O Estado de São Paulo (2020-03-16)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto SEGUNDA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Quando chegar o fim do mun-
do alguns não estarão num
bunker para se salvar. Eles cor-
rerão para a floresta dispostos
a matar um veado, queimar a
pele de um animal e dormir
num abrigo construído à mão,
ao lado de uma fogueira que
farão com a força das palmas
da mão e alguns gravetos.


Quatro horas distante do ae-
roporto de Seattle, no Estado
de Washington, Lynx Vilden
ensina algumas pessoas, que
se sentiam inúteis na cidade
que abriga as gigantes da tec-
nologia, a viver na selva, do
mesmo modo que os homens
da Idade da Pedra faziam.
http://www.estadao.com.br/e/selva

O


Brasil está entrando
em estado de tempes-
tade perfeita, numa
confluência de fatores que
tende a agravar uma situação
que já se apresentava ruim. A
economia não está decolan-
do, o Banco Central e gran-
des bancos refazem suas pre-
visões para este ano abaixo
do que estava sendo estima-
do – isso antes da pandemia
do coronavírus. O bolsonaris-
mo continua impregnando as
redes sociais com ataques
aos adversários e, mais con-
cretamente, às instituições,
como a Câmara dos Deputa-
dos, o Senado e o Supremo
Tribunal Federal, tidos por
inimigos.
A pandemia do coronavírus
expõe uma desorientação do
governo, com presidente e mi-
nistros se contradizendo en-
tre si, cada um procurando si-
nalizar para uma orientação
específica. No início foi a mi-
nimização do episódio, como
se fosse uma mera “maroli-
nha”. Todos se tornaram dis-
cípulos do ex-presidente Lu-
la, com as consequências de-
sastrosas já conhecidas desde
aquele então. Depois o minis-
tro da Saúde apontando para
direções sensatas e preventi-
vas sem que fique, porém, cla-
ro como o governo pretende
enfrentar uma situação de cri-
se, por falta de orçamento e
outras medidas emergenciais.
A imagem transmitida é de im-
provisação. Só palavras de
apaziguamento não bastam.
Não é um problema de psico-
logia pública, mas de saúde
física da população, sobretu-
do doentes crônicos e idosos.
Capítulo à parte é o proble-
ma das reformas, que ressur-
ge agora como um “remédio”
para o coronavírus, sem que
se saiba ao certo a relação di-
reta entre eles, salvo no fator
fiscal. A questão central é que
o governo ou não sabe ou não
quer negociar as reformas
com o Legislativo, contentan-
do-se em enviar projetos,
sem diálogo, ou em falar de-
les sem os enviar, caso das re-
formas tributária e adminis-
trativa. O governo está trans-

ferindo sua responsabilidade,
procurando suscitar a adesão
da opinião pública, numa es-
pécie de criminalização da
classe política, como se todos
fossem corruptos.
Não adianta apresentar um
conjunto de reformas já en-
viado e não apreciado sem a
negociação correspondente.
Executivo e Legislativo são
ambos expressões da sobera-
nia popular, eleitos, e devem
dialogar entre si sobre o que
é melhor para o Brasil, goste-
se ou não dessas articula-
ções. Sem elas estaremos fo-
ra da democracia. Ninguém
detém o monopólio do bem e
da verdade. Não é porque um
projeto foi enviado que ele
deve ser aprovado. O Legisla-
tivo não é um carimbador do
Executivo.
Tampouco é de valia não es-
tabelecer nenhuma priorida-

de entre os projetos envia-
dos. Não são a mesma coisa
um projeto que trate da car-
teirinha digital de estudantes
ou que diminua os pontos da
carteira de motorista e uma
PEC, a dita Emergencial, que
versa sobre o controle dos
gastos públicos, com gatilhos
que garantam, pela redução
de salários e jornadas de tra-
balho, o teto dos gastos. Co-
mo muito bem assinalou o
ex-ministro Delfim Netto, a
aprovação desta última deve-
ria ser a prioridade maior do
governo, sendo um comple-
mento da Lei do Teto, assegu-
rando-a. Revogar essa lei se-
ria a volta ao populismo de
curto prazo e o estouro das fi-
nanças públicas.
Quanto às reformas tributá-
ria e administrativa, estamos
num mero jogo de palavras.
Nem uma nem outra foi se-
quer enviada à Câmara dos
Deputados ou ao Senado. Dis-
cute-se, do ponto de vista do
governo, o inexistente. A dita
reforma administrativa é

