O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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H6 Especial DOMINGO, 15 DEMARÇODE 2020 OESTADODES.PAULO


TURISMO






Qual o tamanho do prejuízo para o se-
tor de turismo?
Desde o início de 2020, a dispara-
da do dólar e do euro no Brasil já dificultava a
venda de viagens internacionais. Com o aumen-
to dos riscos de contaminação provocado pela
expansão do coronavírus, o desafio ficou
maior. “Neste momento, não está claro como
o vírus vai se desenvolver, mas há uma crise,
seja com o impacto restrito a poucos merca-
dos e uma perda de US$ 63 bilhões em receitas
ou com um impacto mais amplo, chegando a
uma perda de US$ 113 bilhões”, diz o diretor-
geral e CEO da Associação Internacional de
Transporte Aéreo (Iata), Alexandre de Juniac.






Como fica a situação de quem não pô-
de ou desistiu de viajar em decorrên-
cia da covid-19?
Até sexta-feira, dia 13, pouco havia de concre-
to. Muitas organizações e empresas consulta-
das ainda estavam lidando com a mudança de
classificação (para pandemia), anunciada pela
OMS na quarta-feira.






Qual a recomendação do Procon-SP a
empresas e a clientes com viagens
marcadas?
A recomendação é para que as empresas aé-
reas “não fiquem passivas aguardando serem
provocadas pelos órgãos de defesa do consumi-
dor”, diz Fernando Capez, diretor executivo
do órgão, por meio de nota. “Elas devem to-
mar iniciativa, aumentar os seus serviços de
atendimento e discutir caso a caso a melhor
solução. As empresas não têm culpa, mas o
consumidor também não. E ele é a parte vulne-
rável na relação de consumo. Por isso, o Pro-
con-SP está orientando as empresas a não re-
sistirem juridicamente, mas com bom senso
chegarem a um acordo com os consumidores.”






Qual tem sido o posicionamento das
entidades de turismo até o momento?
A Associação Brasileira de Agên-
cias de Viagens (Abav) afirmou em nota que
vem trabalhando para que os fornecedores de
produtos e serviços vendidos pelas agências
ofereçam “opções e facilidades nas remarca-
ções ou mudanças de itinerário, sem custo, aos
passageiros que não se sentirem confortáveis
em viajar nesse momento. As políticas de re-
marcações não são padronizadas, dependem
de cada fornecedor, e as agências fazem a inter-
mediação necessária”.






Quais têm sido as políticas das com-
panhias de cruzeiros que operam no
Brasil?
O governo recomenda o adiamento de cruzei-
ros turísticos. As companhias estão tomando
diversas medidas, como o cancelamento gratui-
to das reservas até determinadas datas, mas é
preciso consultar as empresas. Recentemente,
navios de cruzeiros ficaram retidos em portos
no Japão, nos Estados Unidos e no Brasil por
causa de casos confirmados a bordo da doença.






Seguro-viagem cobre gastos hospitala-
res, atendimentos, medicamentos inter-
rupções e cancelamentos de viagem
provocados pelo contágio ou risco de contágio do
coronavírus?
Há exceções, mas a maioria não cobre. Um dos
poucos aspectos definidos após a declaração
de pandemia diz respeito à cobertura do segu-
ro-viagem. “Pandemia, epidemia ou endemia
são riscos excluídos das coberturas em todas
as seguradoras”, explica Juçara Serrano, head
de Operações da April Brasil Seguro Viagem.
Com isso, viajantes que apresentem sintomas
de gripe são atendidos até o valor-limite con-
tratado para despesas médicas e hospitalares.


BRASIL






O governo pode colocar cidades em
quarentena, se necessário?
Sim, é uma medida possível. A le-
gislação criada neste ano para combater o no-
vo coronavírus permite colocar um local ou


uma área em quarentena. O Ministério da Saú-
de, no entanto, afirma que neste momento a
medida nem sequer é cogitada. A restrição, pa-
ra ser adotada, deve ser determinada a partir
do ato do gestor de saúde local: o ministro da
Saúde, em caso de quarentena em todo o terri-
tório nacional, como aconteceu na Itália, ou
secretários estaduais e municipais, se atingir a
área de um Estado ou cidades específicas. A
autorização de quarentena teria de ser funda-
mentada, publicada no Diário Oficial da União
e divulgada em meios de comunicação. A medi-
da poderia ser adotada por no máximo 40 dias,
podendo se estender pelo tempo necessário,
desde que haja autorização do COE Nacional
(Centro de Operações de Emergência em Saú-
de Pública). Em casos de quarentena, assim
como feito com os brasileiros repatriados de
Wuhan, o governo deve garantir abastecimen-
to de alimentos e outras medidas essenciais.





