O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1
Scott Reyburn
THE NEW YORK TIMES / MAASTRICHT, HOLANDA

“Ele vai dar um jeito no coronavírus para nós. É
um conquistador de epidemias”, disse o nego-
ciante de antiguidades Paul Moss, apontando
para uma monumental estátua dourada de um
Buda Mestre da Medicina exposta por sua gale-
ria em uma discreta prévia da feira de artes e
antiguidades Tefaf, em Maastricht, na semana
passada, em meio à crise da Covid-19, o novo
coronavírus.
Moss, que é também consultor da firma de
especialistas em arte asiática Sydney L. Moss
Ltd., sediada em Londres, destacou que não há
exemplos comparáveis de escultura japonesa
dessa escala dos séculos 11 ou 12 nos
museus ocidentais. Esculpida com
o característico gesto da mão direi-
ta do buda significando “nada te-
mas” e a mão esquerda segurando
um recipiente de remédio, a serena
figura tinha preço de £ 1,2 milhão,
ou cerca de US$ 1,5 milhão (equiva-
lente a R$ 7,22 milhões).
Antes da feira, museus nos Esta-
dos Unidos estavam “muito entu-
siasmados” com a estátua, mas ne-
nhum deles veio a Maastricht para
vê-la, de acordo com Moss. No en-
tanto, na análise dele, nesse caso
em particular, o motivo do súbito desinteresse
foi o conflito de agenda entre a Tefaf de Maastri-
cht e a Semana da Ásia em Nova York, e nem
tanto o novo coronavírus.
A 33.ª edição anual da feira de artes e antiguida-
des mais prestigiada da Europa foi confirmada,
apesar do cancelamento ou adiamento de ou-
tros eventos de destaque, como a Art Basel
Hong Kong e a Art Dubai.
Até esta semana, já foram registrados mais de
380 casos de pessoas infectadas pelo novo coro-
navírus nos Países Baixos, e os colecionadores,
temendo um contágio, cumprimentavam os ex-
positores com acenos e outras formas de evitar
o aperto de mão.
A Tefaf afirmou que o número de frequentado-
res da prévia de quinta-feira foi 4 mil, o que

representa uma queda de 29% em relação ao ano
passado.
A Tefaf de Maastricht deste ano, evento orga-
nizado pelos negociantes que já conta com duas
feiras irmãs em Nova York, foi a maior já realiza-
da, com 282 expositores, mesmo com a desistên-
cia de três importantes galerias: Fergus McCaf-
frey e Wildenstein and Co., de Nova York, e a
Galerie Monbrison, de Paris. O Metropolitan
Museum of Art, de Nova York, e a National Gal-
lery of Art, de Washington, confirmaram estar
entre os museus americanos que aconselharam
seus curadores a não frequentar a feira.
Outras instituições americanas, como o Dal-
las Museum of Art, deixaram a decisão de partici-
par a cargo dos funcionários. “Como não há res-
trição às viagens a Maastricht, a deci-
são coube a nós”, disse Nicole R.
Myers, curadora sênior de arte euro-
peia, que veio à Tefaf com outros
dois representantes do museu. “Es-
tamos fazendo compras”, acrescen-
tou Nicole.
Como outros participantes, a cu-
radora de Dallas se disse impressio-
nada com a grande pintura de Hen-
drick ter Brugghen, Crucificação,
dos anos 1620, ligada a outra obra do
artista (Crucificação com a Virgem e
São João) no Metropolitan Museum
of Art de Nova York. O preço é de
US$ 5,9 milhões, pedido pelo negociante nova-
iorquino Adam Williams.
Para muitos negociantes do nicho dos colecio-
nadores de pinturas dos antigos mestres e arte
decorativa, a Tefaf de Maastricht representa
uma das poucas oportunidades de entrar em
contato pessoalmente com curadores e colecio-
nadores. A criação de cabines atraentes pode
envolver despesas consideráveis.
Christophe de Quenetain, por exemplo, nego-
ciante privado com sede em Paris e Londres e
especializado em mobília francesa do mais alto
padrão, disse ter gasto cerca de ¤ 300 mil (apro-
ximadamente R$ 1,6 milhão), ou US$ 330 mil
(equivalente a R$ 1,7 milhão), revestindo sua
cabine com 8,5 toneladas de mármore exótico
em um desenho inspirado no chão da capela do

Château de Versailles.
Um museu americano não identificado está
confiante em ter reservado a partir de fotogra-
fias digitais um gaveteiro ricamente decorado
do fim do século 17 criado por Pierre Gole, mar-
ceneiro de Luís XIV, ao preço de ¤ 300 mil na
apresentação maximalista de De Quenetain, dis-
se o negociante.
A negociante internacional Galleria Conti-
nua, com sede em San Gimignano, na Itália, é
uma das quatro expositoras estreantes reforçan-
do a seção de arte contemporânea da feira deste
ano. A Continua optou por mostrar uma versão
simplificada de uma vitrine com esculturas me-
tálicas do corpo humano em tamanho real cria-
das por Antony Gormley, a maioria entre 2011-
12, todas ao preço de £ 400.000, cerca de US$
520 mil (R$ 2,5 milhões). Uma delas foi vendida
na prévia do primeiro dia.
Maurizio Rigillo, fundador e sócio da galeria,
que tem sido um frequentador regular da Tefaf
de Maastricht, se disse comprometido a expor
em edições futuras da feira. Mas, nesse ano, es-
pecialmente para um negociante da Itália, onde
mais de 100 pessoas morreram depois de con-
traírem o coronavírus, a participação tem sido
um desafio, disse ele. “Normalmente, venho de
Milão em um avião com dez colecionadores",
disse Rigillo. “Este ano, vim sozinho.”
A epidemia do coronavírus é o mais recente
retrocesso de uma série de reveses que afetaram
o comércio global da arte. A mais recente edição
do relatório anual Art Basel & UBS Art Market,
publicada na quinta, calculou que a venda global
de obras de arte e antiguidades em 2019 foi de
US$ 64,1 bilhões, declínio de 5% em relação ao
ano anterior. O relatório citou entre as causas a
guerra comercial do presidente Donald Trump
contra a China, o Brexit e os tumultos civis em
Hong Kong.
“Todos estão se preparando para uma feira
difícil”, disse o expositor Stephen Ongpin, de
Londres, que está na Tefaf mostrando 39 dese-
nhos de altíssima qualidade do artista alemão
Adolph Menzel, do século 19.
“Os números estarão em baixa, mas não sei de
ninguém que tenha se arrependido de vir.” /
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Em meio ao
surto do novo
coronavírus,
alguns dos
maiores eventos
de arte foram
cancelados, e a
Tefaf recebe
29% menos
visitantes

O MUNDO DA ARTE SOB A


PANDEMIA


Aliás, Visuais


CONTEÚDO EXTRA: ESTADÃO JORNAL DIGITAL


Prevenção. Visitante de máscara na Tefaf

FOTOS: MARCEL VAN HOORN/EFE

Vendida. ‘Camponesa em Frente ao Casebre’ (1885), de Van Gogh


Vazio. Obras de
Bartholomeus
Spranger ao fundo,
na prévia da Tefaf


Degas. ‘Três Dançarinas de Saias Amarelas’, obra pintada em 1904

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 Aliás

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