adicionais de conten-
ção, como rastreamento de con-

tatos e iso-
lamento de vírus,
são importantes.
Essas análises, que aju-
dam a estudar os efeitos po-
tenciais de diferentes estraté-
gias de intervenção contra a
doença, foram conduzidos por
especialistas em modelagens de
epidemias. Matemáticos não
têm bola de cristal para dizer
que x pessoas serão infectadas e
y vão morrer – ao menos não nes-
sa etapa da epidemia, quando há

ainda muita in-
certeza sobre o ví-
rus –, mas já vêm aju-
dando a entender o que fun-
ciona ou não para tentar conter
a dispersão do vírus.
“Simular computacionalmen-
te a evolução da doença em cada
um dos cenários e comparar a
evolução temporal em cada um
deles – para o total de casos, para
duração e intensidade do pico –
é fundamental para analisar
quais medidas são necessárias

para promover o ‘achatamento
da curva de incidência’, que é
central para evitar a superlota-
ção dos postos de saúde”, expli-
ca Marcelo Gomes, pesquisador
em saúde pública do Programa
de Computação Científica da
Fiocruz. Ele explica que estudos
assim são importantes, no Bra-
sil, para entender a dispersão da
dengue. Mas ele aponta que a
mudança de hábitos é capaz de
alterar as projeções.

O que já se sabe. Os epidemio-
logistas matemáticos usam es-
tatística para compreender co-
mo as doenças se comportam
de modo coletivo e quantitati-
vo. Ao calcular valores como nú-
mero básico de reprodução, in-
tervalo serial e razão caso-fatali-
dade, eles podem estimar o im-
pacto que uma doença pode ter.
Um dos passos fundamentais
para descobrir o quanto uma
doença pode se espalhar é des-
cobrir o quão contagiosa ela é.
Estudos preliminares indica-
ram que o valor estava entre 2 e
4 no mês inicial do surto de coro-
navírus na China. O da gripe co-
mum, para comparação, é de
1,5. O do sarampo, é de 15.
O número básico de reprodu-
ção, porém, costuma se alterar
ao longo de uma epidemia, por
causa de melhorias nos méto-
dos de diagnóstico e investimen-
to em estratégias de contenção.
Outra dimensão importante é o
intervalo serial (SI), que é a quan-
tidade de tempo que demora, na
média, para que um novo infecta-
do manifeste sintomas. Quando
o intervalo serial é menor, a
doença tende a se espalhar mais
rapidamente, uma vez que leva
menos tempo para que gerações
do vírus se multipliquem.
Embora a capacidade de con-
tágio do novo coronavírus seja
maior do que a dos vírus da gri-
pe, demora mais para que os sin-
tomas apareçam na nova gera-
ção de infectados. O SI do coro-
navírus é de 4,4. O da gripe é de
2,8 e o do sarampo, de 11,7.
O parâmetro que mais preocu-
pa é a razão caso-fatalidade: o
porcentual de pessoas, entre
aquelas com casos confirmados
da doença, que morrem. A fatali-
dade da covid-19 varia bastante
entre diferentes faixas etárias e
dispara nos grupos de risco. Em
fevereiro, o Centro de Preven-
ção de Doenças da China calcu-
lou que a taxa é de cerca de 2,3%
na população em geral.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lFuturo

Governo revê restrição a cruzeiros e isolamento para pessoas vindas do exterior. Pág. A 20 }


“Não se trata de prover
estimativas de total de
casos, porque espera-se que
os hábitos sejam mudados.”
Marcelo Gomes
PESQUISADOR

Como a matemática pode ajudar a


entender (e combater) epidemias


Em vez de tratar pacientes e prescrever remédios, usam-se números e modelos estatísticos para entender como as doenças se espalham.


Na ausência das restrições de viagem, por exemplo, sabe-se que 779 casos de covid-19 teriam sido exportados na China até 15 de fevereiro


NA WEB
Especial. Confira
mais gráficos
sobre a covid-

estadao.com.br/e/covidmatemat
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