O Brasil está preparado para a epide-
mia?
O médico Drauzio Varella afir-
mou que “a informação é crucial” no enfren-
tamento de epidemias como a do coronaví-
rus. Segundo ele, o Brasil – e o SUS, em parti-
cular – “está preparado” para atender à de-
manda atual. Já Segundo Alberto Beltrame,
presidente do Conselho Nacional de Secretá-
rios de Saúde (Conass), os Estados já envia-
ram ao Ministério da Saúde planos de contin-
gência que incluem a lista de hospitais de
referência e medidas para detectar a doença.
Segundo ele, a rede pública está preparada
para fazer os atendimentos mesmo que haja
grande número de casos da doença.





Devo estocar alimentos? E remédios?
Os especialistas dizem que não há
necessidade. “De forma alguma. Se
a gente tivesse transmissão sustentada, com

quarentena, a gente iria rediscutir”, diz o infec-
tologista Jean Gorinchteyn, do Emílio Ribas.
Paulo Olzon, da Unifesp, completa: “Em épocas
de epidemia, antigamente, as pessoas faziam
isso. Mas, se não puder ir ao supermercado, vai
ter de suspender o metrô e outras atividades”.





Tempo mais quente evita a dissemina-
ção do novo coronavírus? No inverno
a situação no Brasil pode piorar?
A OMS informa que as evidências apontam,
até o momento, que a covid-19 pode ser trans-
mitida em todas as regiões, incluindo áreas
com clima quente e úmido. Nada indica tam-
bém que o frio e a neve sejam capazes de ma-
tar o vírus. “No inverno, naturalmente, os ví-
rus respiratórios tendem a circular de forma
mais fácil, porque as pessoas se aglomeram
mais, os ambientes que são escolhidos deixam
de ser ambientes ao ar livre para ser mais fe-
chados, como shoppings, cinemas e restauran-
tes, e isso favorece a circulação de vírus”, diz
Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto
de Infectologia Emílio Ribas.





Brasileiros na Itália serão repatria-
dos, como foi feito na China?
Por enquanto, não. O governo des-
cartou repatriar brasileiros isolados na Itália
após ampliação da área de quarentena no país.
“Não existe no radar essa possibilidade de re-
patriação dos que estejam na Itália”, disse o
secretário executivo do Ministério da Saúde,
João Gabbardo dos Reis.





Como decidir se devo ou não viajar
para determinado país?
O governo não faz e diz que não
discute restrição de voos a países com circula-
ção ativa do vírus. O ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, tem dito que é preciso
“bom senso”, evitando viagens “desnecessárias”

para estes locais. “Se você não tem por que ir
para a Lombardia (região da Itália), por que ir
para a Lombardia? Vou lá para olhar? Vou pas-
sear? Aí prefiro passear no Hemisfério Sul”, dis-
se. Até agora, o governo federal ainda não
impõe medidas restritivas de deslocamentos
para combater o avanço da doença, como limi-
tar a circulação de pessoas. Os gestores do Mi-
nistério da Saúde afirmam que tudo pode mu-
dar conforme a doença se desenvolve. “Não há
nenhuma orientação neste sentido (de bloqueio
sanitário). Isso é para sempre? Não sei, depende
da evolução”, disse o secretário executivo do
Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis.





A pandemia de coronavírus pode tra-
zer algum impacto para as eleições
no Brasil?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou
que o cronograma eleitoral “está sendo cumpri-
do” e “não sofreu alterações” mas, como peças
da urna eletrônica são fabricadas na China, on-
de se originou o vírus, existe o risco de haver
atraso na entrega dos aparelhos. Dessa forma,
técnicos do TSE já cogitam a possibilidade de
haver menos urnas para atender os milhões de
eleitores brasileiros, o que eventualmente po-
de levar a filas, pois seria necessário otimizar
os equipamentos antigos em uso. Mesmo as-
sim, a expectativa no tribunal é de que a situa-
ção do coronavírus já esteja controlada até
agosto, o que evitaria mudanças no cronogra-
ma das eleições.

