O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 Economia B5


Renée Pereira


As rodovias e aeroportos que
estão sendo devolvidos ao go-
verno federal para serem reli-
citados devem atrair muitos
interessados no mercado,
afirmam especialistas do se-
tor. Isso porque o problema
não está no ativo em si, mas
no contrato de concessão. Ao
mudar as regras e adaptar as
condições à nova realidade
do País, a concessão volta a
ser atraente.
“Na época dos leilões, os estu-
dos de viabilidade foram supe-
restimados. Havia um otimis-
mo muito grande em relação ao
crescimento do Brasil, que foi
transferido para a expectativa
de demanda”, explica Alberto
Sogayar, sócio da área de in-
fraestrutura do escritório L.O.
Baptista Advogados. Com a che-
gada da crise econômica, ficou
evidente que as estimativas es-
tavam muito além da realidade.
Para ter ideia, em 2018, as re-
ceitas de São Gonçalo da Ama-
rante (RN) estavam 45% abaixo
da projetada nos estudos de via-
bilidade e, em Viracopos, 36%,
conforme estudos da época. Por
outro lado, os investimentos pre-
vistos no edital continuavam
tendo de ser cumpridos e as ou-
torgas pagas à União. Segundo a
sócia da área de Infraestrutura,
Regulação e Assuntos Governa-
mentais no BMA Advogados,
Ana Cândida de Mello Carvalho,
o risco da demanda era do con-
cessionário, como deveria ser.
O problema é que a modela-
gem não previa gatilhos de de-
manda para a realização dos in-
vestimentos. Isso criou, por
exemplo, aeroportos gigantes
sem passageiros, como é o caso
de Viracopos – que já teve inte-
ressados na compra do termi-
nal. “Era uma modelagem que
não olhava a viabilidade do pro-


jeto ao longo do tempo. Ou seja,
houve um erro do modelo”, diz
Ana Cândida.
Além disso, boa parte das con-
cessionárias tinha como sócia
uma construtora. Portanto, o
elevado volume de obras benefi-
ciava as empreiteiras, diz a só-
cia da área de Infraestrutura &
Projetos do Vieira Rezende. Ma-

riana Aidar. “Às vezes, a TIR (ta-
xa de retorno) não era atraente,
mas tinha o projeto para cons-
truir.” Junta-se a isso o fato de o
governo destacar entre as condi-
ções do leilão uma linha de fi-
nanciamento do Banco Nacio-
nal de Desenvolvimento Social
(BNDES).
No meio do caminho veio a
Lava Jato e interrompeu esse
fluxo de crédito para as empre-
sas envolvidas no escândalo de
corrupção. A Galvão Engenha-
ria, que perdeu a concessão da
BR-153, foi uma das que não con-
seguiram o empréstimo do ban-
co de fomento. A Odebrecht, pi-
vô da Lava Jato, também teve o
crédito da BR-163 (MT) nega-
do. Nesse caso, em vez do pedi-
do de devolução, a empresa ten-
ta vender a concessão.

Outra concessionária que po-
de devolver a concessão é a Con-
cebra, da Triunfo Participações
e Investimentos (TPI). A em-
presa – que administra um tre-
cho de 1.176 km das rodovias
BR-060, BR-153 e BR-262 – está
em disputas com o governo fe-
deral para aderir à relicitação.

Processo longo. Especialistas
destacam, no entanto, que o
processo de devolução e relici-
tação não é fácil nem rápido. De-
pois da decisão da empresa de
devolver a concessão, as agên-
cias reguladoras precisam apro-
var o pedido. Em seguida, en-
viam o processo ao Ministério
de Infraestrutura, que bate o
martelo sobre o assunto.
Depois disso, a empresa e a
agência reguladora precisam dis-
cutir a elaboração do termo adi-
tivo. Isso inclui definir o valor
da indenização dos investimen-
tos feitos e não amortizados. “O
caminho é longo e o cálculo, di-
fícil, o que pode gerar algumas
discussões”, diz Ana Cândida.
No caso da Via 040, o primei-
ro pedido para devolução ocor-
reu em 2017 e foi reapresentado
no ano passado, quando o gover-
no publicou o decreto da relici-
tação. O enquadramento no
PPI ocorreu no mês passado e a
expectativa de colocar a rodo-
via em leilão é de fevereiro de
2022, segundo a Agência Nacio-
nal de Transportes Terrestres
(ANTT). Em nota, a Via 040 afir-
ma que, até a conclusão do pro-
cesso, continuará prestando
serviços de operação e manu-
tenção da via.
Em Viracopos, embora o pe-
dido não tenha sido protocola-
do ainda, algumas empresas já
foram selecionadas para fazer
os estudos de viabilidade para
o governo. A expectativa é que
esses estudos sejam entregues
em maio.

l ‘Superestimado’

BR-040

● Concessões leiloadas no governo Dilma Rousseff estão sendo devolvidas

MUDANÇA DE RUMOS

FONTES: ANAC, ANTT E ESTUDOS DE VIABILIDADE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

PROJETADA REALIZADA

833

(^883908)
309
352
650
291
BR-163/MS
936,8 km
Via 040 (Invepar)
61,13%
EXTENSÃO:
CONCESSIONÁRIA:
DESÁGIO NO LEILÃO:
RECEITA:
EXTENSÃO:
CONCESSIONÁRIA:
DESÁGIO NO LEILÃO:
RECEITA: RECEITA:
2016 2017 2018 2016 2017 2018
EM MILHÕES DE REAIS
847,2 km
MS Via (CCR)
52,74%
690
Aeroporto São Gonçalo
do Amarante (RN)
PROJETADA REALIZADA
48
52 57
56
65
77 89
103
Aeroporto de Viracopos
(Campinas/SP)
Inframerica
233%
CONCESSIONÁRIA:
ÁGIO NO LEILÃO:
CONCESSIONÁRIA:
ÁGIO NO LEILÃO:
RECEITA:
2015 2016 2017 2018
EM MILHÕES DE REAIS
Aeroportos Brasil
(UTC e Triunfo Participações)
171%
516
631 627
875
776
995
2015 2016 2017 2018
333
269
514 527
739
293
VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO
Especialistas veem demanda por ativos
“Na época dos leilões, os
estudos de viabilidade
foram superestimados.
Havia otimismo em relação
ao crescimento do Brasil,
que foi transferido para a
expectativa de demanda.”
Alberto Sogayar
SÓCIO DO L.O. BAPTISTA ADVOGADOS
Avaliação é que, com adaptações à perspectiva de crescimento do País, concessões voltam a ser atraentes para novos investidores
Viracopos, em Campinas. Receita abaixo de valor projetado

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