O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Os animais que vivem em gru-
po também precisam tomar
decisões coletivas. Eles con-
fiam uns nos outros para a pro-
teção ou para procurar comi-
da. Então, precisam encontrar
maneiras de chegar a um con-
senso. Embora não possam
realizar eleições como os se-
res humanos, espécies que va-


riam de primatas a insetos
têm métodos para chegarem a
acordos. Quando os animais
mudam de comportamento
em resposta à conduta de uma
massa crítica de seus iguais, os
biólogos chamam essa mudan-
ça de resposta ao quórum.

http://www.estadao.com.br/e/animais

A


palavra “venezualiza-
ção” passou a fazer par-
te do vocabulário políti-
co, por motivos óbvios. E co-
mo é próprio de palavras que
nascem em contexto de ódio,
divisão e radicalismo, trouxe
consigo uma atemorizante car-
ga negativa. Segundo próceres
da direita, ou, mais propria-
mente, da extrema direita, a
começar por Donald Trump,
processos degenerativos co-
mo os que aquele termo impli-
ca decorrem inevitavelmente
de qualquer experimento ou
política associados, ainda que
remotamente, ao “socialismo”
e à “esquerda”.
Bem verdade que não há mo-
dos suaves para qualificar a tra-
gédia venezuelana. Houve
quem, no campo progressista,
desconfiasse desde o princípio


  • e claramente a ela se opuses-
    se – da aventura do comandan-
    te Hugo Chávez, mas é forço-
    so reconhecer que boa parte
    da esquerda brasileira e latino-
    americana não viu motivos pa-
    ra se distanciar de um militar
    ultranacionalista que prome-
    tia refundar ou regenerar o
    país, explorando a crise da de-
    mocracia liberal e a debilidade
    da estrutura econômica, inca-
    pazes ambas – aquela democra-
    cia e aquela economia – de se
    abrir para uma participação
    maior dos venezuelanos. Com
    aguçado faro para a demago-
    gia, Chávez relançou, pela pri-
    meira vez no século, menos a
    ideia do que o slogan do socia-
    lismo, o que bastou para que
    muitos deixassem num canto,
    sem uso, as armas da crítica e
    aceitassem como verossímeis
    as bravatas do caudilho.
    O chavismo e o madurismo,
    para também mencionar o pre-
    cário sucessor, constituem
    também, e sobretudo, um mé-
    todo. Como tal, o processo de
    venezualização não está restri-
    to a uma desafortunada nação
    latino-americana, sangrada
    ainda por cima pela fuga de
    parte expressiva da popula-
    ção, não só dos setores mais ri-
    cos. E também não se restrin-
    ge aos episódios massivos de
    tortura, violência policial e mi-
    liciana, que ninguém mais po-


de desconhecer – quando me-
nos desde a publicação, em
meados de 2019, do relatório
da ONU sobre sistemáticas
violações de direitos humanos
organizado sob a direção de
Michelle Bachelet, egressa das
fileiras do socialismo chileno
e vítima, ela própria, da ditadu-
ra no seu país.
Se nos limitássemos a esse ti-
po de constatação, diríamos
que Chávez e depois Maduro
seriam “somente” a versão po-
pulista de esquerda de um dita-
dor infame como Pinochet.
No entanto, o método que pas-
saram a simbolizar tem que
ver com algo ainda mais grave,
a saber, o esvaziamento obsti-
nado e contínuo das formas da
democracia, rumo a um regi-
me autocrático supostamente
legitimado por expedientes
plebiscitários e pela ligação di-
reta entre o povo e seu líder.

