O Estado de São Paulo (2020-03-16)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2020 Metrópole A


Bruno Ribeiro
Fernanda Boldrin
Paulo Beraldo


Apesar de o número de casos
do coronavírus ainda ser pe-
queno no Brasil se compara-
do com outros países, o avan-
ço da doença e as recomenda-
ções para tentar evitar o seu
alastramento já começaram
a modificar a rotina da popu-
lação. Em São Paulo, empre-
sas adotaram home office e
alunos tiveram aula suspen-
sa. No fim de semana, cine-
mas da região da Paulista tive-
ram movimento mais baixo, e
a Igreja Nossa Senhora do
Brasil fez missa a céu aberto.

“Aproveitei para acordar um
pouco mais tarde, mas fico aten-
to à minha agenda. Trabalhar
em casa dá algumas liberdades:
fico com meu gato, ouço música
alta”, contou o estagiário de inte-
ligência de mercado Pedro Ro-
cha, de 22 anos, que cita como
vantagem do home office a liber-
dade para fumar. Ele trabalha
em um centro de inovação na Vi-
la Olímpia, na zona sul, que fica-
rá fechado até 14 de abril. Uma
pessoa que trabalha ali teve re-
sultado positivo para a doença.
Outra vantagem é a fuga do
transporte público. “Os ônibus
são muito cheios, a região (do tra-
balho)
é lotada, então a contami-
nação tende a ser maior. Acho


que a decisão (de trabalhar em ca-
sa) é correta”, disse Nicolas Tá-
vora, de 22 anos, que trabalha
com logística e importação em
uma empresa farmacêutica na
região da Avenida Engenheiro
Luís Carlos Berrini, na zona sul.
Na semana passada, uma série
de universidades anunciou a sus-
pensão das aulas, ainda sem cla-
reza de como repor. “Para mim
acabou sendo conveniente, por-
que estou fazendo pré-produ-
ção do meu disco e vou ter tem-
po. Me sinto seguro com a atitu-
de da faculdade, mas me preocu-
pa com o avanço do calendário
(letivo) para julho, porque tenho
intercâmbio”, afirmou Caio
Lang, de 21 anos, aluno de Enge-
nharia de Controle e Automa-
ção da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
Na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-
SP), a aula não foi suspensa, ape-
sar de dois casos confirmados, e
os alunos tentam manter a roti-
na. “Aqui na faculdade está todo
mundo preocupado, passando

álcool em gel. Penso quando o
vírus chegar à população mais
pobre, que vai ficar sem atendi-
mento”, disse a aluna de Psicolo-
gia Maria Pini, de 21 anos.
Já para a estudante Olívia La-
ban, de 21 anos, que fazia inter-
câmbio na Universidade Bocco-
ni, em Milão, na Itália, a pande-
mia a fez passar a assistir aulas
pela internet. Suas aulas presen-
ciais foram canceladas e ela de-
cidiu voltar ao Brasil quando
achou que a situação estava
saindo do controle.

Restrições. Na sexta, a Prefei-
tura e o governo do Estado de
São Paulo anunciaram que sus-
penderão, dia 23, as aulas. No fim
de semana, escolas particulares
avisaram os pais, por e-mail e
WhatsApp, a decisão – algumas
já a partir de amanhã, outras no
dia 23. Desde então, pais tentam
encontrar formas de organizar a
nova rotina.
Ontem à noite, o governo pau-
lista ampliou a lista de restri-
ções vigentes e decidiu pelo fe-
chamento de museus, bibliote-
cas, teatros e centros culturais
do Estado pelos próximos 30
dias. A recomendação é para que
estabelecimentos da área de en-
tretenimento do setor provado
façam o mesmo. Já os 153 cen-
tros de convivência de idosos es-
palhados pelo Estado também fi-
carão de portas fechadas, mas

por um prazo de 60 dias. Servido-
res públicos com mais de 60
anos deverão trabalhar em casa.

Trânsito. Com menos gente na
rua, os congestionamentos na ci-
dade chegaram a cair. Na sexta,
às 18h30, o índice de lentidão foi
de 96 km, abaixo da média de 115
para o horário. Essa mudança,
vista como positiva para parte
da cidade, traz apreensão para
quem depende de gente na rua:

os comerciantes. “Dos seis agen-
damentos que tinha para hoje
(sexta-feira) , três clientes des-
marcaram. Os escritórios onde
elas trabalham mandaram o pes-
soal ficar em casa”, contou, em
um salão de manicures de uma
galeria nos Jardins, o funcioná-
rio Ricardo Ribeiro, de 33 anos.
Nas regiões comerciais do
centro histórico e das Avenidas
Paulista e Brigadeiro Faria Li-
ma, as máscaras ainda são raras.

