O Estado de São Paulo (2020-03-15)

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H12 Especial DOMINGO, 15 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


O vírus


que coroa


o medo


ESPECIAL O ESTADO DE S. PAULO


Sem proteção. Pessoas usam lenços para tentar se proteger do lado de fora de uma farmácia em Caracas.
Sistemas de saúde precários como o da Venezuela preocupam autoridades de saúde mundial

pânico se perde o racional e os fundamentos
também ficam incertos. Teoricamente, o setor
farmacêutico poderia se valorizar, mas em pe-
ríodos assim não é seguro fazer esse tipo de
avaliação. Para além disso, dentre as empresas
do Ibovespa, não temos muitas opções nessa
área”, diz o analista-chefe da Necton, Glauco
Legat. “Nenhuma empresa ganha em momen-
tos assim. Todas, em algum momento, impor-
tam ou exportam em dólares – ou utilizam a
moeda. De fato, apenas empresas ligadas à
área da saúde ou a pesquisa têm alguma chan-
ce – e acrescento principalmente aquelas que
estiverem trabalhando em uma solução”, diz
Fábio Gallo, professor de finanças e colunista
do Estadão.






Quais setores da economia devem
sofrer mais com o pânico do corona-
vírus?
Passamos por um momento em que riscos não
calculados têm surgido em diferentes dimen-
sões. Nesta crise global, em alguma medida,
todos os setores são impactados negativamen-
te. Naturalmente, empresas que estão mais ex-
postas ao cenário internacional terão impacto
maior sobre suas atividades como, por exem-
plo, empresas ligadas a viagens e turismo, afir-
ma Lucas Tambellini, estrategista do Itaú BBA.






As gigantes de tecnologia podem
ajudar no combate ao vírus? Quais
soluções tecnológicas estão sendo
adotadas contra a crise?
Bastante afetadas pelo impacto do coronavírus
no mercado, com perdas que passam da casa
de US$ 400 bilhões em valor de mercado, as
gigantes de tecnologia estão se esforçando pa-
ra combater o vírus. Os esforços se dividem
em três pilares: combate à desinformação; fer-
ramentas de trabalho a distância e uso de tec-
nologia para sequenciar o genoma do vírus e
descobrir formas de cura ou prevenção. Face-
book e Twitter têm liderado as campanhas de
combate à desinformação, tendo feito parce-
rias para checagem de dados junto à Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) e às agências na-
cionais de saúde.






O preço dos smartphones vai aumen-
tar? Podem faltar smartphones e
acessórios nas lojas?
Fábricas brasileiras de celulares estão sofrendo
com falta de componentes, já que parte consi-
derável das peças vem da China – algumas che-
garam inclusive a reduzir o ritmo de produção
em fevereiro. Porém, a indústria não prevê au-
mento de preço de smartphones por causa do
coronavírus. Segundo Humberto Barbato, pre-
sidente da Associação Brasileira da Indústria
Elétrica e Eletrônica (Abinee), é difícil para
uma fabricante do setor fazer alteração de pre-
ço de celulares. “É um mercado muito concor-
rido. Mesmo com instabilidade no câmbio, fa-
bricantes costumam segurar os preços pensan-
do nos concorrentes”, afirma. Barbato ressalta
ainda que a melhora do cenário na China dá
indícios de que os estoques das fábricas brasi-
leiras serão suficientes. “Conversando com as
empresas, percebemos que há uma média de
estoque de 47 dias nas fábricas. Além disso, há
o estoque de smartphones nas mãos do pró-
prio varejo.” Pela mesma razão não devem fal-
tar aparelhos eletrônicos nas prateleiras das
lojas, diz o presidente da Abinee. Há especialis-
tas do setor, entretanto, que consideram a hi-
pótese de aumento de preços de smartphones.
Renato Meirelles, analista da consultoria IDC,
afirma que os consumidores devem começar a
sentir aumento de preços de smartphones a
partir do segundo semestre de 2020.


IMPACTO SOCIAL


Leandro Karnal

E


u estava com um grupo de brasilei-
ros no interior do Camboja. Em
uma placa de beira de estrada havia
um aviso sobre dengue. Instalou-se o pâni-
co. Uns diziam que deveríamos voltar ao
Brasil. Surgiu a sugestão de mergulhos
em repelentes. Peguei na internet os da-
dos daquele momento sobre mortes por
dengue no país que visitávamos e aqui no

Brasil. Havia muito mais risco no nosso
ponto de partida: São Paulo. O que provo-
cava o medo?
A ansiedade diante de epidemias é his-
tórica. Nos pesadelos, a galopar, um dos
quatro cavaleiros do Apocalipse é a peste.
O francês Jean Delumeau estudou a histó-
ria do medo no Ocidente que inclui, há sé-
culos, o horror a doenças. Cólera, varíola,
gripe espanhola, HIV. Pragas despertam
velhos ódios e dão falsas bases para xeno-
fobias. Também existe a xenofobia geo-
gráfica: muitas doenças têm raízes no
Oriente e, assim, atualiza-se o “perigo ama-
relo” de tempos em tempos. O mal é sem-
pre externo.
Ao que tudo indica até agora, a temida
epidemia de coronavírus é menos mortal
do que muitas doenças com as quais con-
vivemos sem pânico. O medo é irracional

como o horror a baratas: não nasce de ba-
se estatística. Todo ser que tem fobia a
baratas (catsaridafobia) sabe que não há
óbitos diretos derivados do enfrentamen-
to entre um ser humano e uma barata.
Nosso cérebro não é racional em todas as
suas camadas.
O vírus da dengue é conhecido, como
são os do sarampo e da caxumba. São ví-
rus com nome e sintomas tradicionais.
Porém, a famigerada covid-19 é doença
do ano passado, nova pois, e vem de uma
província da China. Até sua origem é
exótica: teria sido transmitido pelo pan-
golim? Funcionará o meu chá de alho, o
mel com agrião ou o tablete efervescente
de vitamina C? Ninguém sabe de qual fa-
mília é aquele coronavírus, enquanto que
a caxumba cresceu conosco, é conhecida
no bairro e meus avós já tinham relações

sociais com ela.
Não sei se o vírus vencerá a espécie hu-
mana, sempre o frágil “caniço pensante”
de Pascal, dobrado por seres invisíveis a
olho nu. Arrisco um palpite: se você não
morreu de Sars (causada por um outro co-
ronavírus), de ebola, de gripe suína ou
com o calendário maia em 2012, há uma
chance de sobreviver a mais uma onda de
fim de mundo.
O medo exagerado de qualquer coisa
existe para vender soluções para você. Pes-
soas apavoradas gastam muito. Medo é
uma das coisas mais lucrativas já inventa-
das pelo ser humano. Insegurança esvazia
carteiras e ajuda a inclinar cabeças. Aceita-
mos tudo se estivermos apavorados.
Todo caniço, um dia, deixará de existir.
Existe certa dignidade em procurar não
tremer demais até lá.

ESPECIAL CORONAVÍRUS


Diretor de jornalismo: João Caminoto; Editor executivo de jornalismo e audiência: David Friedlander; Editor executivo multimídia: Fabio Sales; Designer: Anderson Nakamura; Edição de texto: Ana
Carolina Sacoman e Carla Miranda; Edição de fotos: Serjão Carvalho; Reportagem: Anna Barbosa; Bruna Toni; Bruno Capelas; Bruno Romani; Cleide Silva; Douglas Gavras; Fabiana Cambricolli; Fernanda
Simas; Gilberto Amêndola; Giovanna Wolf; Guilherme Bianchini (especial para o Estado); Luciana Dyniewicz; Mateus Vargas, Mônica Scaramuzzo; Paula Félix; Rafael Moraes Moura; Renée Pereira; Robson
Morelli; Ubiratan Brasil

CARLOS JASSO/REUTERS

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