O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 Especial H5


Celso Ming

O


tsunami que desabou sobre o
mundo nas últimas duas sema-
nas não deixa apenas incertezas.
Também reforça certas advertências.
A primeira delas tem a ver com a glo-
balização. “Expulsai o natural e ele vol-
tará a galope” – dizia o dramaturgo
francês Philippe Destouches no século


  1. Quanto mais têm sido atacadas ou
    negadas, tanto mais a integração e a ne-
    cessidade de intensificá-la ficam mais
    claras.
    Nada de globalização, ponha os Estados
    Unidos em primeiro lugar – vem martelan-


do o presidente Trump e ele próprio sai
dizendo que “o vírus é estrangeiro”. O Bre-
xit e os movimentos separatistas que to-
mam corpo na Catalunha e na Escócia que-
rem independência e isolamento. As forças
nacionalistas e xenófobas que se espalham
pela Europa são outra fonte de ataques a
várias formas de integração econômica,
política e social.
São três manifestações do mesmo im-
pulso que tenta refugar a globalização.
Mas a rápida disseminação do coronaví-
rus mostrou quanto tudo neste pequeno
mundo está imbricado e é interdepen-
dente. Tão imbricado, tão interdepen-
dente e tão vulnerável que não sobrou
outra maneira de lidar com os grandes
problemas senão com cada vez mais am-
pla coordenação de políticas entre go-
vernos, bancos centrais e instituições
multilaterais.
O que está acontecendo na Itália não é
exagero de cartolas políticos apavorados
com cobranças. Eles apenas estão colo-
cando em prática determinações técni-

cas que têm por objetivo conter a expan-
são de uma praga. Lá, toda a população,
de 60 milhões de habitantes, foi confina-
da às suas residências, está proibida de
ir a quaisquer aglomerações, inclusive
aos velórios. O Brasil tem 210 milhões de
habitantes e se mostra despreparado se
ou quando algo parecido vier a aconte-
cer por aqui. Imagine-se o pandemônio

caso a progressão em bases geométricas
da pandemia obrigar as autoridades a to-
mar providências equivalentes a confina-
mento ou adoção de quarentena. O que
será das prisões (onde as visitas terão de
ser proibidas) e das favelas, tão sujeitas
a promiscuidades? O que será das esco-
las, do transporte público (incluídos aí

os táxis), dos espetáculos, dos cinemas,
teatros, dos restaurantes, dos bares e da
convivência nas fábricas, nos escritórios,
no comércio, nas igrejas, nas ruas. Não
há razão especial para que o Brasil seja
especialmente poupado de tragédias des-
sa ordem.
Embora, até agora, nenhuma morte te-
nha sido confirmada no Brasil em conse-
quência do coronavírus, o impacto sobre
o mercado financeiro vem sendo mais in-
tenso do que em países mais atacados pe-
la epidemia. Um jeito de ler a dinâmica
dos fatos é entender que o fundo do poço
ainda não foi atingido porque o pior ain-
da não aconteceu. Outro jeito é afirmar
que, se o tombo foi forte demais, como
parece, também a recuperação, quando
vier, será mais rápida. Só tem uma coisa:
remar de volta contra a corrente é bem
mais difícil. Até mesmo a numerologia po-
de deixar isso mais claro. Se o mercado
desaba de 100 para 50, leva um tombo de
50%. Mas para voltar de 50 para 100, tem
de subir 100%.

Um tsunami que


reforça o caminho


da globalização


uma vacina de elevada eficácia, segura e de lon-
ga proteção.

EVENTOS






Quais precauções devo tomar no cine-
ma?
O Ministério da Saúde determi-
nou, na sexta-feira, dia 13, que sejam evitados
eventos com aglomerações. Na Itália, o gover-
no já recomendou que restaurantes coloquem
mais espaços entre as mesas, e medidas seme-
lhantes podem ser tomadas nos cinemas.