É diferente do que ocorre em
bairros com maior presença de
imigrantes, como o Brás e a Rua
25 de Março. Mas há quem já
tenha cedido à preocupação.
“Eu e meu marido estamos
usando máscara no trem, e tem
mais gente fazendo isso”, con-
tou a vendedora Daniely Souza,
de 20 anos, que trabalha em
uma loja de acessórios para celu-
lar na Rua São Bento
Em meio às incertezas, teve
quem preferisse seguir a rotina.
Na Igreja de São Bento, no cen-
tro, o construtor Gilberto Salvi-
no, de 43 anos, vindo da Bahia
para uma feira, fez turismo de
máscara e com as mãos no bol-
so. “Quis aproveitar, mas estou
tentando me cuidar.”
O surto também já afeta o se-
tor de cultura e entretenimento.
Nos espaços Cine Belas Artes e
Itaú Cinemas na região da Aveni-
da Paulista, funcionários e fre-
quentadores relataram movi-
mento abaixo do normal. Os ad-
ministradores André Takeke, de
29 anos, e Arthur Marinho, de 28
anos, contam que amigos não
quiseram acompanhá-los on-
tem. De um deles, a despedida,
“meio piada”, foi com um cum-
primento de cotovelo. “Dois su-
geriram que a gente não viesse. A
gente ficou na dúvida, até se esta-
ria fechado, mas acabou desen-
canando”, conta Takeke. /
COLABOROU PRISCILA MENGUE

lNa última semana de um verão
atípico, marcado por temperatu-
ras amenas para a época, os ca-
riocas pareceram ignorar a ne-
cessidade de evitar ambientes
muito cheios. Ontem, enquanto
um quarteirão da orla de Copaca-
bana era ocupado por manifes-
tantes pró-Jair Bolsonaro, outros
moradores e turistas curtiam a
praia tranquilamente.
As areias da Princesinha do
Mar estavam um pouco mais va-
zias que o padrão para um domin-
go ensolarado, mas registraram,
mesmo assim, uma quantidade
superlativa de banhistas. O casal

Cláudia e Marco D’elia, por exem-
plo, passou na manifestação e
aproveitou o sol para relaxar na
praia, cujo mar estava com água
cristalina e formava piscinões em
alguns pontos da areia. “Tem ou-
tros vírus piores rolando por aí”,
minimizou o analista de sistemas.
Entre os vendedores da orla,
parecia unânime a percepção de
queda das vendas. Wilson Mo-
rais, de 30 anos, andava pelas
areias com as famosas bandejas
de caipirinha, para turistas, mas
não conseguiu vender metade do
que previa. “Normalmente, num
domingo assim, vendo umas 60
caipirinhas. Hoje, acho que não
vendo mais de 30”, disse.
Na sexta-feira, o governador
Wilson Witzel chegou a dizer que
poderia usar a PM para evitar
aglomerações. / CAIO SARTORI

No Rio, praias


ficam cheias, apesar


de recomendação


l Rotina
“Sempre vou ao cinema
com amigas e hoje (ontem)
tem menos gente do que
nos outros domingos.”
Helena Cunha, de 73 anos
APOSENTADA

FOTOS: FELIPE RAU/ESTADÃO

Ricardo. Menos clientes
enquanto as pessoas
estiverem em casa

Olívia. Intercâmbio na
Itália interrompido pelo
surto da doença

Pedro. Adaptação para
trabalhar em home office
pelo menos até abril

Maria. Preocupação quando
o vírus se espalhar pela
população de menor renda

Ana Verônica. Dificuldade
para comprar álcool em gel
para seu salão de beleza

NA IGREJA, MISSA


A CÉU ABERTO E


ÁLCOOL EM GEL


Na Nossa Senhora do Brasil, nos Jardins,


padre citou coronavírus durante a homilia


Priscila Mengue

U


ma família se aproxi-
mava da Igreja Nossa
Senhora do Brasil
quando foi abordada por um
funcionário da paróquia, que
perguntou: “Álcool gel?”. O
grupo estendeu as mãos e fez
a mesma higienização pa-
drão que outras dezenas de
católicos repetiram ontem
durante as celebrações no es-
paço, localizado nos Jardins.
Com a pandemia do coro-
navírus, igrejas já mudaram a
rotina. Na Nossa Senhora, as
missas passaram a ser cele-
bradas ontem ao ar livre,
com cadeiras distribuídas
em uma área livre frontal e
no acesso para carros.
Funcionários da paróquia,
coroinhas e auxiliares do pa-
dre utilizavam luvas descar-
táveis para manipular obje-
tos litúrgicos e o álcool gel,
frequentemente oferecido
aos presentes. “Hoje é dia de
álcool gel”, respondeu um
fiel ao aceitar a oferta do
item. O “abraço da paz” foi

