O Estado de São Paulo (2020-03-17)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Três entidades nacionais re-


presentativas de arquitetos e


urbanistas emitiram manifes-


to no qual pedem a suspensão


por tempo indeterminado do


cumprimento de mandados


de reintegração de posse, des-


pejos e remoções judiciais. A


nota lembra que as condições


de moradia das populações


mais pobres se caracterizam


por adensamento excessivo e


coabitação de pessoas com


graus diferentes de vulnerabi-


lidade ao vírus. Remoções de


famílias inteiras com esse per-


fil impossibilita ainda mais o


isolamento e amplia a cadeia


de contágio da doença.


http://www.estadao.com.br/e/despejo

N


ão fosse a ameaça do


coronavírus, estaria ho-


je em Daca para partici-


par das comemorações do


centenário de nascimento de


Mujibur Rahman, o herói da


independência de Bangladesh


(1971) e ídolo do povo, o Ban-


gabandhu, que literalmente


deu sua vida pelo país.


Mujibur Rahman – o Mujib


da devoção popular –, ousado


em suas políticas, foi assassi-
nado numa quartelada, em

1975, com muitos membros


de sua família. Nos 15 anos se-


guintes, os militares exerce-


riam influência preponderan-


te na vida política local.


Sheikh Hasina Wajed, sua fi-


lha – hoje a primeira-ministra


–, propõe-se a cumprir o que


aspirava Mujibur. Em escrito


recente, Hasina recordou que


“o sofrimento do povo benga-


li o entristecia; era seu sonho


criar uma Bengala Dourada,


onde não houvesse miséria e


onde todos pudessem aspirar


a uma vida digna”.


Quando os britânicos deixa-


ram o subcontinente indiano,


em 1947, deixaram-no dividi-


do em dois novos países: a Ín-


dia e o Paquistão. Este, por


sua vez, foi dividido em dois


blocos (o Paquistão Ociden-


tal e o Oriental, hoje Bangla-
desh): uniam-nos a religião

muçulmana, separavam-nos


línguas e culturas diferentes


e 1.700 quilômetros de Índia.


Cedo os bengalis se senti-


ram desconfortáveis com o ar-


ranjo. O mal-estar logo se


converteu em divergência


que, originada nas esferas cul-


tural e linguística (1952), logo


acabou no movimento separa-


tista conduzido pela Liga


Awami e seu líder, Mujibur


Rahman.


Os paquistaneses responde-


ram militarmente, prenderam


Rahman e praticaram inominá-


vel violência contra a popula-


ção civil: 1 milhão de cidadãos


de Bengala tiveram de se refu-


giar na Índia. Rahman só seria


libertado em janeiro de 1972.


Bangladesh foi meu primei-


ro posto na vida diplomática
(1979). Estimulou-me a acei-

tar o desafio o embaixador


Paulo Tarso Flecha de Lima,


então chefe do Departamento


de Promoção Comercial do


Itamaraty, que defendia


maior atenção do Brasil aos


países asiáticos. As mudanças


na China, sob Deng Xiaoping,


fariam da Ásia a locomotiva


econômica e comercial do


mundo, preconizava. Dois


anos depois ajudei Flecha de


Lima a organizar a primeira


missão comercial brasileira a
países do Sudeste Asiático.

Hoje Bangladesh tem um fu-


turo promissor, mas quando


lá pus os pés pela primeira


vez as condições do país não


favoreciam o otimismo. A


grande massa da população vi-


via no campo, dedicada a cul-


turas de subsistência. Era mui-


ta gente (79 milhões de habi-


tantes; hoje, mais de 160 mi-


lhões), numa área equivalen-


te à do nosso Ceará, e o clima


semelhante ao amazônico, pe-


lo menos no período das mon-


ções, de chuvas torrenciais.


Em 1979, seu produto interno
bruto (PIB) per capita era mo-

destíssimo, US$ 196 dólares –


hoje ainda num patamar bai-


xo, mas relativamente mais


confortável, de US$ 2.100.


O PIB nominal de Bangla-


desh em 1979 era de apenas


US$ 16 bilhões. Em 2020 de-


verá alcançar US$ 350 bi-


lhões, segundo estimativas


do Fundo Monetário Interna-


cional (FMI). Deixou, assim,


a lanterna do ranking para se


tornar, hoje, o 39.º país mais


rico do mundo. O HSCB tem


razões para crer que até o fi-


nal da presente década Ban-


gladesh terá o 26.º maior PIB


do globo.


Conheci todas as regiões do


país, do Sunderbans a Cox Ba-


zar (que hoje, graças à genero-


sidade dos bengaleses, abriga


mais de 1 milhão de refugia-
dos Rohingya, expulsos da vi-

zinha Mianmar). Registrei ao


vivo o espírito empreendedor


dos empresários locais em vi-


sitas que fiz a Barisal, Chitta-


gong e Comila, entre outras ci-


dades. Com o governo local,


os entendimentos com o Bra-


sil foram, no mais das vezes,


sobre cooperação técnica e


educacional.


