SONIA RACY
DIRETO DA FONTE
‘SOU CONTRA O ISOLAMENTO
SEM SINTOMAS DO VÍRUS’
DEPOIMENTO
Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]
Sofia Patsch [email protected]
Depoimento à coluna, on-
tem, do reconhecido infecto-
logista Esper Kallás , titular
de Imunologia Clínica e Aler-
gia de Medicina da USP:
Sou contra regime de qua-
rentena sem sintomas e não
concordo com fechamento
de fronteiras por causa do co-
rona vírus. Acredito, sim, em
isolamento sintomático: is-
to é, quando o indivíduo co-
meça a sentir os efeitos da
contaminação já descritos,
ele tem que se isolar. Esse
abrandamento seria possí-
vel se conseguíssemos frear,
um pouco, a disseminação
do vírus. Como? Investindo
em testes para diagnóstico
em larga escala. Não é tarefa
fácil, mas foi o que mais fun-
cionou em Cingapura, Co-
reia do Sul, Alemanha e
Hong Kong. Todos adota-
ram essa estratégia e estão
observando menores taxas
de morte em decorrência do
Covid-19. A pessoa tem sinto-
mas, faz o teste e tem resulta-
do rápido. Se for positivo, vai
para casa e evita contato com
idosos e pessoas doentes. A
escassez de insumos e a lo-
gística complicada no País
são grandes obstáculos, mas
não intransponíveis. Acho
que vale a pena tentar, mas
temos pouco tempo.
Além do impacto na saúde
das pessoas, o Covid-19 traz
outra ameaça que é o apagão
econômico. Não dá para pa-
rar tudo por muito tempo.
Num país com cerca de 40%
das pessoas dependentes de
trabalho informal, muita gente
vai ficar sem ganhar nada e pas-
sar fome. Quando os matemáti-
cos projetam os modelos da pan-
demia, costumam só contar os
casos de doença, mas a gente
não se atenta para os que não
conseguirão acesso ao remédio
no dia a dia, não poderão ir ao
hospital, não terão dinheiro pa-
ra necessidades básicas. É preci-
so ter sensibilidade para a difi-
culdade que teremos e encon-
trar o momento, o mais cedo
possível, para restabelecer ativi-
dades em escolas, empresas e
mobilidade.
Há muita gente tentando apren-
der com a pandemia. É nessas
horas que os cientistas preci-
sam arregaçar as mangas, apoia-
dos por todos. Os profissionais
da saúde, cada descoberta, tra-
zem uma ferramenta nova que
ajuda a evitar ou tratar muitos
casos. Imagina se descobrimos
um remédio que funciona. Os
cientistas precisam agir rápido,
pois os casos graves estão nos
nossos calcanhares. A USP, bem
como também várias outras ins-
tituições de ensino e pesquisa
brasileiras, já entrou nesse cal-
deirão e precisa de suporte.
Desde que decidi ser infectolo-
gista, inspirado pelo médicos
Guido Levi e João Mendonça,
sempre estudei epidemias. E já
vivi algumas, incluindo AIDS,
gripe suína, ebola e zika. Mas
nunca imaginei uma pandemia
como o do Covid-19. Meus cole-
gas infectologistas – embora as-
sustados com a dimensão do
problema – exercem nossa espe-
cialidade para enfrentar mo-
mentos como esse. O mesmo va-
le para profissionais de saúde na
linha de frente: pneumologis-
tas, intensivistas, epidemiolo-
gistas, enfermeiras, auxiliares,
farmacêuticos, suporte adminis-
trativo, os que limpam os quar-
tos. É emocionante a dedicação
de todos. São os atuais heróis da
sociedade.
O Covid-19 começou co-
mo algo distante. Pare-
cia mais um surto lo-
calizado na longín-
qua China, que, co-
mo outros surtos de
coronavírus no passa-
do, teria duração cur-
ta e esgotaria por lá. In-
felizmente estava erra-
do. Foi se alastrando e,
por onde passava, criava um im-
pacto muito grande, especial-
mente nos serviços de saúde.
Do Leste da Ásia chegou à Pér-
sia, veio ao Oriente Médio e che-
gou na Europa e na América do
Norte. E, claro, não iria poupar
a América do Sul.
A pandemia, decretada pela
OMS no último dia 11, é
causada por um vírus
muito transmissí-
vel. Espalha com
muita facilidade.
O que a gente ain-
da não sabe é qual
a porcentagem da
população pode se
infectar durante essa
onda de transmis-
são. Enxerga-
mos as pessoas que tem
doença mais grave, segui-
do daquelas com sintomas
mais intensos, depois os
que têm sintomas leves.
Mas não vemos quem pe-
ga o vírus e não tem nada
ou que tem algo leve. Prin-
cipalmente porque o exa-
me para coronavírus, nes-
sas pessoas, não ajuda.