MUNDO






A OMS declarou pandemia da covid-


  1. A decisão foi acertada?
    A declaração de pandemia (quan-
    do há presença de transmissão em todos os


Oportunista,


doença acelera


jogo geopolítico


Lourival Sant’Anna

C


omo todo vírus, o causador da covid-19
é um oportunista, que catalisa e dá no-
va expressão a processos já em anda-
mento. É esse o seu impacto também no plano
geopolítico. As três grandes dinâmicas do siste-
ma internacional se precipitaram com a pan-
demia: o fortalecimento do componente auto-
ritário na afirmação da China como superpo-
tência; a projeção da Rússia e o acirramento
das disputas com os Estados Unidos; e a diver-
gência estratégica entre a Europa e Trump.
A eclosão do coronavírus na China expôs
duas fragilidades do país. Primeiro, o quanto
os hábitos e a cultura dos chineses não conse-

guiram acompanhar a urbanização em ritmo
atordoante nas duas últimas décadas. A trans-
missão do vírus para os seres humanos só foi
possível por causa do papel central que ani-
mais silvestres ainda têm na culinária e na
medicina tradicional chinesa.
Em segundo lugar, a resposta da China ao
surto expôs as consequências de seu modelo
híbrido de autoritarismo e capitalismo. A pri-
meira reação das autoridades em Wuhan foi
tentar abafar o surto, mesmo após a traumáti-
ca lição da Sars, que se espalhou em 2003 gra-
ças à falta de transparência das autoridades.
O governo central chinês, ao tomar pé da
situação, assumiu uma atitude muito mais
proativa e transparente. Mas as medidas ado-
tadas para conter a epidemia só foram possí-
veis graças ao caráter autoritário do regime.
A China conseguiu desacelerar drastica-
mente a proliferação da doença. Com isso,
as perdas, tanto no crescimento econômico
quanto no prestígio do país, incluindo o pro-
grama de investimentos globais da Iniciati-
va da Rota da Seda, foram estancadas, mas
não anuladas. Ainda vai levar um tempo até

que possamos medir o tamanho desse pre-
juízo para a China e o seu impacto global.
A queda no preço do petróleo causada pe-
la diminuição da demanda em função do
coronavírus também precipitou algo que
estava à espreita: o uso da carta energética
pela Rússia. Desde 2014, EUA e União Euro-
peia adotam sanções contra a Rússia por
causa de suas intervenções na Ucrânia. Em
dezembro, o governo americano impôs me-
didas contra as empresas que participam da
construção do gasoduto Nord Stream 2 ,
que liga a Rússia à Alemanha.
A Rússia já estava incomodada com o papel
regulador do preço do petróleo que os EUA
vêm exercendo indiretamente, depois de se
tornar o maior produtor e o quarto maior ex-
portador, e de impor sanções à Venezuela e
ao Irã. O governo americano calibra a produ-
ção desses países por meio de concessões pa-
ra empresas de exploração e distribuição.
A Rússia rejeitou a proposta da Arábia Saudi-
ta de cortar a produção para elevar o preço do
petróleo, rompendo uma aliança de mais de
três anos com a Opep. A estratégia russa, ao

manter o barril barato, é tirar do mercado o
petróleo de xisto americano, que tem preço de
extração bem mais alto que o convencional.
Por último, os governantes têm reagido ao
coronavírus conforme as suas disposições
frente ao mundo. A chanceler Angela Merkel,
mesmo ao reconhecer que o vírus poderá
contaminar entre 60% e 70% dos alemães,
está mantendo por ora as fronteiras abertas.
O governo conservador de Sebastian Kurz
fechou a fronteira da Áustria com a Itália.
Trump anunciou na noite de quarta-feira a
proibição da entrada de cidadãos do Espaço
Schengen, que reúne 26 países europeus. Após
contabilizar muitas perdas causadas pelo Bre-
xit, o Reino Unido, que não pertence a essa
área de fronteiras abertas, viu-se premiado
por seu isolamento e foi excluído da medida. O
presidente americano responsabilizou os go-
vernantes europeus por facilitar o alastramen-
to da doença ao manter as fronteiras abertas.
O coronavírus não está mudando os ru-
mos do mundo. Está apenas acelerando
seus passos numa trajetória que já estava
traçada.

ESPECIAL CORONAVÍRUS IMPACTO INTERNACIONAL


Sem isolamento. Jair Bolsonaro usa máscara no Palácio da Alvorada depois de viajar com o secretário de
Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, que recebeu diagnóstico positivo para o coronavírus
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