A instabilidade política que


se seguiu à morte de Rahman


adiou o progresso do país. A


democracia, restaurada em
1991, teve um tremor em

2007, mas só foi plenamente


restabelecida em 2008, quan-


do a LA, vitoriosa nas elei-


ções, trouxe Sheik Hasin pela


segunda vez ao poder. Foi a


partir da virada do milênio


que o desempenho econômi-


co de Bangladesh começou a


se destacar. Ao mesmo tem-


po, está empenhado o gover-


no local em resgatar o passi-


vo social herdado do passa-


do. Bangladesh não é mais


aquele país de agricultura de


subsistência de meu primeiro


contato. Hoje, a agricultura li-


mita-se a um quinto da produ-


ção nacional, enquanto a in-


dústria – uma indústria que


se moderniza rapidamente –


já representa 30% da riqueza


nacional. O setor de serviços


(que inclui microfinanças e
informática) já significa meta-

de do PIB. Na área industrial,


o setor de confecções reali-


zou no ano passado vendas


de US$ 30 bilhões. Avanços


têm sido feitos para diversifi-


car a produção e as exporta-


ções em áreas de tecnologia


avançada. Mais de 100 mi-


lhões de pessoas já têm aces-


so à internet.


Bangladesh ainda não é


num tigre asiático por causa


dos gigantescos desafios que


tem de enfrentar na esfera so-


cial. Mas estou convencido


de que em breve o será, se


continuar a adotar as políti-


cas macroeconômicas ade-


quadas, cuidar do resgate dos


desequilíbrios sociais e privi-


legiar a livre-iniciativa.


]


EMBAIXADOR APOSENTADO,

JORNALISTA, FOI DIRETOR DA

SUCURSAL DE BRASÍLIA DO
JORNAL ‘O ESTADO DE S. PAULO”

Poluição causada pelos in-


cêndios tem deixado as uvas


com gosto de cinzeiro.


http://www.estadao.com.br/e/uva

CORONAVÍRUS


Urbanistas querem suspender despejos


Mostra do arquiteto Rem


Koolhaas no museu de Nova


York tem seu foco orienta-


do para os 98% do planeta
não ocupados por cidades.

http://www.estadao.com.br/e/trator

l“O presidente ainda não se deu conta de que, ao final de quatro anos,


é o seu governo que será avaliado.”


LUCAS MEDEIROS


l“Aglomeração ao ar livre tem uma grande diferença de ambientes


fechados. Mas ainda dizem que o problema é o Bolsonaro.”


ALVARO LUIZ


l“O presidente fala para a população se isolar em um dia, e no outro


dá exemplo de outra coisa. É um moleque.”


MARIA MARLI


l“Desista de debater com bolsonaristas. Se eles não ouvem os médi-


cos, os cientistas, o ministro da Saúde, não vão ouvir mais ninguém.”


DÁRCIO RAMALHO


COMENTÁRIOS


CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Operação iniciada por poli-


ciais envolve o neto de um


dos soldados britânicos res-


ponsáveis pela pilhagem de
tesouros da Nigéria.

http://www.estadao.com.br/e/bronze

Espaço Aberto


O


novo recorde de alta


do dólar preocupa a


todos. Enquanto uma


taxa baixa favorece a estabili-


zação dos preços e uma cota-


ção elevada impulsiona a ex-


portação, um câmbio volátil


paralisa a economia. Faz deci-


sões de investimento serem


postergadas e, em alguns


caos, dirigidas a outros países.


Há analistas que aferem a qua-


lidade da política econômica


pela cotação do dólar, que fica


com a imagem prejudicada


em momentos como o atual.


Fatores internacionais afe-


tam a evolução do câmbio,


mas não na intensidade em


que ocorre aqui. Nos últimos


12 meses o real oscilou 35,2%,


valor superior aos 8,5,4% do


sol peruano e aos 6,7% do eu-


ro. Em todas as desvaloriza-


ções do real se põe a culpa em


algum evento internacional,


como as crises da Rússia e da


Ásia, entre outras, e no coro-


navírus, na atual.


É fato, em cada uma houve


um fator externo influencian-


do, mas a maior responsabili-


dade sempre foi interna, cau-


sada pela estrutura do merca-


do de câmbio e pela política


cambial. É algo que poderia


ser corrigido com quatro con-


juntos de medidas: 1) ajustes


na tributação, 2) política


cambial, 3) contas em divisas


e 4) jurisdição offshore em


São Paulo.


Ajustes na tributação – Um


ponto consolidado na litera-


tura sobre a volatilidade cam-


bial é a aplicação do imposto


proposto pelo economista Ja-


mes Tobin, Prêmio Nobel de


Economia. Seria aplicado em


operações de curto prazo no


mercado futuro de câmbio. É


um imposto Robin Hood, ar-


recada recursos dos especula-


dores e aumenta a receita tri-


butária total.


No Brasil, a tributação é


Hood Robin. A maioria das


operações de câmbio no mer-


cado à vista é tributada com


Imposto de Operações Finan-


ceiras (IOF) e as transações


do futuro são isentas. A pres-


crição é clara. Fazer o que a


teoria econômica prescreve:


taxar com IOF as operações


de curto prazo no mercado fu-


turo e isentar desse imposto


as outras.


Isso reduziria a volatilida-


de, daria mais eficiência ao


mercado de câmbio à vista,


manteria o volume de arreca-


dação e faria o mercado futu-


ro cumprir melhor seu papel


de estabilizador de preços, en-


carecendo as operações pura-


mente especulativas.
Política cambial – Atualmen-

te, para conter a volatilidade


o Banco Central (BC) atua


predominantemente no mer-


cado futuro e com isso pre-


tende estabilizar as cotações.


É uma estratégia cara, na últi-


ma década custou mais de R$


50 bilhões ao Tesouro Nacio-


nal; incerta, não se sabe quan-


do vai intervir; arriscada e


pouco efetiva.


Note-se: na B3, onde são fei-


tas as operações de swap cam-


bial, há também futuros de ca-


fé e açúcar, entre outras com-


modities. Pode-se comparar o
custo-benefício se o BC ten-

tasse baixar o preço do café


nos supermercados atuando


no mercado futuro ou venden-


do café diretamente.


A proposta é que o BC anun-


ciasse que para qualquer varia-


ção da taxa cambial superior a


1% compraria ou venderia re-


servas. Como são abundan-


tes, cerca de R$ 150 bilhões


acima do piso considerado se-


guro, pode atuar estabilizan-


do as cotações, evitando osci-


lações bruscas, de maneira


mais efetiva.


Contas em divisas – Permitir


que todos os bancos tenham


contas em divisas no territó-


rio nacional. Atualmente, re-


sidentes podem ter contas


em divisas no exterior, incluí-


dos bancos brasileiros com


agências fora. Se fossem
aqui, o acesso às contas se de-

mocratizaria, permitiria um


hedge cambial em espécie


mais efetivo e deixaria os pro-


dutores nacionais menos vul-


neráveis aos humores do mer-


cado financeiro.


A medida não dolarizaria a


economia brasileira, facilita-


ria a vida de operadoras de tu-


rismo, reduziria o custo e o


risco de carregar as reservas,


que seriam transferidos para


os titulares das contas em di-


visas, permitiria um acompa-
nhamento melhor dos órgãos

supervisores das operações


cambiais e diminuiria a dívida


bruta do governo.


Jurisdição offshore – A deli-


mitação de alguns quartei-


rões de São Paulo como juris-


dição offshore é a quarta pro-


posta. Seria algo assemelha-


do ao que foi feito em Lon-


dres e em Hong Kong, uma


“zona franca” financeira,


com um quadro institucional


parecido com o dessas duas


cidades. Para ser criada não


há necessidade de mudar


nem uma vírgula da regula-


mentação e tributação do Sis-


tema Financeiro Nacional.


Dessa forma, boa parte das


transações feitas por empre-


sas e cidadãos brasileiros, nes-


sas jurisdições, migraria para


o Brasil. O fluxo de divisas
com o exterior seria reduzido

e haveria a criação de empre-


gos para escritórios de advo-


cacia, bancos e serviços de


apoio na capital paulistana.


As quatro medidas propos-


tas dependem apenas do Mi-


nistério da Economia, da Se-


cretaria do Tesouro e do Ban-


co Central, portanto, não pre-


cisam da aprovação do Con-


gresso Nacional. Podem ser


implementadas rapidamente.


Se adotadas, haveria uma


estabilização da taxa de câm-


bio, uma tributação mais jus-


ta, uma redução da dívida pú-


blica, geração de empregos


em São Paulo e uma redução


da vulnerabilidade externa,


que é importante em momen-


tos de incerteza internacio-


nal, como o atual.


É isso.


]


ECONOMISTA. E-MAIL:
[email protected]

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
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Roberto Luis Troster


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Exploração no Alasca pode


perfurar tocas e até matar


ursas polares grávidas.


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Quatro propostas


para o câmbio


Ajustes na tributação,


política cambial, contas


em divisas e jurisdição


‘offshore’ em São Paulo


Mujibur Rahman e a construção


de uma nova Bangladesh


País ainda não é num


tigre asiático, mas


estou convencido de que


em breve o será


AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
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Bolsonaro rebate


Maia e diz que isolá-lo


é tentativa de ‘golpe’


Presidente foi criticado por desrespeitar


recomendações de isolamento e


participar de ato a favor do governo


]


Pedro Luiz Rodrigues


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VINHOS


Fumaça prejudica


vinícolas australianas


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Petróleo atrapalha


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