Os museus deveriam escalonar a en-
trada de visitantes?
O médico infectologista Luis Fer-
nando Aranha Camargo, do Einstein, conside-
ra a medida razoável, mas ressalta: “Faz senti-
do limitar o número de visitantes ao mesmo
tempo, mas são necessários estudos para garan-
tir que medidas assim funcionam de fato”. Di-
versos países na Europa, como Itália, Áustria e
República Checa, já fecharam os museus públi-
cos para visitantes por causa da epidemia.





O que devo fazer se tiver ingressos já
comprados para eventos esportivos e
culturais remarcados ou cancelados?
Cada país, Estado ou cidade tem suas próprias
leis. No Brasil, o Procon é o caminho. A entida-
de tem um regulamento que protege os direi-
tos do consumidor. Há a possibilidade ainda
de os organizadores do evento tomarem a deci-
são de devolver o dinheiro das entradas ou par-
te do valor investido, 70%, por exemplo. Ou
ainda informar que os bilhetes vão valer para
outra data. Não existe uma única decisão.





Por que jogos de futebol e eventos es-
portivos estão sendo suspensos ou
cancelados, como a Libertadores?
Porque todos esses eventos têm público em
um mesmo lugar. Um estádio de futebol rece-
be, em média, 45 mil pessoas. Elas ficam lado a
lado. O espirro de uma pessoa contaminada
em uma arena pode fazer com que a doença se
espalhe muito mais rapidamente. Daí a iniciati-
va de fazer alguns eventos esportivos sem tor-
cida. Em lugares em que a doença avança mais
rapidamente, como na Itália, jogos de futebol
já haviam sido cancelados.





Se quiser ver meu time jogar ou torcer
para meu piloto favorito em um GP de
F-1, o que tenho de fazer?
Em primeiro lugar, você terá de consultar as
entidades para saber se o evento será mantido.
Há muitos jogos e torneios sendo cancelados
para evitar a aglomeração de pessoas. Na Itália,
a Liga Nacional parou. Na Espanha, há jogos
sem público, assim como na França. Clubes es-
tão fechando os portões para o público. Dispu-
tas estão sendo remarcadas para o fim do ano
ou canceladas. No Brasil, os campeonatos esta-
duais avaliam a necessidade de fechar os por-
tões para o público, como já fizeram, até sexta-
feira, dia 13, São Paulo (na capital), Rio e Goiás.





Há risco de a Olimpíada de Tóquio,
marcada para ocorrer entre julho e
agosto, ser adiada ou nem aconteça?
Os organizadores do evento dizem oficialmen-
te que não. Até sexta, dia 13, tudo continuava
sendo feito em Tóquio com a intenção de man-
ter a abertura dos Jogos no dia 24 de julho. O
próprio presidente do Comitê Olímpico Inter-
nacional (COI), Thomas Bach, afirma que não
está nem sequer sendo cogitado o cancelamen-
to do evento. Por contrato, a Olimpíada deve-
ria ocorrer neste ano, não necessariamente na
data estipulada, mas até dezembro. De qual-
quer forma, há um consenso dos representan-
tes legais de que a decisão não precisa ser to-
mada agora. Por enquanto, fica como está.





Comprei ingressos para a Olimpíada.
Se ela não acontecer, o que faço?
Quais são os meus direitos?
O Comitê Organizador Tóquio 2020 ainda
não pensa na possibilidade de não realizar os
Jogos na data programada. Caso o evento se-
ja cancelado, o dinheiro dos ingressos seria
devolvido aos fãs. Não há uma resposta ofi-
cial para isso ainda porque o Comitê não tra-
balha com essa possibilidade.

Sem ganhos. Painel mostra ações em baixa em Nova York. Bolsas de todo o mundo registraram os piores
desempenhos na última semana, incluindo a Ibovespa, que caiu 26% nos últimos dias

Lidar com o caso requer ampla
coordenação de políticas entre
governos, bancos centrais e
instituições multilaterais

ESPECIAL CORONAVÍRUS IMPACTO NA ECONOMIA


R. SMITH / AFP – 11.03.2020
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