Um e outro se identificam a
ponto de tornar tendencial-
mente impossível o papel da
oposição e a alternância regu-
lar de poder. Opor-se ao líder,
que encarna sem restos a pá-
tria e as virtudes cívicas (quan-
do não as religiosas!), é trair o
povo, agindo como quinta-co-
luna de inconfessáveis interes-
ses. E é nesse ponto que gover-
nantes extremistas se dão as
mãos: nenhuma diferença es-
sencial entre todos os que, a
exemplo do presidente Jair
Bolsonaro, prometem “varrer”
os opositores, tratando-os ora
como agentes do império nor-
te-americano, ora como emis-
sários do comunismo apátrida.
Foram incontáveis as vezes
que Chávez ou Maduro denun-
ciaram as tentativas de “magni-
cídio”, as tramas mirabolantes
extraordinariamente próxi-
mas das fake news hoje “cienti-
ficamente” propagadas pela ex-
trema direita no poder. Numa
circunstância infeliz em que al-
guns dirigentes da “maré ro-
sa” latino-americana se viram

acometidos de câncer, Chávez
aventou, com fingida serieda-
de ou autêntica paranoia, a hi-
pótese de um vírus preparado
nos laboratórios da CIA para
assassinar os líderes e frear a
marcha de redenção dos po-
vos. Donald Trump foi um dos
corifeus do movimento bir-
ther, que negava, com desleal-
dade a toda prova, o nascimen-
to de Barack Obama em solo
americano. E move-se com
tanta maestria na “arte” da ma-
nipulação que, segundo afir-
mou certa vez, ainda que ati-
rasse em alguém numa aveni-
da nova-iorquina, nem por is-
so perderia um só voto. A tan-
to, sem dúvida, chega a ceguei-
ra deliberada.
A “venezualização” não é um
risco associado unicamente ao
populismo de esquerda. A “ma-
ré rosa” da primeira década do
século tinha como área mais ra-
dical os regimes ditos bolivaria-
nos, com a tática, num primei-
ro momento aparentemente in-
vencível, de concentrar o po-
der em torno do Executivo, de-
sautorizar os Parlamentos regu-
larmente constituídos e des-
truir os delicados equilíbrios
entre as instituições de Estado
e entre este último e a socieda-
de civil. Contudo a régua e o
compasso desse projeto infaus-
tamente “revolucionário” se
transferiram recentemente pa-
ra outras mãos não menos
ameaçadoras. E a ameaça pre-
sente – da parte da extrema di-
reita liberticida – só faz confir-
mar que hipóteses “revolucio-
nárias” de qualquer natureza,
com seus remédios salvadores,
costumam arruinar sociedades
inteiras ou, no mínimo, encer-
rá-las em estéreis e prolonga-
dos conflitos e convulsões.
Apesar do que somos e do que
aspiramos a ser como povo e
como nação, não podemos
mais dizer que estamos alheios
a esse tipo de atribulação.

]
TRADUTOR E ENSAÍSTA, UM DOS
ORGANIZADORES DAS OBRAS
DE GRAMSCI NO BRASIL, É AUTOR
DE ‘REFORMISMO DE ESQUERDA
E DEMOCRACIA POLÍTICA’
(FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA)

Governo anunciou mudan-
ças destinadas a eliminar
alpinistas inexperientes.

http://www.estadao.com.br/e/everest

NATUREZA


Democracia: como os animais votam?


Medida será adotada pela
emissora pela primeira vez
em três décadas como for-
ma de prevenção contra o
coronavírus.

http://www.estadao.com.br/e/faustao

l“Tenho respeito por aqueles que, em situação de desemprego, optam
por fazer ‘bicos’ e levar o sustento de forma digna para dentro de casa.”
WELLINGTON MONTEIRO

l“No Brasil, em tudo se exige experiência, e a idade pesa. A mentalida-
de tem de mudar, principalmente no que é simples de fazer.”
ÁLVARO COUTINHO

l“Tudo graças aos governos anteriores. Hoje, bem menos, por causa
do governo atual, que tem se preocupado em diminuir o número.”
STELLA MENDES

l“A promessa da Reforma Trabalhista para gerar emprego e renda
não passava de ‘conto do vigário’.”
FERNANDO CASSIO

