O Estado de São Paulo (2020-03-16)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2020 Internacional A


MOISÉS


NAÍM


Serviço de Saúde
Biden

Uma das maiores diferenças en-
tre os candidatos é que Biden
não apoia um programa de segu-
ro saúde universal bancado pelo
governo. Pelo contrário, defende
a manutenção do sistema de se-
guro de saúde privado, com sub-
sídio – uma proposta que vai
bem além do Obamacare. Ele
calcula que seu plano implicará
um gasto de US$ 750 bilhões em
dez anos.


Sanders
Um dos princípios fundamentais
da campanha de Sanders é que o
serviço de saúde é um direito hu-
mano universal. Sanders estima
que o seu plano custará US$ 30
trilhões num período de 10 anos,
que serão pagos por novas recei-


tas de cerca de US$ 17,5 trilhões,
com “os atuais gastos de governos
federais, estaduais e municipais”.

Coronavírus
Biden
Segundo o ex-vice-presidente, o
novo coronavírus se tornou rapi-
damente o problema mais urgen-
te do país. Ele divulgou um plano
estabelecendo testes grátis, “a
eliminação de todas as barreiras
de custo para tratamento e cuida-
dos preventivos”, e licença de
emergência paga para os traba-
lhadores.

Sanders
Sanders esboçou seu plano em
discurso na quinta-feira. Segun-
do ele, deveria ser declarado es-
tado de emergência nacional (o
que Trump fez posteriormente),

aprovado um financiamento de
emergência para pagamentos de
licenças por doença, além da ex-
pansão dos centros de saúde co-
munitários, e, por fim, decretar
que todos os medicamentos para
o coronavírus sejam vendidos a
preço de custo.

Dívida estudantil
Biden
Biden pretende criar faculdades
comunitárias com cursos de dois
anos e “outros programas de trei-
namento de alta qualidade”, li-
vres de dívidas, mas não cancela-
rá a dívida hoje existente, como
Sanders propõe. Seu plano, con-
tudo, inclui um perdão do saldo
remanescente no caso de pes-
soas que direcionaram 5% da
sua renda para pagamento de
seus empréstimos por 20 anos.

Sanders
O senador deseja tornar todas
universidades e faculdades públi-
cas gratuitas, cancelar toda a
dívida relativa a empréstimos
estudantis – cerca de US$ 1,
trilhão devido por 45 milhões de
americanos – e limitar os juros
sobre essa dívida a 1,88%.

Mudança climática
Biden
O plano de Biden para combater
a mudança climática, avaliado
em US$ 1,7 trilhão, prevê uma
energia totalmente sem carbono
e emissões zero de carbono em


  1. O plano ainda estabelece
    um fim dos subsídios para com-
    bustíveis fósseis, mas continua-
    ria subsidiando a energia limpa.


Sanders

Sanders propõe um Green New
Deal, com gasto de US$ 16,3 tri-
lhões, onde está previsto que os
setores elétrico e de transporte
estejam livres de carbono em
2030 e o fim dos combustíveis
fósseis até 2050.

Imigração
Biden
O ex-vice-presidente pretende
anular as políticas de imigração
do governo Trump e criar uma
via para imigrantes ilegais adqui-
ram cidadania. Contrariamente a
Sanders, ele não pretende descri-
minalizar travessias.

Sanders
Sanders defende uma moratória
sobre as deportações no aguardo
de uma revisão do sistema de imi-
gração vigente. Além disto, ele

tem respaldado o movimento para
extinguir agências federais como
o Serviço de Imigração e alfânde-
ga e de proteção de fronteira.

Desigualdade de renda
Biden
O ex-vice-presidente quer fortale-
cer os contratos coletivos e res-
ponsabilizar os executivos que
constranjam sindicatos. Ele de-
fende um salário mínimo de US$
15 a hora e impostos maiores pa-
ra empresas e investidores ricos.

Sanders
O senador tem sugerido cobrar
um imposto sobre a riqueza e
um imposto progressivo sobre a
propriedade. Ele pretende tam-
bém desmembrar os grandes
bancos. / NYT, TRADUÇÃO DE
TEREZINHA MARTINO

AS DIFERENÇAS ENTRE OS DOIS DEMOCRATAS


É


interessante analisar os
grandes debates dos nossos
tempos à luz do que está
acontecendo com o coronavírus.
Quão aberto para o restante do
mundo um país terá de ser? Até que
ponto devemos acreditar nos espe-
cialistas? Esta pandemia estimula-
rá o individualismo ou o altruísmo?
Os que defendem a integração
econômica, política e cultural en-
tre os países chocam-se com os par-
tidários do nacionalismo e do prote-
cionismo. “Rechaçamos o globalis-
mo e abraçamos a doutrina do pa-
triotismo”, afirmou o presidente
Donald Trump em seu discurso na
ONU em 2018.
E também recomendou aos líde-
res mundiais que adotassem sua
própria versão do nacionalismo e
protecionismo. Trump deixou clara
ainda a sua antipatia pelo multilate-
ralismo, ou seja, pelas iniciativas ba-
seadas em acordos que incluem um
grande número de países. O multila-

teralismo levou à criação de organis-
mos como as Nações Unidas e o Banco
Mundial, por exemplo.
Também é a ideia que anima os acor-
dos em que os países participantes se
comprometem a empregar esforços
conjuntos para lidar com problemas
que nenhum país pode enfrentar sozi-
nho, independentemente de quão
grande, rico ou poderoso ele seja. A mu-
dança climática, a imigração ou o terro-
rismo são exemplos disso.
O presidente Trump não gosta des-
tes acordos multilaterais. “Os Estados
Unidos sempre escolherão a indepen-
dência e a cooperação em lugar do con-
trole e da dominação da governança
global”, prosseguiu o presidente. Em-
bora Trump seja um dos críticos mais
visíveis da globalização, não é o único.
Inúmeros líderes políticos, assim co-
mo intelectuais de fama mundial, re-
chaçam a globalização.
É neste contexto que faz a sua revolu-
cionária aparição o coronavírus. Se a
globalização se baseia no movimento

internacional de produtos, ideias, pes-
soas e tecnologia, então esse vírus é
um poderoso exemplo da globalização
de fluidos biológicos. E também confir-
ma como é míope pensar na globaliza-
ção somente como um fenômeno co-
mercial, financeiro ou midiático.
Ocorre que alguns fluidos biológi-
cos, por exemplo, viajam mais rapida-
mente, a distâncias maiores, têm efei-
tos mais imediatos e impactos maio-
res do que os demais fluidos que carac-
terizam a globalização. Mas a reação
ao coronavírus também revela quão
tentador seja o isolacionismo. Um nú-
mero cada vez maior de governos está
tratando de fechar as fronteiras e iso-
lar as cidades e as regiões mais afeta-
das, bloqueando o livre trânsito de pes-
soas e as comunicações aéreas.

Estamos vivendo em tempo real o
choque entre o globalismo e o isolacio-
nismo. Mas ao mesmo tempo em que
estão fechando suas fronteiras, estes
governos estão descobrindo quanto
eles necessitam do apoio de outros paí-
ses, e de organizações multilaterais co-
mo a Organização Mundial da Saúde.
O coronavírus também está servin-
do para renovar o cenário e conceder

um papel de protagonistas a especialis-
tas e cientistas. Uma das surpresas des-
te jovem século 21 foi a perda de credi-
bilidade dos especialistas e o auge dos
charlatães e demagogos. Essa tendên-
cia teve um momento icônico quando,
em 2016, Michael Gove, o então minis-
tro da Justiça da Grã-Bretanha, reagiu
a um estudo no qual renomados espe-
cialistas criticavam o Brexit, projeto
que ele promovia.
O ministro afirmou descaradamen-
te: “As pessoas deste país já aguenta-
ram suficientemente estes especialis-
tas”. Outro que rotineiramente depre-
cia os especialistas é Donald Trump.
Ele afirmou que a mudança climática é
uma farsa montada pela China, que ele
sabe mais a respeito da guerra do que
os seus generais, ou que entende deste
vírus melhor que os cientistas.
Não mesmo. Ocorre que, na “ques-
tão do vírus”, os cientistas devem ser –
e felizmente estão sendo – os princi-
pais protagonistas. Aliás, muitos deles
são funcionários públicos, outra cate-
goria de profissionais em geral menos-
prezada pelos líderes populistas que
conseguiram chegar ao poder avivan-
do as frustrações e ansiedades do “po-
vo” que eles dizem representar.
Os populistas convivem mal com os
especialistas e com os dados que con-
tradizem os seus interesses. Detestam
os organismos públicos que abrigam
especialistas e produzem dados in-

questionáveis. Mas a crise do coro-
navírus demonstrou que estas buro-
cracias públicas, cujos pressupos-
tos e capacidades costumam ser mi-
nados por líderes que as depreciam,
são a nossa principal linha de defesa
contra a ameaça inédita de uma pan-
demia.

Altruísmo. A pandemia não só faz
com que os especialistas e seus orga-
nismos desempenhem um papel
maior, como também faz com que
adquira renovada urgência e rele-
vância prática o velho debate entre
altruísmo e individualismo. O al-
truísta está disposto a beneficiar os
outros – mesmo desconhecidos –
ainda que em detrimento dos pró-
prios interesses. O individualista,
ao contrário, tende a agir indepen-
dentemente dos efeitos que suas de-
cisões possam ter para o bem-estar
dos demais.
Nas próximas semanas e meses
descobriremos quais são – tanto as
pessoas quanto países – os mais dis-
postos a atuar tendo em mente tam-
bém os demais que pensam somen-
te em si mesmos. E isso será mais
fácil de descobrir uma vez que o co-
ronavírus deixou patente que so-
mos todos vizinhos. Até mesmo os
países e pessoas que adotam uma
posição diametralmente oposta à
nossa.

