O Estado de São Paulo (2020-03-17)

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A6 Política TERÇA-FEIRA, 17 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


J


á que o presidente Jair Bolsona-


ro vive sua realidade paralela,


os três Poderes declaram
trégua e traçam ações comuns con-

tra os efeitos do novo coronavírus


apesar dele. Com isolamento médi-


co ou não, Bolsonaro está se isolan-


do dos demais Poderes e ontem não


participou de uma videoconferên-


cia de presidentes da América do


Sul sobre a doença e a crise econômi-


ca. Enquanto isso, o vírus vai se mul-


tiplicando dentro e fora do Brasil.


Presidentes da Câmara, do Sena-


do e do Supremo se reuniram com o


ministro da Saúde, Luiz Henrique


Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos


de ação e contornar a fogueira política


diante do problema maior. Foi Rodri-
go Maia, aliás, quem primeiro esten-

deu a bandeira branca, apesar de ter


sido o principal alvo do presidente e


dos bolsonaristas no domingo.


Bolsonaro já disse que a crise é uma


“fantasia”, uma “histeria”, e conside-


rou que tudo é “superdimensionado”,


ora por “interesses econômicos”, ora


pela “luta pelo poder”. Das palavras aos


atos, tirou a máscara, deu de ombros


para o Ministério da Saúde, abandonou


o monitoramento, não esperou o se-


gundo teste e foi confraternizar com


manifestantes em frente ao Planalto.


“Se eu me contaminei, ninguém tem


nada a ver com isso”, disse ontem, mas


não é bem assim. O problema não é


apenas ele se contaminar, é o risco de


ter contaminado as 272 pessoas com


quem teve contato, de acordo com le-


vantamento do Estado. E, depois, to-


do mundo tem muito a ver, sim, com a


saúde do presidente da República. Ele


não é uma pessoa privada, é a autorida-


de pública número um.


O próprio ministro da Saúde classifi-


cou protestos e eventos culturais nes-


te momento como “completamente


equivocados”. O governador Ronaldo


Caiado, um dos raros a apoiar Bolsona-


ro, foi vaiado por manifestantes em


Goiás ao lembrar, como médico, que


“não se mostra apoio a governo colo-


cando em risco sua população”. Se eles


queriam pôr a própria saúde em risco,


problema deles, mas sem o direito de


pôr a dos outros. Cada contaminado


tem poder de multiplicação do vírus.


A reação de Bolsonaro à contamina-


ção da saúde e da economia tem sido


errática, de quem não está entendendo


nada nem parece muito interessado.


Na terça-feira passada, declarou que


era “fantasia da grande mídia”. Dois


dias depois, deixou de ser fantasia e ele
fez o primeiro teste e uma live com más-

cara. Mais dois, tirou de novo a másca-


ra e lá se foi, sorridente, cumprimentar


manifestantes contra o Supremo e o


Congresso. Os contaminados da sua


comitiva aos EUA já chegavam a 12.


Diante da perplexidade de Rodrigo


Maia e do senador Davi Alcolumbre,


abandonou de vez o vírus, a dissemina-


ção, a crise do mercado, a previsão do


PIB esfarelando para bater boca pela TV


com os presidentes da Câmara e do Sena-


do. “Está em jogo uma disputa política


por parte desses caras”, disse, resumin-


do tudo isso a uma “luta pelo poder”.


Vocês sabem quem são “esses caras”.


Irritado, Bolsonaro disse que está


“há 15 meses calado, apanhando”, e


vai passar a revidar. O curioso foi ele


dizer que passou todo o mandato ca-


lado, o que, absolutamente, não é ver-


dade. E o mais intrigante foi ele anun-


ciar que vai atacar e antecipou os al-


vos: “Grande parte da mídia, chefes


do Legislativo e alguns governado-


res”. O mundo está em guerra contra
o novo coronavírus, mas o presiden-

te brasileiro abre uma guerra particu-


lar contra instituições e críticos.


Com o autoisolamento do presi-


dente, são os ministros Mandetta e


Paulo Guedes, além de Maia, Alco-


lumbre e Dias Toffoli, do STF, que


vão ter de segurar a onda, ou o tsuna-


mi. Mandetta sobrevive bem, mas o


conceito de Guedes já foi melhor e o


dos demais vem sendo sistematica-


mente atingido pelo presidente, seu


entorno e a tropa bolsonarista. Lo-


go, salve-se quem puder!


E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


O mundo em guerra contra o


coronavírus, mas Bolsonaro


mira seus inimigos particulares


ELIANE


CANTANHÊDE


Paula Reverbel


Pedro Venceslau


A deputada estadual Janaina


Paschoal (PSL-SP), uma das


autoras do pedido de impea-


chment de Dilma Rousseff e


que chegou a ser cotada para


ser vice na chapa de Jair Bol-


sonaro em 2018, criticou on-


tem a participação do presi-


dente em ato contra o Con-


gresso e o Supremo Tribunal


Federal, e defendeu sua re-


núncia. Outro signatário do


impeachment da petista, o ju-


rista Miguel Reale Júnior tam-


bém reprovou o comporta-


mento de Bolsonaro e afir-


mou que uma junta médica


precisa avaliar a sanidade


mental do presidente.


