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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 D1
Metrópole
Mateus Vargas / BRASÍLIA
O Ministério da Saúde avalia
aumentar o número de análi-
ses para diagnóstico do novo
coronavírus no Brasil, com a
importação de testes rápi-
dos. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) recomen-
dou ontem a ampliação do nú-
mero de testes e o isolamento
das pessoas consideradas sus-
peitas de estarem infectadas.
De acordo com o secretário
executivo do Ministério da
Saúde, João Gabbardo, o go-
verno ainda estuda interna-
mente a recomendação.
Por enquanto, a pasta infor-
ma que continuará a dar priori-
dade à análise de pacientes com
potencial de desenvolver qua-
dro grave em locais que já apre-
sentam transmissão comunitá-
ria do vírus (SP, RJ e BA). O últi-
mo levantamento do governo
aponta que há no Brasil 234 pa-
cientes confirmados para a
doença, ante 200 no domingo
(um aumento de 34 casos, ou
17%). O Estado de São Paulo
apresenta o maior número de
infectados – 152, ante 136 no bo-
letim anterior. Depois, vem o
Rio, que registra 31 casos.
Pela manhã, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) pediu
que os países com casos do no-
vo coronavírus isolem os infec-
tados para prevenir o avanço da
pandemia. Em sua fala, o dire-
tor-geral, Tedros Adhanom
Ghebreyesus, defendeu a neces-
sidade de as pessoas saberem
qual pessoa lhe transmitiu o ví-
rus e de manter as estratégias
de contenção do risco.
“A mensagem central é: tes-
tar, testar e testar”, disse o dire-
tor-geral. “Você não consegue
parar essa pandemia se não sou-
ber quem está infectado. Esta é
uma doença séria. Embora as
evidências sugiram que aqueles
com mais de 60 anos corram
maior risco, jovens, incluindo
crianças, morreram.” A OMS
lembrou ainda que mesmo que
a pessoa não esteja se sentindo
mal pode infectar alguém por
até 14 dias. Por isso, é preciso
respeitar o período de duas se-
manas após o fim dos sintomas.
E vetar visitas.
Segundo o secretário de Vigi-
lância em Saúde, Wanderson
Oliveira, a recomendação da
OMS é “complexa”, pois a pró-
pria organização havia reco-
mendado testar apenas os cem
primeiros casos e, depois, focar
em grupos de risco. Oliveira dis-
se que o Brasil vai manter a po-
lítica de testar casos graves, in-
ternados, em locais com trans-
missão comunitária. E testar e
isolar pessoas com febre e ou-
tro sintoma de gripe onde não
houver transmissão dissemina-
da da doença.
“Quando assumo que o vírus
está circulando na minha co-
munidade, já não interessa sa-
ber a totalidade dos casos. Por
isso mudamos a vigilância de
casos individualizados para
monitoramento de casos gra-
ves”, disse Oliveira. O secretá-
rio de Vigilância em Saúde res-
saltou ainda que o número de
testes é limitado. “Hoje, se pro-
curar na iniciativa privada, não
há insumos suficientes. E me
estranha muito a OMS reco-
mendar desta maneira, uma
vez que os insumos são insufi-
cientes para testar todo mun-
do. Vamos testar todos os ca-
sos sintomáticos. Os próprios
laboratórios privados estão to-
mando essa decisão”, disse.
Representante da OMS no
Brasil, a médica Socorro Gross
afirma que países que não têm
recursos suficientes para testar
todos os casos devem dar priori-
dade a pacientes que podem de-
senvolver quadros graves. O go-
verno já comprou 30 mil testes
de diagnóstico de novo corona-
vírus feitos pela Fiocruz e enco-
mendou outros 150 mil. Cada
unidade custa R$ 98,80 aos co-
fres públicos. A Fiocruz estuda
ainda realizar parcerias de
transferência de tecnologia
com empresas privadas para
produção no Brasil de testes
mais modernos de diagnóstico.
Mateus Vargas
Sandra Manfrini/ BRASÍLIA
O governo federal avalia uma
série de medidas para o enfren-
tamento do novo coronavírus,
a começar pela convocação de
estudantes da área de saúde e
aposentados para atuar no sur-
to. Segundo o secretário execu-
tivo do Ministério da Saúde,
João Gabbardo, a ideia é cha-
mar estudantes do último ano
da graduação.
“O que estamos fazendo é ten-
tar ter o maior número de profis-
sionais, porque vamos precisar.
Chamaremos também os apo-
sentados”, disse Gabbardo.
Segundo o secretário, a partir
de pandemias anteriores, o go-
verno calcula que até 40% dos
profissionais de saúde possam
se afastar do serviço durante o
surto por infecção. “Mesmo
com sintomas leves, esses pro-
fissionais têm de ser retirados
da linha de frente”, disse.
O governo deve ainda cha-
mar médicos cubanos após a
contratação de brasileiros. A se-
leção dependerá da aprovação
de documentos por uma análi-
se que será feita pelo Conselho
Federal de Medicina (CFM).
Outra medida prevista por
Brasília é a liberação de R$
424,154 milhões a Estados e Dis-
trito Federal. O recurso do Blo-
co de Custeio das Ações e Servi-
ços Públicos de Saúde (Grupo
de Atenção de Média e Alta
Complexidade, MAC) estará
disponível por meio de Portaria
do Ministério da Saúde, publica-
da no Diário Oficial desta segun-
da-feira. O montante será distri-
buído em uma única parcela aos
Estados e ao DF. A distribuição
de recursos corresponde a R$ 2
per capita, conforme projeção
do IBGE para 2020.
O Ministério da Saúde discu-
te ainda a possível redução e eli-
minação de impostos de alguns
produtos para saúde.
China. Gabbardo disse que o
governo quer receber equipa-
mentos de UTI que a China já
deixou de usar, pela diminuição
dos casos. “Estamos em conta-
to, para colocar o Brasil como
voluntário.”
Márcia De Chiara
Bruno Ribeiro
A recomendação dada pelo dire-
tor-geral da Organização Mun-
dial da Saúde (OMS), Tedros
Adhanom Ghebreyesus, de tes-
tar todas as pessoas suspeitas
de terem sido contaminadas pe-
lo coronavírus foi criticada pelo
governo do Estado de São Paulo
e por infectologistas. O Estado
de São Paulo vai aguardar a mo-
vimentação do governo federal
para decidir se acata ou não re-
comendação da OMS. A Secreta-
ria Estadual da Saúde só está fa-
zendo testes em pacientes inter-
nados. O coordenador da equi-
pe do governo paulista de com-
bate à pandemia, David Uip, dis-
se estar “surpreso” com a reco-
mendação da OMS, e afirmou
que havia “o mundo ideal e o
mundo real”, ao destacar que o
número de testes em São Paulo
seria muito grande.
Para o infectologista do Insti-
tuto Emílio Ribas Jean Gorinch-
teyn, a recomendação dada pe-
la OMS não é factível no Brasil.
“O Brasil é uma país continen-
tal e com uma população de
mais 200 milhões de habitan-
tes. Portanto, seriam necessá-
rios milhares de kits e uma gran-
de disponibilidade de laborató-
rios.” Na avaliação de Gorinch-
teyn, o caminho eficaz para con-
ter o avanço da doença é exata-
mente o que outros países com
dimensões continentais, como
a China, fizeram: restringir a cir-
culação de pessoas.
Uip disse que as orientações
da OMS estão sendo seguidas.
“Ela alterou a forma de trabalho
com relação aos testes que de-
vem ser realizados, não estáva-
mos esperando por essa deter-
minação”, disse ele.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Roberta Jansen / RIO
Portadores do novo coronaví-
rus que não foram diagnostica-
dos são os maiores responsá-
veis pela disseminação rápida
da doença, segundo um novo es-
tudo publicado ontem na revis-
ta Science. A descoberta indica o
tamanho do desafio que as auto-
ridades sanitárias têm para con-
ter a pandemia.
Segundo cientistas da Escola
de Saúde Pública da Universida-
de de Columbia, nos EUA, que
assinam o trabalho, mais de
80% dos portadores do novo ví-
rus são assintomáticos ou apre-
sentam sintomas muito bran-
dos e, por isso, acabam não sen-
do diagnosticados.
Os casos mais leves ou mes-
mo sem sintomas do Covid-19
são até 50% menos contagiosos
do que os mais graves. No entan-
to, como são muito mais nume-
rosos, seriam os grandes respon-
sáveis pela disseminação do ví-
rus. “Dependendo de quão con-
tagiosas são essas pessoas e da
quantidade delas, uma parcela
muito grande da população se-
rá exposta ao vírus”, afirmou
um dos autores do estudo, Jef-
frey Shaman, professor da Uni-
versidade de Columbia, nos Es-
tados Unidos em comunicado.
Para Shaman, essas transmis-
sões são, atualmente, o maior
desafio para conter a pandemia
em todo o mundo. Por isso, as
medidas de distanciamento so-
cial são tão importantes.
“Se o novo coronavírus se-
guir o padrão do H1N1 da pande-
mia de influenza de 2009, ele
vai se espalhar globalmente e se
transformar no quinto corona-
vírus endêmico entre a popula-
ção humana”, afirmou o pesqui-
sador americano.
De estudantes a médicos cubanos podem ser convocados
l Cruzeiro como hospital
O Ministério da Saúde quer usar
a estrutura de navios de cruzeiro.
Segundo o secretário-executivo,
João Gabbardo, empresas de-
vem disponibilizar 1 navio com
mil quartos e outro com 2 mil.
Coreia aposta
nos exames
Examinar todos é ‘ideal’,
mas não é ‘real’, diz Uip
Após SP vetar saída, prisões têm motim e fuga. Pág. D2 }
Após recomendação da OMS, governo
admite que estuda ampliar testagem
Pela manhã, a Organização Mundial da Saúde pediu que países identifiquem e isolem os infectados para prevenir o avanço da pandemia.
Ministério diz que vai comprar kits, mas orientação é ‘complexa’, faltam recursos e será mantida a política de só testar casos graves
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APRESENTA
APOIO
Pessoas sem diagnóstico
disseminam a doença
ANDRE DUSEK/ESTADAO–22/10/2013
Retorno. Médicos cubanos podem voltar para ajudar
Governo avalia uma série
de medidas, incluindo
usar equipamentos
chineses; e deve liberar
R$ 424 milhões a Estados
A Coreia do Sul desenvol-
veu mecanismos de contro-
le, gerenciamento de quaren-
tena e até um aplicativo
com o objetivo de conter a
disseminação do vírus.
O país tem capacidade pa-
ra fazer até 18 mil exames
diariamente. Uma empresa
privada, Seegene, criou kit
que promete informar se o
paciente está ou não com o
vírus em apenas seis horas.
Até sábado, a Coreia havia
testado mais de 248 mil pes-
soas, confirmando 8.086 ca-
sos. O governo informou 72
mortes (0,9% dos infecta-
dos). Quem chega ao país
vindo de zonas de risco pre-
cisa baixar um aplicativo de
celular para ser monitorado.
Diariamente, os usuários
devem informar seu atual
estado de saúde e se está
com algum sintoma do coro-
navírus. Em muitos outros
países, os testes são feitos
só em quem tem sintomas.
PARA ENTENDER
WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Cuidado. Diretor destaca que pandemia, apesar de atingir mais os idosos, também já vitimou jovens e crianças pelo mundo