WASHINGTON


Em seu primeiro debate co-
mo únicos pré-candidatos de-
mocratas, o ex-vice-presiden-
te Joe Biden e o senador Ber-
nie Sanders destacaram suas


diferenças de maneira cor-
dial e fizeram questão de res-
saltar que apoiarão imediata-
mente quem for indicado pa-
ra enfrentar Donald Trump
em novembro.
Questionados sobre o pre-

tendem fazer contra a desigual-
dade de gênero, ambos se com-
prometeram a escolher uma
mulher como vice. Ambos
têm disputado o apoio da sena-
dora Elizabeth Warren, que
entre outras propostas defen-

de educação gratuita, pelo me-
nos parcial, no ensino univer-
sitário. Sanders afirmou que
apoiava essa proposta há quatro
anos, enquanto Biden só aderiu
a ela agora.
“Isso é liderança. É ter cora-
gem de defender uma proposta
quando ela era considerada radi-
cal”, afirmou o senador. Biden
disse então ter tomado posições
minoritárias, ao ser um dos pri-
meiros a defender o casamento
gay. Biden provocou o rival afir-
mando que “as pessoas querem
resultados, não uma revolu-
ção”. Sanders se apresenta co-
mo um socialista democrático.
O primeiro tema da noite foi
a crise sanitária causada pela en-
trada do coronavírus nos EUA.
Sanders se mostrou contrário a
um socorro a bancos e empre-
sas afetados pela redução no rit-
mo econômico, mencionando a
ajuda estatal dada na crise de


  1. Biden defendeu a medida
    adotada na época, dizendo que


os bancos devolveram os em-
préstimos.
Em uma pergunta que relacio-
nava o coronavírus ao medo
dos imigrantes ilegais de se
apresentar em hospitais e se-
rem deportados, ambos afirma-
ram que os estrangeiros nesta
condição não deveriam ser deti-
dos. Diante da pergunta sobre o
que estavam fazendo para se
proteger da infecção pelo vírus,
uma vez que são septuagená-
rios, Sanders disse sorrindo
que havia evitado apertar a mão
de Biden. O ex-vice-presidente
de Barack Obama devolveu o
sorriso.
O clima amistoso permeou o
debate, no qual ambos passa-
ram a se chamar pelos apelidos
“Joe” e “Bernie”. Atrás na busca
por delegados que garantem a
indicação do partido, Sanders
foi mais agressivo. Questionou
se Biden, quando senador, já ha-
via votado pelo corte em investi-
mentos na seguridade social.

Após a negativa do rival, afir-
mou que os espectadores do de-
bate – transmitido em um estú-
dio sem plateia da CNN em
Washington – procurassem a
verdade na internet. “Vão para
o YouTube e vejam. Você pode
defender sua posição e pode
mudar de ideia, mas não pode
dizer que não disse”, afirmou
Sanders.
Biden demonstrou neste mo-
mento alguma insegurança,
mas em linhas gerais teve mais
desenvoltura que nos debates
anteriores, quando pareceu
confuso diante das interrup-
ções e perguntas de vários pré-
candidatos.
Sanders voltou a atacar bilio-
nários e tentou associar Biden à
imagem de defensor dos ricos.
O ex-vice exaltou então sua
proposta de financiamento pú-
blico de campanha, que em sua
visão diminuiria o peso do po-
der econômico na disputa pela
presidência.

Ambiente. Quando questiona-
dos sobre as mudanças climáti-
cas, Biden afirmou que preten-
dia destinar US$ 20 bilhões pa-
ra a proteção da Amazônia
“que está sendo destruída” e
mencionou o Brasil. Sanders re-
forçou seu plano de evitar a de-
pendência de combustíveis fós-
seis. Biden criticou Sanders
por ter sido um dos poucos de-
mocratas e a votar contra a pos-
sibilidade de acionar fabrican-
tes de armas na Justiça.
Ambos enfatizaram que seu
grande objetivo é tirar Trump
do poder. “Se eu não for o indi-
cado, o apoiarei desde o dia 1”,
afirmou Sanders. “Discorda-
mos nos detalhes de como fa-
zer muitas coisas sobre as
quais concordamos”, afirmou
Biden, ao que Sanders respon-
deu: “Esses detalhes importam
muito”.
“Se houver mais 4 anos de
Trump, isso mudará a essência
do que nós somos como na-
ção”, disse Biden. “É o presiden-
te mais perigoso da história.
Um mentiroso patológico, ra-
cista e homofóbico”, acrescen-
tou Sanders.

E-MAIL: [email protected]

Biden e Sanders


prometem ter uma


mulher como vice


Somos todos vizinhos


Populistas convivem mal
com especialistas e dados
contrários a seus interesses

GABRIELLA DEMCZUK/EFE

Na questão ambiental, ex-vice disse que enviará US$ 20 bilhões


para a Amazônia; senador quer se livrar de combustíveis fósseis


Embate. O ex-vice-presidente Joe Biden (E) e o senador Bernie Sanders; debate sem ataques pessoais e com saudação destinada a evitar o coronavírus

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