Julio Maria
Elis Regina parece estar aqui, vi-
vinha, a dois passos de quem a
ouve. “As coisas estão tão esqui-
sitas hoje em dia. A gente anda
ressabiado de dizer que gosta
das pessoas. Então, a gente in-
venta coisas, entende? A gente
inventa que é tímido e que não
encontra jeito de dizer... A gente
inventa que está ocupado e que
um dia vai ter tempo de sentar e
conversar. Aí, de repente, você
se toca que não tem mais nada
para ser feito. É tarde paca.”
É assim que começa o especial
Elis 75 – Transversal do Tempo ,
que a TV Cultura exibe nesta ter-
ça (17), às 22h45, dia em que a
cantora faria 75 anos. São depoi-
mentos de seus três filhos, Ma-
ria Rita, Pedro Mariano e João
Marcello Bôscoli, entremeados
a imagens de momentos raros
como os captados durante a tur-
nê Falso Brilhante , entre 1975 e
1977, no Teatro Bandeirantes,
de São Paulo, e em entrevistas
como a cedida ao programa En-
saio , da própria TV Cultura, con-
duzido por Fernando Faro em
- Na sequência, às 23h45, a
emissora mostra a íntegra da en-
trevista de Elis ao programa Jogo
da Verdade , a última que ela con-
cedeu meses antes de morrer,
em 1982. Antes dos dois, às
20h45, o programa Metrópolis
também faz uma matéria espe-
cial para lembrar da data.
Elis 75 pode parecer fora de
timing por chegar em dias dis-
tópicos, com uma pandemia
ameaçando as certezas do mun-
do e obrigando pessoas a mudar
códigos de relacionamentos afe-
tivos. Mas não. Isso tudo o que
se vive hoje, em um País racha-
do pelo ódio, parece ter sido sen-
tido de forma antecipada por
Elis. Quando ela chora cantan-
do Casa do Campo em uma rara
gravação para um programa de
rádio que aparece no especial,
Elis chora pelo mundo, pela ne-
cessidade de isolamento que a
agressão provoca e a faz querer
“uma casa no campo / onde eu
possa ficar no tamanho da paz /
e tenha somente a certeza / dos
limites do corpo e nada mais.”
Trinta e oito anos depois de sua
morte, a canção que só era bela
se torna urgente.
Elis fala de sua infância em
Porto Alegre, de como chegou
ao mundo e de como ganhou o
nome Elis Regina, e este talvez
seja o único momento biografi-
camente seu. No mais, sua fala
soa universal. Maria Rita fala so-
bre algo em um momento impos-
sível de não soar como a própria
Elis soaria hoje, agoniada com a
virada do tempo, aquela fenda
aberta em algum lugar entre
1998 e 2002 que mudou toda a
relação das pessoas com a forma
de se ouvir e consumir música.
Maria Rita fala com um pesar so-
bre algo que parece deixá-la real-
mente perdida: “Eu estou com
uma dificuldade muito grande
em me adaptar a esse novo tem-
po onde tudo é pulverizado e des-
cartável, e você lança um disco
com 10, 11, 12 músicas e não sabe-
mos em quem nem como isso
vai chegar, se isso vai ser consu-
mido, de que forma”. A edição
esperta faz um corte rápido e co-
loca Elis, no outro lado da histó-
ria, com a mesma angústia vivi-
da pelo motivo contrário. “A
campanha de massificação é ta-
manha que, de repente, você es-
tá gostando de coisas que nor-
malmente você não gostaria”,
diz para o entrevistadores Zuza
Homem de Mello e Mauricio Ku-
brusly, no Vox Populi. Se Maria
Rita e muitos artistas sofrem por
se sentirem um grão na pulveri-
zação sem foco de 2020, Elis so-
fria pela concentração de pou-
cos artistas na linha dos mais
executados pelas rádios de 1980.
As muitas imagens aproveita-
das do Ensaio de 1973, apresenta-
do por Fernando Faro, um dos
muitos homens que se apaixona-
ram pela cantora, são para se de-
gustar ciente de que aquilo foi
um momento histórico. Can-
ções como Vou Deitar e Rolar , La-
deira da Preguiça , Aviso aos Nave-
gantes ou Eu Preciso Aprender a
Ser Só são feitas com uma Elis
absurdamente inspirada e rodea-
da pelos principais músicos que
estiveram a seu lado. Uma ver-
são curiosamente mais enxuta,
sem guitarrista. Ela tem o mari-
do Cesar Camargo Mariano ao
piano, o baixista Luisão e o bate-
rista Paulo Braga fazendo tudo
ter a liberdade do samba jazz
que ela ouviu muito em 1964, no
Beco das Garrafas.
Um dos momentos mais emo-
cionantes do Vox Populi é o que
mostra um morador da Brasilân-
dia, na periferia norte de São Pau-
lo, fazendo uma pergunta. Ele
não entende que o programa es-
tá sendo gravado, pensa estar fa-
lando com Elis. “Ela está me ou-
vindo?”, pergunta ao repórter. E
quando sente que pode falar,
diz: “Alô, Elis? Tá me ouvindo?
Por que você não vem aqui na
Brasilândia fazer um show,
hein? Aqui no ginásio mesmo,
aqui pertinho. Tá escutando a
resposta, tá? O que foi que ela
respondeu?”. Quando corta pa-
ra Elis no estúdio, ela está cho-
rando e rindo ao mesmo tempo
com o amor de um homem sim-
ples. “Vou sim, moço, juro por
Deus que eu vou.”
Elis morreu sem cumprir a
promessa. Ela até havia tentado
sair pelo subúrbio do País ao pro-
jetar a ideia de Falso Brilhante ,
imaginando que iria encená-lo
em um circo itinerante. Mesmo
quando já a haviam colocado co-
mo uma das maiores vozes, Elis
queria chegar a mais gente do
que chegou, tocar nas rádios po-
pulares e ser abraçada pelo povo
das periferias. Saída dos conjun-
tos operários da Vila do IAPI,
sua voz transpassava classes so-
ciais e o próprio tempo por ter o
coração como única matriz.
l Frase
Música. A TV Cultura preparou para hoje programas que lembram das entrevistas e da voz de uma das maiores cantoras do País
“As coisas estão esquisitas
hoje em dia. A gente anda
ressabiado de dizer que
gosta das pessoas. Então, a
gente inventa coisas,
entende? A gente inventa
que está ocupado e que um
dia vai ter tempo de sentar
e conversar.”
Elis Regina
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é assegurado o acompanhamento de
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acessível cão guia preparadas para receber todos os públicos.
COMUNICADO
AS UNIDADES DO SESC NO ESTADO DE SÃO PAULO
PERMANECERÃO FECHADAS, INICIALMENTE, DE 17 A 31 DE MARÇO.
A medida foi adotada para prevenir riscos de transmissão direta
do Coronavírus (Covid-19). Diante disso, toda a programação e prestação
de serviços estarão suspensas neste período. Os valores de ingressos,
cursos e excursões serão ressarcidos.
Informamos, ainda, que as vagas de todos os cursos e tratamentos
odontológicos serão mantidas.
ACERVO ESTADÃO
Elis ganha especial em seus 75 anos
Em casa. Ao
lado de João
Marcello,
Elis vivia o
lado artista
sem abrir
mão de
ser mãe
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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 Caderno 2 C3