COMENTÁRIOS

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Artista húngaro não conse-
guiu vender obras próprias
nos EUA, então começou a
pintar cópias para comercia-
lizar na Europa.

http://www.estadao.com.br/e/falsificador

Espaço Aberto


A


publicação deste quar-
to volume finaliza o dis-
ciplinado empenho de
Fernando Henrique Cardoso
em dar acesso ao registro que
fez do dia a dia de suas ativida-
des nos oito anos que presidiu
o País. É empreitada de largo
fôlego, cujo enredo esclarece
como caminhou sem perder o
rumo no “grande sertão” da
política brasileira no demo-
crático exercício das responsa-
bilidades da Presidência.
É uma obra original na sua
feitura. Não é um diário na
acepção usual da literatura
confessional da sensibilidade
de estados de espírito. Nada
tem que ver com uma buro-
crática agenda comentada do
expediente do dia a dia. Não é
uma autobiografia política,
mesmo porque o registro fei-
to no calor da hora não permi-
te uma narrativa organizado-
ra, decantada pela memória
da experiência, no tempo
mais longo da reflexão. Não é
igualmente uma discussão ela-
borada com rigor acadêmico
sobre como mesclar pensa-
mento e ação. Essa mescla, no
entanto, está presente nos
Diários, pois com frequência
FHC se posiciona como ana-
lista observador da ação, ex-
traindo do cotidiano de sua
experiência presidencial o al-
cance mais amplo dos movi-
mentos das forças sociais e po-
líticas, da lógica política das
instituições e das pessoas
com quem interagiu.
FHC tem os dotes da facili-
dade da narrativa. É o que dá
sabor aos Diários, nos quais
não falta o realismo político
da objetividade nem, ocasio-
nalmente, a acrimônia da irri-
tação, sempre permeada pela
educada civilidade que carac-
teriza o seu modo de ser.
Todos os ingredientes dos
gêneros acima mencionados
têm presença, mas não dão a
identidade intelectual dos Diá-
rios da Presidência. Trata-se de
uma obra singular, única na
sua amplitude, no campo da
ciência política sobre o que é o
processo decisório no ápice
do sistema político brasileiro.
“Governar é escolher”, afir-


mou Mendès-France, e os Diá-
rios explicitam circunstancia-
damente, com a disciplina da
responsabilidade, “de dentro”,
e não “de fora”, o desafio de
conduzir a pauta decisória de
um país grande e complexo.
Não são triviais os riscos
desses desafios. Passam por
não se afogar na avassaladora
demanda dos pleitos da vida
política, para não reduzir o go-
verno à mera rotina da “politi-
que politicienne” de que falam
os franceses. Exige coragem e
capacidade de enfrentar os gra-
ves riscos do inesperado, que
tem o potencial de descarrilar
um governo. Disso são exem-
plos as múltiplas crises finan-
ceiras que superou. Não pres-
cinde da aptidão na lida com a
resistência que a realidade
impõe a uma ação inovadora.
Enfrentar esse desafio re-
quer a qualificada competên-

cia de liderança dotada de vi-
são do País baseada na expe-
riência e no conhecimento e
com antenas para o movimen-
to das coisas, entrelaçada
com o ânimo da “ideia a reali-
zar” dos novos rumos a serem
trilhados. Os componentes es-
tratégicos do fim, do caminho
e da vontade estão sempre
presentes na impregnação
dos rumos norteadores do
processo decisório que per-
meia os Diários e no modo co-
mo FHC direcionou e acompa-
nhou o trabalho dos seus mi-
nistros e colaboradores.
No explicar e compreender,
fluem as razões das políticas
públicas da gestão da econo-
mia e da sua consolidação ins-
titucional, da atenção dada às
de educação e saúde e ao pa-
pel que tiveram no resgate da
dívida social do País, das rela-
cionadas à tutela dos direitos
humanos e da sustentabilida-
de ambiental e de uma miría-
de de medidas voltadas para a
melhoria das condições do
País, como a elevação generali-