No domingo, Bolsonaro igno-


rou a pandemia do coronavírus,


deixou o isolamento recomenda-


do pelos médicos e foi a ato em


Brasília. Médicos ouvidos pelo


Estado disseram que o presiden-


te errou ao expor manifestantes


ao risco de contaminação (caso


esteja com o vírus incubado); ao


não se proteger e ao ter contato


com uma aglomeração que pode


incluir pessoas infectadas; e ao


não dar o exemplo à população


de que a orientação de evitar mul-


tidões deve ser levada a sério.


“O que ele (Bolsonaro) fez on-


tem (domingo) é inadmissível, é


injustificável, é indefensável”,


disse Janaina durante discurso


na Assembleia Legislativa de


São Paulo. “Crime contra a saú-


de pública. Desrespeitou a or-


dem do seu ministro da Saúde.


Esse senhor tem que sair da Pre-


sidência da República”, discur-


sou a deputada, que é advogada.


“Eu me arrependi do meu voto.


As autoridades têm que se unir


e pedir para ele se afastar, não


temos tempo para um processo


de impeachment.”


Segundo ela, “quando as auto-


ridades têm o poder e o dever de


tomar providências para evitar


um resultado danoso, e assim


não procedem, elas respondem


por esse resultado”. “Isso é ho-


micídio doloso”, disse. “Como


um homem que está possivel-


mente infectado vai para o


meio da multidão?”


Em 2018, Janaina, então apoi-


adora de Bolsonaro, foi a depu-


tada estadual mais votada da


história da Assembleia Legisla-


tiva do Estado de São Paulo,


com mais de 2 milhões de votos.


Na quinta-feira passada, a de-


putada já havia batido de frente


com o governador João Doria


(PSDB) por causa do avanço do


novo coronavírus – o tucano ain-


da não tinha suspendido a reali-


zação de eventos públicos com


mais de 500 pessoas.


Nas redes sociais, o deputado


federal Eduardo Bolsonaro


(PSL-SP) rebateu a parlamen-


tar. “São 57.796.986 de brasilei-


ros que votaram contra o siste-


ma e a favor de Jair Bolsonaro. A


senhora tem todo o direito de


se arrepender. Mas nunca se es-


queça: a vontade do povo é (e


continuará sendo) soberana.”


Exame. Ex-ministro da Justiça


no governo Fernando Henri-


que Cardoso, Reale Jr. disse ao


Estado que Bolsonaro deve pas-


sar por um teste de sanidade


mental. “Seria o caso de subme-
tê-lo a uma junta médica para

saber onde está o juízo dele. O


Ministério Público pode reque-


rer um exame de sanidade men-


tal para o exercício da profis-


são. Bolsonaro também está su-


jeito a medidas administrativas


e, eventualmente, criminais. As-


sumir o risco de expor pessoas a


contágio é crime”, afirmou.


Segundo Reale, a participa-


ção de Bolsonaro no ato de do-


mingo fere a legislação que regu-


lamenta as ações para enfrentar


uma pandemia. O ex-ministro


não defendeu, porém, o impea-


chment do presidente. “É um


processo muito doloroso.”


Vinícius Brito


ESPECIAL PARA O ESTADO / RECIFE


Um manifestante de 21 anos,


que participava de ato em favor


do presidente Jair Bolsonaro, no


Recife, foi preso no domingo


por desrespeitar determinação


do governo estadual. Na véspe-


ra, a gestão de Pernambuco ha-


via publicado decreto proibindo


em eventos com mais de 500 pes-


soas, justificando a medida co-


mo prevenção ao avanço do co-


ronavírus no País.


Um homem de 57 anos tam-


bém foi autuado por desacato


em tentativa de invasão à delega-


cia. Ambos – cujas identidades


não foram reveladas – foram libe-


rados após assinarem um Ter-


mo Circunstanciado.


No Twitter, o deputado


Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)


comentou o caso. “Prender um


cara porque estava segurando
uma plaquinha? Já sei que vão

falar do coronavírus”, afirmou


o deputado. “Mas o corona só


se pega em manifestação ou em


estádio e ônibus também? Re-


volta seletiva do governador? É


o Estado acima das liberdades.


Se isso não é fascismo eu não sei


o que é.”


A Polícia Civil de Pernambu-


co afirmou, em nota, que cum-


pre recomendação de autorida-


des sanitárias e que “não há


qualquer avaliação da orienta-


ção ou motivação do protesto


em questão” sobre os manifes-


tantes autuados.


