O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 Especial H9


Boas e más


notícias


ca, mas o governo insiste que não detectou
um único caso da covid-19. Especialistas
acreditam que a disseminação do vírus no
país empobrecido pode ter consequências
terríveis por causa das deficiências de seu
sistema de saúde.





Qual o impacto do novo coronavírus
em sistemas de saúde precários?
O medo é de que entrem em colap-
so em razão da alta procura. Ainda não há vaci-
na para o coronavírus, antibióticos não fazem
efeito e a orientação é tratar a doença como
uma gripe forte. Mas sistemas precários de saú-
de podem não ter o teste para verificar se uma
pessoa doente contraiu de fato o coronavírus
ou está com outra infecção, por exemplo.
Além disso, há o temor de falta de leitos e lo-
cais para atender a todos.





Coronavírus pode mudar o ‘modus
operandi’ das campanhas presiden-
ciais nos EUA?
Já mudou. Na terça-feira, dia 10, os democra-
tas Joe Biden e Bernie Sanders cancelaram as
campanhas em Cleveland durante as primárias
“preocupados com a questão da saúde públi-
ca” em razão do coronavírus. A campanha de
Sanders acrescentou que os próximos eventos
serão avaliados antes de serem confirmados.





Como o coronavírus pode influen-
ciar politicamente na corrida presi-
dencial americana?
É preciso esperar para ver o desenvolvimento
da pandemia. Por enquanto, a campanha presi-
dencial deixou de ser o foco da atenção nos
noticiários americanos, mas ainda não é possí-
vel medir o impacto que isso terá na eleição.

TRABALHO






Como as empresas devem acordar
o ponto, principalmente para funcio-
nários que não faziam home office?
De acordo com Daniela Yuassa, advogada tra-
balhista do Stocche Forbes Advogados, para
funcionários que têm controle de jornada, as
empresas podem adotar controles de ponto
alternativos, como login e logout no sistema
(se aplicável) e controle manual feito pelos
empregados (anotação em papeletas). É impor-
tante evitar eventual trabalho extraordinário,
mas o funcionário, embora esteja trabalhando
de casa, deve estar à disposição da empresa
durante o período da sua jornada de trabalho.
Como se trata de questão de saúde pública, o

controle de ponto feito de formas alternativas
deve ser aceito pela Justiça do Trabalho, tendo
em vista as recomendações da OMS e do Mi-
nistério da Saúde. Vale destacar que alguns tri-
bunais trabalhistas e, em especial, o Tribunal
Superior do Trabalho (TST) autorizaram ho-
me office para servidores que estão no grupo
de risco.





Como as empresas que não co-
bram o ponto remoto podem se
proteger judicialmente?
É importante que a empresa não trate os em-
pregados que estiverem trabalhando de casa
como se estivessem à disposição em qualquer
horário, exigindo disponibilidade em tempo
integral. O horário de trabalho deve ser obser-
vado da mesma forma, como se estivessem na
empresa.

IMPACTO PSICOLÓGICO


Daniel Martins de Barros

S


e o leitor é como eu, deve estar se
sentindo um pouco perdido. Bem,
não estamos sozinhos. Os cientistas
e as autoridades também estão. Trata-se
de uma doença nova, afinal de contas, que
vamos conhecendo à medida em que ela
se espalha pelo mundo. E ela faz isso nu-
ma velocidade sem precedentes, nos pon-
do o tempo todo a correr atrás de informa-
ções para tentar tomar a dianteira nessa
disputa contra o coronavírus.
Bem, temos boas e más notícias. E esse é
um dos maiores desafios na transmissão
de informações relacionadas a essa crise
atual, pois parece que as mensagens que
estamos recebendo são contraditórias.
Não precisa de pânico, repetem para nós.

Mas cada vez mais cidades, regiões e até
mesmo países inteiros entram em quaren-
tena. Não se desesperem. Mas se cuidem.
Não estoquem comida. Mas parem de dar
a mão para se cumprimentar.
Nosso cérebro, pouco dado a nuances,
entra em parafuso: “Como assim tenho de
manter distância das pessoas se está tudo
bem?”. Ou bem podemos ficar tranquilos e
seguir a vida normalmente ou bem existe
uma ameaça e precisamos nos preparar.
Nossa tendência ao raciocínio binário difi-
culta a compreensão de que as duas coisas
podem coexistir: é possível que algo não
nos ameace, mas que mesmo assim precise-
mos mudar hábitos para ficarmos seguros.
Pense no cinto de segurança. Hoje em
dia, parece inacreditável que uma geração
atrás nós dirigíamos sem cinto. Dizíamos
que eram incômodos, que atrapalhavam,
havia quem os achasse perigosos. Embora
do ponto de vista social o custo dos aciden-
tes sem cinto fosse alto – porque todo dia
eles aconteciam –, individualmente a chan-
ce de que isso acontecesse era pequena. É

tanta gente trafegando que a probabilida-
de de o próximo acidente ser o seu é míni-
ma, embora seja certo que acidentes acon-
tecerão. Então, seguíamos em frente sem
mudar nada.
Como transformamos essa cultura em
tão pouco tempo? Não foi com campanhas
de conscientização (pelo menos não ape-
nas com elas). Foi introduzindo nos moto-
ristas o medo. Não de morrer, no caso,
mas o medo de tomar uma multa. Aparen-
temente, sem a percepção de algum tipo
de risco é difícil convencer as pessoas a
mudar comportamentos.
Esse é o paradoxo em que nos encontra-
mos. A covid-19, doença causada pelo novo
vírus (o Sars-Cov-2), realmente não é mui-
to letal. Os infectados têm chances muito
maiores de sobreviver do que de morrer. E
essa mensagem vem sendo repetida para
evitar o pânico. Mas existe um número con-
siderável de pacientes, algo em torno de
5%, com quadros tão graves que necessita-
rão de ventilação mecânica em UTI duran-
te vários dias. Aí entra o risco para a coleti-

vidade. Como o vírus se espalha muito rápi-
do, mesmo que só um em cada mil brasilei-
ros fosse infectado, teríamos 200 mil doen-
tes. Se todos eles precisassem de UTI ao
mesmo tempo, isso nos levaria ao caos que
enfrenta hoje a Itália, onde médicos têm
de escolher quem vai viver e quem vai mor-
rer. Sim, pois temos menos de 50 mil des-
ses leitos no Brasil para acomodar os doen-
tes que necessitariam deles. Somente mu-
danças de comportamento podem evitar
esse pico de casos muito rápido que levaria
o sistema de saúde ao colapso.
E daí vem a mensagem ambígua. De fato,
não precisa de pânico – seu risco de mor-
rer é pequeno. Mas estamos, sim, em risco
e precisamos nos esforçar coletivamente.
Se não mudarmos nosso comportamento –
lavando as mãos de verdade, e sempre, dei-
xando de cumprimentar com beijinhos ou
mesmo apertos de mão, deixando de ir a
lugares que gostaríamos, ou seja, fazendo
coisas que custam esforço –, o cenário será
dramático.
Que tal começar já?

ESPECIAL CORONAVÍRUS


BEN MCKEOWN/AP–12/3/2020
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