O Estado de São Paulo (2020-03-17)

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D4 Metrópole TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


BRASÍLIA E SÃO PAULO


O


avanço do coronaví-


rus não está causan-


do só preocupação e


medo. Diante das dificulda-


des que grupos de risco, co-


mo os idosos, e profissionais


que não têm outra fonte de


renda podem enfrentar du-


rante o período mais crítico


da doença, pessoas estão


criando redes de solidarieda-


de para oferecer ajuda para ir


ao supermercado ou à farmá-


cia e manter o pagamento de


prestadores de serviço.


A instrutora de mindful-


ness Natasha Bontempi, de


38 anos, decidiu transformar


o medo do coronavírus em


ação. Ela criou modelos de


cartazes para serem impres-


sos e colocados em áreas pú-


blicas de condomínios, com


os nomes de moradores que
se oferecem para fazer com-

pras aos vizinhos que não de-


vem sair de casa. Os layouts


podem ser baixados e impres-


sos por qualquer um.


“Tenho refletido muito


em como posso ser útil sem


entrar no pânico”, diz Na-


tasha. “Vejo gente brigando


por papel higiênico, discutin-


do em grupos na internet. De-


cidi que não vou entrar nessa


neurose e fazer algo positivo.


É na gentileza que está a saí-


da.”


Os cartazes chamaram a


atenção da publicitária e jorna-
lista Priscilla Torelli, de 47

anos, que divulgou a proposta


no Instagram voltada a morado-


res do bairro Vila Buarque, na


região central de São Paulo. A


iniciativa logo conquistou se-


guidores. “A ideia primeiramen-


te é de que a pessoa doaria parte


do seu tempo para ajudar al-


guém que está no grupo de risco


para ir ao mercado ou à farmá-


cia. Ela deveria colocar (no car-


taz) de onde é e perto de onde


mora para que quem precisa pe-


ça ajuda.”


Não demorou para que a es-


tratégia ganhasse adesão. Sub-


síndico de um prédio em Santa


Cecília, na região central, o ci-


neasta Eduardo Lima, de 38


anos, colocou o aviso no edifí-


cio ontem. “Além disso, estou


tentando comprar kits de luvas.


A ideia é manter distância de
dois metros da porta dos ido-

sos. Ainda estamos aprenden-


do sobre isso.”


A estratégia da servidora pú-


blica Fernanda Salvadé, de 36


anos, moradora da Asa Norte,


em Brasília, foi ainda mais sim-


ples. Ela escreveu a mão mes-


mo, em folhas de caderno e com


letras grandes, um recado cur-


to: “Se você tem + 60 anos, pos-


so ir ao mercado p/ vc, sem pro-


blemas ou custo. Só me avisar


antes p/ eu me programar”. Ela


colou as folhas nos elevadores,


na entrada do prédio onde mo-


ra. Fernanda sabia que, se recor-


resse ao computador para digi-


tar um bilhete comum, seu reca-


do seria apenas mais uma men-


sagem entre cartas e recados de
condomínios que ninguém lê.

As letras redondas também ti-


nham o propósito de facilitar a


leitura para quem tivesse difi-


culdades para enxergar.


“Resolvi fazer algo. Moro em


um prédio que tem muitos ido-


sos. Como os apartamentos são


de um dormitório, muitos deles


vivem sozinhos”, disse. “A gen-


te não pode ficar só à mercê de


uma atuação pública. Tem de


pensar em algo que vá além de


sua condição pessoal, e no dia a


dia. Ver o outro e o que pode


fazer para ajudar, algo em prol


da coletividade.” E já está aju-


dando. Fernanda recebeu men-
sagens de agradecimento e mo-

radores já disseram que devem


pedir ajuda para compras em su-


permercados e farmácias.


Diaristas. Há também quem


se preocupe com funcionários


autônomos, que correm o risco


de ficar sem o ganha-pão duran-


te a crise. A editora de livros di-


dáticos Carolina Yamamoto, de


38 anos, pretende manter o pa-


gamento da prestadora de servi-


ço que cuida da sua casa há dois


anos e meio, mesmo se não for


mais possível que ela continue


indo trabalhar.


“Certamente, a renda dela


vai cair. Espero que outras
pessoas continuem com o

serviço. Se ela parar de rece-


ber, não vai poder comer


nem comprar um remédio.


Ela tem um filho, é uma bata-


lhadora e nunca me deixou


na mão.” Já a bancária Glau-


ce Christina Blasques Saad,


de 38 anos, conta que tam-


bém pretende negociar para


não deixar a diarista na mão.


“Espero que essa situação


ajude a inspirar as pessoas a


pensar no próximo.” /ANDRÉ


BORGES, JÚLIA MARQUES, PAULA

FELIX e TIAGO QUEIROZ

Grupo de risco


Cartazes anunciam ajuda com as compras


para evitar exposição de mais velhos ao vírus


VIZINHOS CRIAM


REDE SOLIDÁRIA


PARA IDOSOS


Ajuda. Moradores de SP imprimem cartazes e se colocam à disposição para fazer compras a pessoas do grupo de risco


“A orientação é evitar


aglomeração no condomínio.


Há recomendação para que


idosos e pessoas de grupos


de risco fiquem isolados e


alguns condôminos estão se


colocando à disposição.”


José Roberto Graiche Junior


PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DAS

ADMINISTRADORAS DE BENS IMÓVEIS E

CONDOMÍNIOS DE SÃO PAULO

l Proteção


TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Objetivo é ‘não


sobrecarregar


o sistema’


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Fabiana Cambricoli


Cientistas americanos inicia-


ram ontem o primeiro teste


em humanos de uma possível


vacina contra o novo corona-


vírus. De acordo com comuni-


cado dos Institutos Nacio-


nais de Saúde (NIH, na sigla


em inglês), órgãos vincula-


dos ao governo americano, a


fase 1 da pesquisa clínica en-


volve 45 voluntários saudá-


veis adultos, com idades en-


tre 18 e 55 anos. O primeiro


participante recebeu a dose


em teste ontem.


Conduzido pelo Kaiser Per-


manente Washington Health


Research Institute (KPWHRI)


e patrocinado pelos NIH, o estu-


do será conduzido em Seattle,


no Estado de Washington, o


mais afetado pelo surto de co-


vid-19 nos EUA.


De acordo com dados do Cen-


tro de Controle de Doenças do


governo americano, somente


em Washington foram confir-


madas 708 infecções pelo novo


coronavírus. Em todo o territó-


rio americano, já são 3.487 pes-


soas acometidas pela covid-19,


das quais 68 morreram.


A fase 1 do estudo da possível


vacina vai avaliar a segurança


do produto e sua habilidade de


criar uma resposta imunológi-


ca nos voluntários.


Antes do teste em humanos, a


possível vacina, chamada de


mRNA-1273, já havia demons-


trado uma boa resposta quando


foi testada em animais.


“A vacina experimental foi de-


senvolvida usando uma plata-


forma genética chamada mR-


NA (RNA mensageiro). A vaci-
na experimental direciona as cé-

lulas do corpo para expressar


uma proteína viral que, espera-


se, provoque uma resposta imu-


ne robusta. A vacina mRNA-


1273 mostrou-se promissora


em modelos animais, e este é o


primeiro estudo a examiná-la


em humanos”, informou os


NIH em seu site.


No momento, não há vacina


nem tratamento específico pa-


ra a covid-19. Na maioria dos


contaminados, a infecção regri-


de espontaneamente, com a res-


posta das células de defesa. Em


20% dos casos, porém, os pa-


cientes evoluem para um qua-


dro grave, o que costuma exigir


suporte em UTI.


Próximos passos. Depois da


fase 1, o possível imunizan-


te ainda precisa passar por mais


duas etapas de testes em huma-


nos, nas quais o número de par-


ticipantes será maior.


A candidata à vacina foi desen-


volvida pelos cientistas do Insti-


tuto Nacional de Alergia e Doen-


ças Infecciosas na empresa de


biotecnologia Moderna, em


Cambridge, no Estado de Mas-


sachusetts.


“Os cientistas foram capazes


de desenvolver rapidamente o


mRNA-1273 por causa de estu-
dos anteriores de coronavírus

relacionados que causam Sín-


drome Respiratória Aguda Gra-


ve (SARS) e Síndrome Respira-


tória do Oriente Médio


(MERS)”, informaram os NIH,


em nota. “Os cientistas já esta-


vam trabalhando em uma inves-


tigação de uma vacina contra a


MERS, o que trouxe uma vanta-


gem no desenvolvimento da va-


cina contra a covid-19”, comple-


taram.