temporariamente suspenso.
O folheto da missa, com os
cânticos e outros ritos da cele-
bração, também deixou de ser
distribuído. “O pessoal deixa (o
folheto) de uma missa para a ou-
tra”, explica o pároco local, pa-
dre Michelino Roberto.
A igreja segue as orientações
anunciadas pela Arquidiocese
de São Paulo na sexta-feira, co-
mo manter os ambientes areja-
dos. Outra indicação é fazer até
maior número de missas para
evitar aglomerações.
O pároco defende a realiza-
ção de eventos religiosos por en-
quanto. “São nessas situações
que as pessoas mais precisam
de Deus, em que ele pode pro-
ver um conforto espiritual”, jus-
tifica. “Ao ar livre, as pessoas
mantêm certa distância uma
das outras, em vez de ficar den-
tro da igreja superlotada. Va-
mos fazer assim enquanto du-
rar o período de risco de contá-
gio.” Ele diz que os fiéis idosos e
de grupos de risco também es-
tão sendo orientados a assistir
às missas pela televisão e inter-
net e, se quiserem, receber a visi-

ta de um sacerdote em casa du-
rante a semana.

Hóstia. Antes de distribuir a
hóstia, o padre lembrou de
orientação da arquidiocese de
entregá-la preferencialmente

na mão do fiel e ressaltou que
“pequenas partículas” podem
transmitir o vírus. Explicou que
aqueles que desejassem receber
a hóstia na boca deveriam co-
mungar diretamente com ele –
e não com os dois ministros.

Mesmo com a orientação, a
maior fila foi a dos que preferi-
ram comungar com o padre.
Um a um, os fiéis se ajoelhavam
diante do pároco e abriam bem
a boca para receber a comu-
nhão. O religioso pegava, então,
a hóstia dentro do cálice, coloca-
va na boca da pessoa e repetia o
gesto sucessivamente até aten-
der a todos que aguardavam.
As missas das 11h15 e 12h30 ti-
veram cinco pessoas com másca-
ras, quatro de uma mesma famí-
lia. “A gente estava na Suíça, fez
conexão em Paris. Tivemos con-
tato com muitos italianos”, diz o
empresário Tom Paneguine, de
48 anos, que voltou da Europa há
seis dias com a mulher, Ana Pa-
neguine, de 52. O casal, o filho,
Gabriel, de 25 anos, e o sobrinho
Antônio, de 23, usavam másca-

ras. “Estamos sem sintomas,
usando como prevenção para
as pessoas”, explica Ana.
Ao fundo, o som da missa
se misturava com o barulho
dos veículos que passavam pe-
la Avenida Brasil e a Rua Co-
lômbia. Alguns ciclistas, mo-
tociclistas e pessoas que se
exercitavam paravam para ob-
servar a cena e tirar fotos. Na
homilia, o padre Michelino
Roberto citou o surto de coro-
navírus. “A igreja, desde o iní-
cio, sempre combateu as pes-
tes com oração. São nessas si-
tuações que mais precisamos
da eucaristia.”
O padre encerrou a missa
com menção a uma oração
proferida no dia anterior pe-
lo papa Francisco, em que pe-
diu que “Nossa Senhora in-
terceda pelos doentes”. “Pe-
dindo, na intercessão da Nos-
sa Senhora, que nos livre des-
sa provação presente, do co-
ronavírus”, disse.

Chapéus. As dezenas de
fiéis se protegeram do sol
com chapéus, bonés, óculos
escuros, lenços e guarda-chu-
vas. A tesoureira Karina Tei-
xeira, de 33 anos, foi à missa
com o marido, o gerente de
projetos Eric Teixeira, de 31
anos. Eles utilizaram um
guarda-chuva e passaram
protetor solar. “A gente trou-
xe álcool em gel e passamos
de novo para comungar”, diz
Karina. “Estamos no meio de
um caos público, mas não
vou abrir mão de comungar.
Tem sol, não é tão confortá-
vel (ao ar livre) , mas é uma
hora só e vamos continuar.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Daniely. Máscara na loja
onde trabalha e no trem
para voltar para casa

Ibuprofeno deve ser evitado, diz sociedade médica. Pág. A12}


Coronavírus impõe mudança de rotina


Funcionários fazem home office, estudantes ficam em casa sem aula, comerciantes se preocupam com prejuízo e cinema fica mais vazio


TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Dia de sol.
Pároco
defende a
manutenção
dos eventos
para dar
‘conforto
espiritual’

Benção dominical

Auxílio. Família foi de máscara para proteger os outros
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