uma ilustre desconhecida. Do
que se está falando precisa-
mente? A reforma tributária,
para além da tentativa fracas-
sada de reintrodução da
CPMF, tampouco foi apresen-
tada pelo governo. O Senado
e a Câmara, individualmente,
têm projetos próprios, dife-
rentes um do outro, e agora
se tenta harmonizá-los, sem
que o governo, por sua vez, te-
nha feito proposta alguma.
A política presidencial do
confronto tem tido o governo
como sua própria vítima, pre-
judicando o Brasil. O caso do
Benefício de Prestação Conti-
nuada, ao aumentar os benefí-
cios dos idosos e deficientes,
produzindo um rombo de R$
20 bilhões, mostra o ponto a
que chegamos. Primeiro, não
deixa de ser risível que os ve-
lhinhos e deficientes sejam os
responsáveis pelo mais novo
rombo fiscal! Poderiam ter es-
colhido melhor outro respon-
sável. Segundo, o Congresso
procurou revidar os ataques
que tem sofrido dos grupos
bolsonaristas aprovando uma
lei sem previsão orçamentá-
ria. Valeu o confronto entre
os dois Poderes, tendo como
pano de fundo uma questão
de justiça social. Se o governo
não confrontasse tanto o am-
biente político, seria mais
fácil equacionar os problemas
graves do presente.
Por último, foi uma mostra
de sensatez do presidente Bol-
sonaro ter desestimulado, na
verdade, cancelado, as mani-
festações do dia 15. O motivo
apresentando foi de saúde pú-
blica, relativo ao perigo de
contaminação pelo coronaví-
rus, embora a razão possa
também ter sido outra, a do
fracasso provável dessas mani-
festações, que atingiria o pró-
prio prestígio dos bolsonaris-
tas. Em todo caso, o ambiente
deveria ser de apaziguamen-
to, e não de enfrentamento,
para que esta tempestade per-
feita não se consume.

]
PROFESSOR DE FILOSOFIA
NA UFGRS. E-MAIL:
[email protected]

Jogadores da NBA se mobili-
zam para pagar trabalhado-
res mesmo com liga parada.

http://www.estadao.com.br/e/nba

ESTADOS UNIDOS


Curso ensina como sobreviver na selva


Confinados por causa da
pandemia do coronavírus,
italianos encontraram uma
maneira para amenizar o
clima de apreensão.

http://www.estadao.com.br/e/italianos

l“Se essas pessoas soubessem o que estamos passando na Itália.
Quanta irresponsabilidade.”
GABRIEL HEINEMANN

l“E no metrô? Diariamente, milhares ficam lado a lado. Agora querem
falar que a manifestação vai propagar o vírus? Tenham bom senso.”
LUCIA MARIA LAMI

l“Isso é um absurdo. Como um cidadão vai entender a importância
da quarentena se o presidente não a respeita. Inconsequente.”
RICARDO CARVALHO

l“Neste momento, mesmo que a pauta tenha fundamento, é muita
irresponsabilidade.”
VITOR MORAES

COMENTÁRIOS

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Duas apresentações que es-
tavam agendadas no DK
Koncerthuset, com lotação
esgotada, foram canceladas
por causa do coronavírus.

http://www.estadao.com.br/e/gil

Espaço Aberto


E


stá aberto o caminho
para que o Brasil passe
a integrar a Organiza-
ção para Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OC-
DE), mais conhecida como o
“clube dos países ricos”. Fa-
zem parte dela os 36 países
mais avançados do mundo,
onde se concentram mais de
40% da riqueza mundial.
Na prática, o Brasil, a oitava
economia mundial, não é
mais considerado um “país
em desenvolvimento”, como
é o caso de muitos países da
África. E o ingresso na OCDE
vai nos levar a alinhar certos
procedimentos na economia
e administração do País com
os demais países do grupo.
Umas das áreas em que isso
vai ter de ser feito é a do de-
senvolvimento científico e
tecnológico, que é um compo-
nente essencial da moderniza-
ção. É útil, portanto, começar
a entender desde já as políti-
cas públicas e os instrumen-
tos que os países da OCDE
utilizam e compará-los com
os que estão sendo adotados
hoje no Brasil.
Um documento útil para es-
se fim é o intitulado Colabora-
ção Universidade-Indústria
, pu-
blicado em 2019 pela OCDE,
que analisa as políticas públi-
cas dos países-membros da or-
ganização para apoiar a trans-
ferência de conhecimentos
das universidades para a in-
dústria. Esse não é um proble-
ma novo no mundo, nem no
Brasil, e nos força a tentar en-
tender o papel das universida-
des em geral na sociedade.
Até a criação da Universida-
de de Bolonha, por alunos e
mestres independentes, há
mais de 800 anos, todo o ensi-
no e os estudos eram feitos
apenas em estabelecimentos
religiosos. Após a sua criação,
seguida pela fundação de mui-
tas outras, as universidades
tornaram-se centros de pen-
samento intelectual e nelas
se desenvolveram as grandes
ideias filosóficas e científicas
que abriram novos horizon-
tes, para além dos permitidos
pela Igreja Católica na época.
Sucede que as áreas mais


técnicas, como a engenharia,
se mantiveram fora das uni-
versidades, o que não signifi-
ca que não se tenham desen-
volvido nas próprias indús-
trias. Elas só foram incorpora-
das às universidades muito
mais tarde, em alguns países,
como na Inglaterra, isso só
foi feito no século 20.
Essa é uma das razões por
que muitas universidades ad-
quiriram a reputação de ser
elitistas e acadêmicas, verda-
deiras “torres de marfim” des-
ligadas da realidade.
Os países da OCDE, contu-
do, já superaram o preconcei-
to de que as “grandes ideias”
e inovações somente se origi-
nam nas universidades e que
“técnicos”, fora delas, as
põem em prática, ou seja, que
existe uma hierarquia entre
“acadêmicos, superiores”, e
“técnicos, inferiores”.

Ambos trabalham em para-
lelo e se realimentam. Na in-
dústria dos Estados Unidos,
pesquisas acadêmicas contri-
buem de maneira decisiva e
rápida para a produção de me-
nos de 10% dos produtos fa-
bricados por ela. É por essas
razões que não são as universi-
dades as grandes geradoras
de patentes, mas os egressos
delas que criaram empresas
ou trabalham em empresas já
existentes. Em muitos casos
os próprios professores das
universidades são sócios de
empresas.
Um dos melhores exem-
plos é dado pela Universidade
Stanford, que com seu exce-
lente sistema de ensino e pes-
quisa acadêmica de alto nível
deu origem ao Vale do Silício,
que se formou em torno dela
e onde seus ex-alunos se esta-
beleceram, criando inúmeras
empresas.
O relatório da OCDE lista
21 políticas adotadas nos seus
países-membros para estimu-
lar esse tipo da interação cria-

tiva de transferir conhecimen-
tos das universidades para o
setor industrial: 11 delas são
instrumentos financeiros, co-
mo subsídios, bolsas de estu-
dos, compras públicas, manu-
tenção conjunta de laborató-
rios de pesquisa e outros. Cin-
co são instrumentos regulató-
rios, sobretudo na área de pa-
tentes. E outros cinco são estí-
mulos à cooperação, progra-
mas de treinamento e formu-
lação conjunta de estratégias
de desenvolvimento.
A grande maioria dessas po-
líticas já existe no Brasil, pela
ação dos diversos órgãos do
governo, como Capes, CNPq,
Finep, e das fundações de am-
paro a pesquisas estaduais,
das quais o melhor exemplo é
a Fapesp, em São Paulo. So-
mam-se a elas os fundos seto-
riais, que são alimentados
por uma taxa de 1% do produ-
to bruto do faturamento de
empresas de energia e teleco-
municações.
Quando a demanda por tec-
nologia era elevada, como foi
no País durante a construção
de grandes obras de infraestru-
tura, como em petróleo, estra-
das e hidrelétricas, surgiram
empresas de engenharia co-
mo a Promon e a Hidroservi-
ce, entre outras, formadas por
egressos das nossas universi-
dades que utilizaram seus ser-
viços e sua competência.
A visão de que as universida-
des vivem numa “torre de
marfim” no Brasil é incorreta.
Elas estão funcionando satis-
fatoriamente, de modo geral,
para os fins para os quais fo-
ram criadas, que são a forma-
ção de recursos humanos em
todas as áreas (incluídas as de
humanidades), mas a deman-
da por seus serviços e sua
competência é ainda baixa e
só aumentará com uma reto-
mada vigorosa de investimen-
tos em infraestrutura e da eco-
nomia em geral, que depende
de políticas governamentais.

]
PROFESSOR EMÉRITO E EX-REITOR
DA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO (USP), FOI MINISTRO
DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
MARCOS BUENO / DIRETOR FINANCEIRO
MARIANA UEMURA SAMPAIO / DIRETORA JURÍDICA
NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
FALE COM A REDAÇÃO:
3856-
[email protected]
CLASSIFICADOS POR TELEFONE:
3855-
VENDAS DE ASSINATURAS: CAPITAL:
3950-
DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

QUARENTENA
Italianos cantam nas
janelas de suas casas

Gil vai à Dinamarca e
volta sem fazer shows

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

YARA NARDI/ REUTERS PAULO UCHÔA

]
José Goldemberg


Tema do dia


Brinquedo foi feito para a
filha que não se identifica
com outras bonecas

http://www.estadao.com.br/e/boneca

Modernização e


políticas públicas


É útil começar já a
entender o que fazem
os países da OCDE e
comparar com o Brasil

Tempestade


perfeita


Ambiente deveria ser
de apaziguamento, não
de enfrentamento, para
ela não se consumar

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
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SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Pandemia é chamada


de ‘farsa’ por


manifestantes em SP


Quem tem medo do ‘comunavírus’?,
gritaram bolsonaristas em ato na
Avenida Paulista ontem

]
Denis Lerrer Rosenfield

RUTH FREMSON/THE NEW YORK TIMES MÚSICA

No estadao.com.br


BASQUETE

Funcionários de
arenas sem salário?

BRINQUEDO

Pai cria boneca com
cabelos cacheados
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