Nessa primeira fase do estu-


do, os voluntários receberão


duas doses da vacina por meio


de uma injeção intramuscular
na parte superior do braço, com

intervalo de 28 dias entre as do-


ses. Os voluntários serão dividi-


dos em três grupos e cada um


deles receberá a dose com uma


concentração diferente: 25


mcg, 100 mcg e 250 mcg.


Os participantes serão acom-


panhados por um ano após a


aplicação da segunda dose.


Não há previsão de quando to-


das as etapas do teste serão fi-


nalizadas nem de quando a va-


cina estaria disponível à popu-


lação caso apresente bons re-


sultados.


Com demanda crescente por


testes de coronavírus, o Hospi-


tal Israelita Albert Einstein, em


São Paulo, limitou ontem a reali-


zação do exame apenas para pa-


cientes com sintomas e que te-


nham indicação de ser testadas


feita por profissionais do pron-


to-atendimento da unidade.
A partir de agora, portanto,

não serão mais realizados tes-


tes em pacientes que vão ao hos-


pital com pedidos feitos por


médicos particulares nem em


pessoas sem sintomas da doen-


ça. Também foram interrompi-
das as coletas domiciliares. As

principais manifestações da co-


vid-19 são febre, tosse e coriza.


De acordo com o hospital, a


decisão foi tomada para garan-


tir o abastecimento do teste pa-


ra os pacientes que realmente
precisam e estão em um grupo

de maior risco.


Até agora, todos os pacientes


que procuravam o Einstein po-


diam realizar o exame, mesmo


sem sintomas. Dessa forma,


muitas pessoas que haviam re-
tornado do exterior estavam

buscando o pronto-atendimen-


to apenas para passar pelo exa-


me e descartar a infecção, con-


duta que não é recomendada


nem pelo hospital nem pelo Mi-


nistério da Saúde.


Com a alta demanda nos últi-


mos dias, o número diário de


testes realizados diariamente


cresceu exponencialmente em
uma semana. No dia 9 de mar-

ço, por exemplo, eram pouco


mais de 200 exames por dia.


Agora, são cerca de 1,5 mil tes-


tes diariamente. /F.C.


Pablo Sebastian, coordenador


do curso de Medicina da Univali


MEC libera ensino a distância para escolas de educação básica por 30 dias. Pág. D5 }


TED S. WARREN/AP

EUA têm primeiro


teste em humanos


de possível vacina


l Pesquisa


45


voluntários participam dos


testes para a vacina contra o


coronavírus, nos Estados


Unidos. Os pacientes são todos


sadios e têm idades entre


18 e 55 anos


A fase 1 da pesquisa envolve 45 voluntários, com idades entre 18 e 55


anos. Imunizante ainda precisará passar por duas etapas de estudo


Início. Médico testa vacina contra coronavírus em Seattle


Com alta demanda, Einstein começa a limitar exames


Pablo Pereira


No caso de uma expansão da


covid-19 no País, o sistema de


saúde brasileiro terá de respon-


der com eficiência à pressão


dos casos já a partir da “tria-


gem” das pessoas com suspei-


ta de infecção. A opinião é do


infectologista Pablo Sebastian


Velho, coordenador do curso


de Medicina da Univali, Uni-


versidade do Vale do Itajaí, em


Santa Catarina.


lO sistema de saúde de saúde


está preparado para um eventual


agravamento da situação?


A rede hospitalar pública so-


freu uma defasagem no núme-


ro de leitos ao longo dos anos.


Neste momento, é fundamen-


tal a educação e a informação
da população para que o siste-

ma não fique sobrecarregado,


de modo a direcionar os atendi-


mentos às pessoas com os qua-


dros mais graves.


lEm relação à demanda, o se-


nhor defende a suspensão de


cirurgias eletivas, por exemplo?


Cirurgias eletivas podem ser


suspensas enquanto durar a


necessidade de ampliar as


equipes ou áreas reservadas


ao atendimento dos pacientes


considerados graves.


ENTREVISTA

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