zada dos indicadores do de-
senvolvimento humano na
sua gestão revela.
Também tem destaque a de-
dicação a um novo patamar
de presença e de credibilida-
de do Brasil no globalizado
mundo contemporâneo, volta-
do para assegurar a tradução
de necessidades internas em
possibilidades externas. Nes-
sa matéria os Diários ilustram
os méritos e o alcance de uma
diplomacia presidencial, con-
duzida com pleno domínio
das prioridades e das relevân-
cias de quem sabe se orientar
no mundo.
É inequívoco o inventário
do positivo legado da Presi-
dência FHC. Criou condições
de um futuro melhor para o
Brasil, governando democrati-
camente e sem violência, com
respeito pelo Estado de Direi-
to, pelas instituições e pelas di-
vergências de opinião.
Na sua pós-Presidência
FHC se afastou da militância
política diária. Criou com es-
pírito universitário uma reco-
nhecida instituição apartidá-
ria de estudo e reflexão e vem
participando do debate públi-
co. Essa participação está nor-
teada pelas preocupações
com a agenda do presente na
perspectiva do futuro, permea-
da pelo tema dos rumos e do
sentido de direção que assina-
lou construtivamente o pro-
cesso decisório de sua Presi-
dência e que é parte de seu le-
gado de homem público.
É esse lastro que confere au-
toridade à sua palavra. Autori-
dade, para me valer das indica-
ções do politólogo Karl Deuts-
ch, traduz-se na prioridade da
transmissão de mensagens, na
qualidade e na legitimidade
do seu conteúdo e da sua rele-
vância para a sociedade.
No errático e desestabiliza-
dor momento atual do Brasil,
a palavra e a sabedoria acumu-
lada de FHC merecem respei-
to e atenção.

]
PROFESSOR EMÉRITO DA
FACULDADE DE DIREITO DA USP,
FOI MINISTRO DE RELAÇÕES
EXTERIORES (1992 E 2001-2002)

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
MARCOS BUENO / DIRETOR FINANCEIRO
MARIANA UEMURA SAMPAIO / DIRETORA JURÍDICA
NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
FALE COM A REDAÇÃO:
3856-
[email protected]
CLASSIFICADOS POR TELEFONE:
3855-
VENDAS DE ASSINATURAS: CAPITAL:
3950-
DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

‘DOMINGÃO’
Programa do Faustão
não vai ter plateia

Mostra traz obras de
grande falsificador

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

JOÃO MIGUEL JÚNIOR/TV GLOBO JENN ACKERMAN/THE NEW YORK TIMES

]
Celso Lafer


Tema do dia


No entanto, apenas a alimen-
tação não é capaz de impe-
dir o contágio de doença.

http://www.estadao.com.br/e/saude

‘Diários da Presidência,


2001-2002’


No errático momento
atual do Brasil, a
palavra e a sabedoria de
FHC merecem atenção

A Venezuela como


questão de método


Com seus remédios
salvadores, hipóteses
‘revolucionárias’
arruínam sociedades

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
TEL.: (11) 3856-2122 /
REDAÇÃO: 6º ANDAR
FAX: (11) 3856-
E-MAIL: [email protected]
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AO ASSINANTE
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DEMAIS LOCALIDADES: 0800-014-77-
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PUBLICIDADE: 3856-2531 – [email protected]
PREÇOS VENDA AVULSA: SP: R$ 5,00 (SEGUNDA A
SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Quatro em cada dez


desempregados


vivem de ‘bicos’


Pesquisa da CNDL/SPC Brasil informa
que cerca de 30% dizem ter parte das
despesas pagas pela família e amigos

]
Luiz Sérgio Henriques

NEIL HALL/REUTERS EXPOSIÇÃO

No estadao.com.br


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regras de segurança

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Alimentos fortalecem
o sistema imunológico
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