Pelo contrário. Há quem
esteja fazendo exame, um
atrás do outro, sem sentir
nada. Isso lota as filas dos
laboratórios só porque ‘a
tia da vizinha do sobrinho
da madrasta acha que pe-
gou’. O teste é ruim em
quem não tem sintomas,
mesmo porque o resulta-
do pode vir mesmo que vo-
cê tenha pego o vírus. Há
prazo de incubação e o exa-
me negativo dá falsa sensa-
ção de segurança. E o in-
fectado ‘vai visitar o vovô
alguns dias depois’, trans-
mitindo o vírus para
quem mais risco corre.
A cada dia que passa, acre-
dito em mais gente infecta-
da. Não sabemos como o
vírus se comportará no Bra-
sil. Estamos no calor. Não
dá para dizer que será a
mesma coisa vista na Chi-
na ou Europa. A gente pre-
cisa se preparar para cuida-
dos mais graves. Rever e
equipar as UTIs, fazer con-
tingenciamento, preparar
o pessoal da saúde, adqui-
rir tudo o que precisa para
o melhor atendimento pos-
sível. O Brasil é desigual e
veremos realidades dife-
rentes. É muito duro estar
na pele de um membro da
equipe técnica do Ministé-
rio da Saúde ou das Secreta-
rias Estaduais ou Munici-
pais de Saúde. A gente pre-
cisa ter paciência e dar
apoio a esses colegas, se-
não eles não aguentam.
NA FRENTE
l Andrea Matarazzo , pré-candi-
dato a prefeito de São Paulo pelo
PSD, foi homenageado em almo-
ço para 60 conselheiros do Pal-
meiras, oferecido pelo senador
Luiz Osvaldo Pastore , do MDB,
sábado. Lembraram ali, que foi a
família Matarazzo quem doou o
terreno do Parque Antártica, on-
de hoje é o Allianz Parque.
l Vera Jereissati Haddad , que
esteve à frente da Associação Ce-
dro do Líbano de Proteção à Infân-
cia por 6 anos, passará seu cargo à
sucessora Sandra Lutfalla Zar-
zur , que assume a presidência da
Associação a partir de 6 de abril.
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FOTOS SONIA RACY/ESTADÃO
Esper Kallás, Infectologista
FEL
IPE RAU/ESTADÃO
O embaixador Rubens Barbosa convidou cerca de 50 pessoas para um jantar
em torno de Pedro Corrêa do Lago, domingo. Ante o coronavírus, comparece-
ram 12 convidados. Entre eles (da esq. à dir.) : 1. Ângela Aranha Coelho, Maria-
na Barbosa, Fátima Zorzato, Fernanda Feitosa, Heitor Martins, Eduardo Gian-
netti e a anfitriã Maria Ignez Barbosa. 2. Celso Lafer, Ruy Souza e Silva, o anfi-
trião, o homenageado e sua mulher, Bia Corrêa do Lago e Guilherme Quintella.
Alvo incorreto?
Colheu-se pelo mercado fi-
nanceiro ontem, diversos co-
mentários sobre o pacote de
medidas editadas pelo Minis-
tério da Economia e BC –
anúncio antecipado pela co-
luna no Broadcast.
O mais recorrente se referia
ao alvo das decisões: uma su-
posta crise de demanda. Se-
gundo alguns expoentes do
mercado, o alvo deveria ser a
futura crise de oferta. “Mui-
ta gente já esta parando de
produzir”, analisa um dire-
tor de banco.
Cortina fechada
Ivam Cabral , da companhia
teatral Os Satyros, ainda não
consegue mensurar os prejuí-
zos que a cia terá com o can-
celamento das peças, suspen-
sas desde o dia 12. A escola de
teatro do grupo fecha suas
portas na sexta-feira.
“Não temos nenhuma carta
na manga pra driblar isso. O
bar dos Satyros fechado tam-
bém dificulta muito a situa-
ção, porque constitui grande
parte da nossa arrecadação.
E continuamos a pagar alu-
guel e funcionários”, diz.
As apresentações que a cia fa-
ria na Espanha e em Portugal
em abril, também foram can-
celadas.
Fechada 2
Mario Bortolotto , do Cemi-
tério de Automóveis, outra
companhia independente de
teatro paulistana, ainda não
fechou o bar nem cancelou
as peças. Mas marcou reu-
nião ontem à noite para deci-
dir o que fazer.
“Se fecharmos agora, é bem
possível que tenhamos que fe-
char definitivamente. Não te-
mos como pagar as contas se
não estivermos funcionan-
do”, lamenta Bortolotto.
Após o susto...
Com o coronavírus, a admi-
nistração de Fernando de No-
ronha acabou suspendendo
todos os eventos na ilha por
tempo indeterminado. E por
lá, há a expectativa de que, pas-
sado o susto com a pandemia,
a Embratur reveja a decisão
de permitir cruzeiros de 600
pessoas ou mais e naufrágios
para exploração turística.
O plano foi anunciado por
Flávio Bolsonaro e Gilson
Machado , que estiveram em
Noronha mês passado.
Susto 2
Aliás, ilhéus contrários ao pla-
no federal, fizeram questão
de recordar que, na eleição de
2018, Bolsonaro venceu na
ilha nos dois turnos – um mar-
co na região Nordeste, onde o
então candidato do PSL per-
deu nos nove estados.
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C2 Caderno 2 TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO