O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1
Michael Cooper
THE NEW YORK TIMES / BONN E VIENA

Em Viena, até o visitante mais casual é bombardea-
do pelo complexo industrial Mozart da cidade.
Sua face está visível nos doces cobertos de choco-
late, os grandes cafés oferecem tortas Mozart e
as lojas de presentes vendem chaveiros, bonecos
e até patinhos de borracha com a figura do com-
positor. Vendedores ambulantes não oferecem
tours para locais famosos, mas bilhetes para con-
certos turísticos dominados pela música de Mo-
zart. Mas a pergunta é: e Beethoven?
Não me entenda de maneira errada. Adoro Mo-
zart e é encantador ver a cidade onde ele passou
a última década da sua vida prestando homena-
gens a ele com tanto kitsch. Mas Beethoven pas-
sou seus últimos 35 anos ali, e foi em Viena que
ele compôs ou estreou suas grandes obras – in-
cluindo todas as nove sinfonias – e mudou mui-
tas das nossas ideias sobre música, arte e gênio.
Mas este ano a história de Beethoven é reconta-
da para uma nova geração. O 250º aniversário do
seu nascimento vem sendo celebrado em todo o
mundo. As salas de concerto estão programando
maratonas da sua música; museus abrem mos-
tras e novas coletâneas das suas obras completas
são lançadas pela Warner Classics (em 80 CDs)
e a Deutsche Grammophon (em 118). Portanto, a
época pareceu propícia para uma peregrinação
em busca de Beethoven – o homem.
Ninguém pode acusar Bonn – cidade à mar-
gem do Reno que foi capital da Alemanha Oci-
dental – de ignorar seu filho mais famoso, mes-
mo que sua infância ali tenha sido infeliz. Os le-
treiros na estação ferroviária proclamam a cida-
de como seu local de nascimento, barracas de
souvenirs vendem camisetas de Beethoven. Um
imponente monumento de bronze, que o compo-
sitor e pianista húngaro Franz Liszt ajudou a pa-
gar, é uma das imagens definidoras da cidade.
Foi lógico começar em Bonn, que abriga o me-
lhor museu dedicado a ele, a Beethoven Haus.
Ali, no pátio interno, está a casa coberta de par-

reiras onde, em 1770, Beethoven nasceu, de uma
família de músicos que logo caiu em dificuldade.
Seu avô, também chamado Ludwig van Beetho-
ven, era o kapellmeister de Bonn, um cargo im-
portante, encarregado da música na corte. Mas
ele morreu quando Beethoven tinha três anos.
Quando o pai dele, menos talentoso, Johann,
não conseguiu obter aquele posto, descambou
para o alcoolismo; há notícias de que o jovem
Beethoven teria implorado à polícia para não
prender o pai por se embriagar e criar confusão.
O museu, que foi reformado para o aniversá-
rio, é um relicário musical fascinante: ali estão ex-
postos o console de um órgão que ele tocava
quando criança nas missas da manhã numa igre-
ja próxima; a viola que tocou na orquestra da cor-
te; e seu último piano de cauda.
A loja de souvenirs oferecia bustos de Beetho-
ven, discos e livros acadêmicos sobre ele, além
de partituras, chocolates, vinhos e até mesmo pa-
tinhos de borracha. Enfim, Beethoven brega!
Uma exposição que é um sucesso está aberta
até abril na Bundeskunsthalle de Bonn, reunindo
no mesmo local os mais importantes artefatos
do mundo pertencentes ao compositor, ilumi-
nando e questionando a mitologia Beethoven.
O centro histórico de Bonn por si próprio é
uma mostra Beethoven: numa igreja próxima da
casa onde ele nasceu vi a pia batismal de mármo-
re onde foi batizado, em 17 de dezembro de 1770;
entrei no Palace Church onde, quando criança,
ele foi organista assistente da corte. E então eu
me vi na praça do mercado, onde o mais influen-
te professor de Beethoven, o compositor Chris-
tian Gottlob Neefe, discutia os ideais do Iluminis-
mo com os intelectuais locais.

Viena. Ainda é possível visitar os cenários de mui-
tos dos seus triunfos em Viena, no entanto.
No ornamentado Lobkowitz Palace, que foi lar
de um importante patrono e hoje é o Theater Mu-
seum, visitei a Eroica Saal, onde os primeiros en-
saios privados da sua monumental sinfonia fo-
ram realizados. Em Beethoven: Angústia e Triunfo,

Jan Swafford descreve como os convidados ou-
viam “enquanto os músicos tropeçavam nessa
música mais estranha que nenhum deles jamais
tinha ouvido”.
No Theater an der Wien, em frente ao Hotel
Beethoven, ele estreou suas Quinta e Sexta Sin-
fonias na mesma noite, durante um concerto
tão longo que ficou na história, em 1808. Neste
teatro também foram apresentadas as primei-
ras audições do seu Concerto para Piano núme-
ro 4 e sua Fantasia Coral.
O teatro foi reformado, mas ainda é emocio-
nante ver a que foi, liberalmente, sua residência


  • com um apartamento dado por Emanuel
    Schikaneder, empresário que o construiu e que
    ajudara a criar a Flauta Mágica de Mozart e foi
    seu primeiro Papageno.
    Dei uma olhada na Academia Austríaca de
    Ciências, que estava em construção, para ver on-
    de ocorreu a estreia da sua Sétima Sinfonia. Mi-
    nha visita ao Parlamento Austríaco, para ver on-
    de a Oitava foi tocada durante o Congresso de
    Viena – num salão de baile em Hofburge – foi
    menos bem-sucedida.
    O salão foi reconstruído depois de um incên-
    dio em 1992. Sua grandeza imperial foi substituí-
    da por pinturas impressionantemente moder-
    nas de Josef Mikl. Mas aprendi alguma coisa a
    respeito de Hans Kudlich, legislador austríaco
    que combateu o feudalismo, fugiu em 1894 do
    país e foi para Hoboken, em Nova Jersey.
    Finalmente, eu me dirigi ao local onde Bee-
    thoven morreu em 26 de março de 1827, aos 56
    anos de idade. O prédio não está mais lá, mas
    duas placas marcam o local. Depois que ele
    morreu os visitantes cortaram seu cabelo para
    levarem de lembrança; as mechas ainda arreca-
    dam milhares de dólares em leilões.
    As pessoas, de luto, fizeram imensas filas
    acompanhando seu funeral, e levou uma hora
    e meia para a procissão chegar à igreja da San-
    ta Trindade, onde a cerimônia do seu funeral
    foi realizada.
    Visitei depois o primeiro túmulo de Beetho-
    ven, no cemitério Währing, e onde Schubert, que
    morreu logo depois, também foi enterrado. Os
    corpos dos dois compositores foram mais tarde
    transferidos para o cemitério central da cidade,
    onde estão um ao lado do outro, perto da sepul-
    tura de Brahms.
    Por fim, parei no Secession Museum para ver o
    fantasmagórico Friso de Beethoven, de Klimt, que
    ele pintou em 1902. Foi uma lembrança de como
    Beethoven inspirou gerações de artistas muito di-
    ferentes. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO


Uma caminhada
pelas cidades
que marcaram a
vida de Ludwig
van Beethoven
mostram a
presença do
compositor nos
seus 250 anos de
nascimento

PEREGRINAÇÃO


MUSICAL


Aliás, Música


CONTEÚDO EXTRA: ESTADÃO JORNAL DIGITAL


Acervo. Beethoven Haus, museu dedicado ao compositor na casa em que ele nasceu

ANDREAS MEICHSNER/THE NEW YORK TIMES

Espaço público. Monumento a Beethoven em praça de Bonn, cidade-natal do compositor; o pianista Franz Liszt ajudou a pagar pela instalação dessa escultura

Palco. No Theater an der Wien, ele estreou suas Quinta e Sexta Sinfonias na mesma noite


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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 Aliás

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