O Estado de São Paulo (2020-03-15)

(Antfer) #1

OESTADODES.PAULO DOMINGO, 15 DEMARÇODE 2020 Especial H7


Orgulho,


preconceito


e as viagens


Adriana Moreira

O


ano de 2020 começou com o otimis-
mo que se espera de um ano olímpi-
co. Embora os casos de contamina-
ção pelo novo coronavírus já crescessem
exponencialmente na China, ainda se trata-
va de algo isolado. Assim, a previsão da Or-
ganização Mundial do Turismo (OMT) em
janeiro era de que eventos como os Jogos
de Tóquio impulsionassem a indústria
mundial, com crescimento de 3% a 4%. En-
quanto isso, o turismo na Europa seguia
seu curso. A prefeitura de Roma, que há
tempos adota medidas contra o excesso de
visitantes, cercava a Fontana di Trevi. In-

formalmente, visitantes chineses viam
suas reservas serem canceladas ou nem
aceitas pelo continente.
Em 25 de fevereiro, foi confirmado o pri-
meiro caso da doença no Brasil. E, ao con-
trário do que o senso comum e os memes
que brotavam na internet davam a enten-
der, quem importou a covid-19 para cá não
foi um asiático, mas um brasileiro vindo da
Itália. Foi mais ou menos por aí que o Oci-
dente, que acompanhava a doença com
preocupação, mas certo distanciamento,
viu o cenário se transformar. Os monumen-
tos da Itália, normalmente cheios de turis-
tas (e de guardas antipáticos), começaram
a esvaziar. Foram os italianos que passa-
ram a ser persona non grata no turismo.
Hoje, as imagens de cartões-postais vazios
parecem saídas de um filme apocalíptico.
E como essa trama pode terminar?
Neste momento vivemos um suspense,
mas esperar um final feliz em 2020 é ilu-
são. Em 6 de março – antes, portanto, de a
Organização Mundial da Saúde (OMS) de-
clarar pandemia –, a OMT refez suas proje-

ções. Estima-se agora perdas de US$ 30 bi-
lhões a US$ 50 bilhões no mundo, e um en-
colhimento do setor de 1% a 3%.
A Associação Internacional de Transpor-
te Aéreo (Iata) prevê redução de US$ 63
bilhões a US$ 113 bilhões na receita. No
Twitter, a Iata divulgou que o impacto se-
rá devastador se governos não ajudarem
as empresas. No Brasil, a Associação Brasi-
leira de Empresas Aéreas (Abear) infor-
mou que entregou ao governo federal uma
lista de pedidos de isenções emergenciais.
Quando se fala do encolhimento do mer-
cado, é preciso entender que essa indústria
é uma das mais importantes do mundo –
dela dependem não só grandes companhias,
como as aéreas. A OMT contabiliza que
90% das empresas ligadas ao setor na Euro-
pa são pequenas e médias. No Brasil, as mi-
cro e pequenas são 95%. Elas não somam
grandes montantes, mas têm suma impor-
tância para movimentar o comércio local.
Tais empresas recebem menos benefí-
cios e isenções, não têm grande reserva de
caixa e se recuperam de forma mais lenta

em crises graves. A Associação Brasileira
de Agências de Viagens (Abav) divulgou
nota dizendo que se uniu ao Ministério do
Turismo para estabelecer um plano de con-
tingência “com medidas de apoio que ga-
rantam a sustentabilidade de toda a cadeia
produtiva do setor” durante a crise.
A longo prazo, o turismo vai se recupe-
rar, como sempre se recupera, mesmo em
grandes catástrofes. A curto prazo, é bem
provável que cidades na Itália que vinham
tentando afastar os turistas passem a fa-
zer campanhas para que eles voltem. Os
chineses, apontados como visitantes que
não seguem regras, serão mais valoriza-
dos. Afinal, o país é o maior emissor mun-
dial de turistas. Reavaliar o tratamento da-
do aos viajantes é fundamental depois que
a tempestade viral passar.
No Brasil, a Abav acredita que, por ser
baixa temporada, os estragos financeiros
podem ser minimizados e compensados,
de certa forma, na alta. Certamente surgi-
rão ofertas, opções de parcelamento e pro-
moções. Mas é cedo para saber.

continentes, afetando um grande número de
pessoas) permitirá que importantes medidas
de saúde pública para o combate à doença se-
jam implementadas pelas autoridades sanitá-
rias dos diversos países com mais eficiência.





Quais as diferentes estratégias que
os países estão adotando contra a
doença?
Países estão criando áreas de isolamento ou
mantendo as pessoas em quarentena, além de
cancelar eventos públicos, escolares e orienta-
rem as pessoas a não ficar em aglomerações.
Na quarta-feira, dia 11, o governo Trump deter-
minou a suspensão de voos vindos da Europa,
com exceção do Reino Unido. Em Israel, por
exemplo, qualquer pessoa que chegar ao país
terá de ficar 14 dias de quarentena. Na Itália, o
governo declarou isolamento em todo o territó-
rio desde a terça-feira, dia 10, limitando a movi-
mentação de 60 milhões de pessoas após 600
mortes por coronavírus serem confirmadas. As
viagens internas e externas precisam de autori-
zação da polícia. Países europeus, como Áus-
tria, anunciaram restrição na entrada de italia-
nos e exigem certificado médico. A Espanha
proibiu voos diretos para a Itália. Em países da
América Latina, como Paraguai, Argentina, Pe-
ru e Colômbia, medidas de isolamento estão
sendo tomadas e vistos não são emitidos.





O avanço do coronavírus pode reforçar
o discurso contra a globalização?
Sim, lideranças com visões mais ex-
tremistas, como o italiano Matteo Salvini e a
francesa Marine Le Pen, já afirmaram que a
imigração e o convívio com pessoas de diferen-
tes nacionalidades podem propagar o vírus.





A pandemia pode acirrar campanhas
contra imigrantes e refugiados?
No início do surto, houve relatos

ESPECIAL CORONAVÍRUS IMPACTO NO TURISMO


CARLOS OSORIO/REUTERS

Sem estoque. Prateleiras vazias em supermercado em Toronto, no Canadá. Cenas de moradores correndo
às lojas atrás de alimentos e medicamentos se repetiram em diversos países nas últimas semanas

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
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