Janaina defende renúncia de Bolsonaro


Ao menos onze veículos associa-


dos à Associação Nacional de


Jornais (ANJ) liberaram o aces-


so gratuito para não assinantes


a conteúdos sobre o novo coro-


navírus. A iniciativa visa comba-


ter a onda de informações fal-


sas sobre a doença, dando aos


leitores fontes confiáveis de no-


tícia. Estado , O Globo , Folha de


S.Paulo e Grupo RBS foram al-


guns dos jornais que liberaram


o conteúdo.


Parte da desinformação so-


bre o coronavírus foi observada


em um grupo especializado em


fake news do Ministério da Saú-


de. Em um mês e meio, o grupo


analisou mais de 8 mil mensa-


gens sobre a doença que circu-


lam nas redes sociais – e detec-


tou que 85% eram falsas.


“Nos momentos graves, se


comprova ainda mais o valor da


informação responsável e preci-


sa. Os jornais já ajudaram o Bra-
sil a enfrentar e superar muitas

crises, e o farão de novo neste


momento”, afirma o presidente


da ANJ, Marcelo Rech.


Além de liberar o acesso de to-


do o conteúdo sobre o tema des-


de a quinta-feira passada, o Esta-


do lançou um boletim diário so-


bre os principais acontecimen-


tos da crise. Também foi criado


um grupo no Facebook em que


especialistas e jornalistas vão ti-


rar dúvidas de internautas. Ou-


tra ação foi a criação de um pdf


com orientações sobre o vírus


para ser compartilhado em re-


des sociais como o WhatsApp.


No Recife, manifestante


é preso por estimular ato


Salve-se quem puder!


Suspeita de covid-


coloca governador de


MG em isolamento


A


pandemia do novo coronavírus é o


maior desafio global desde a crise


financeira de 2008 e tem desafiado


governos de várias ideologias. A linha que
os divide não é direita x esquerda, nem

democracia x ditadura, mas que autorida-


des seguem as evidências científicas e


quais as rejeitam em nome de suas visões


idiossincráticas de mundo ou impulsos


de conveniência.


O presidente do Brasil optou pela cor-


rente populista que se recusa a agir segun-


do as melhores práticas aprendidas a du-


ras penas pelos países que primeiro sofre-


ram a pandemia. Suas declarações negan-


do a gravidade do problema, responsabili-


zando a imprensa e participando de mani-


festações que arriscam impulsionar a difu-


são da doença o colocam no patamar mais


raso e irresponsável das respostas globais.


A polarização vivida em vários países do


mundo leva muitos cidadãos à tentação de


culpar seus adversários ideológicos por


tudo que dá errado em meio à pandemia.


Mas, no campo conservador, há enorme


distância que separa as atitudes firmes e


equilibradas de Angela Merkel (Alema-


nha) do comportamento errático de Do-


nald Trump (EUA).


À esquerda, observam-se igualmente


grandes diferenças entre a responsabilida-


de de Pedro Sánchez (Espanha) ou Giusep-
pe Conte (Itália) e a negligência de López

Obrador (México). Ou a tragédia anuncia-


da que será a pandemia na Venezuela de


Nicolás Maduro.


O Brasil é maior do que seu presidente.


O País é também o Sistema Único de Saú-


de, em construção com tantos sacrifícios


desde a redemocratização. É a ação do


Congresso em busca de soluções, as ações


de muitos governadores e prefeitos e o es-


forço da equipe econômica em encontrar


recursos e elaborar pacotes de estímulo.


]


DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA E PROFESSOR DE

RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Deputada se diz arrependida de ter votado nele; Reale Jr., outro autor do impeachment de Dilma, pede exame de ‘sanidade’ do presidente


l ‘Juízo’


Apesar de pandemia, democratas mantêm primárias em quatro Estados. Pág. A8 }


Jornais liberam acesso


contra notícias falsas


Decreto estadual proíbe


evento com mais de 500


pessoas; polícia diz que


seguiu determinação de


entidades sanitárias


lO governador de Minas Gerais,


Romeu Zema (Novo), disse on-


tem que está em isolamento en-


quanto aguarda o resultado de


seu exame para coronavírus. Ele


chegou a cancelar uma coletiva


de imprensa prevista para on-


tem. Pelas redes sociais, o gover-


nador mineiro informou que teve


contato com uma pessoa que re-


cebeu resultado positivo para


covid-19 na última quinta-feira.


Para Zema, as dificuldades im-


postas pelo alastramento do co-


ronavírus representam “o que
talvez seja a maior crise na saú-

de das últimas décadas”. Segun-


do o Ministério da Saúde, Minas


Gerais tem cinco casos confirma-


dos de coronavírus. / GREGORY


PRUDENCIANO

Polarização no mundo


leva à tentação de se


culpar adversários


]


ANÁLISE: Maurício Santoro


ANDRE DUSEK/ESTADAO-8/6/

Advogados. Miguel Reale Junior e Janaina Paschoal no Senado em 2016, durante processo de impeachment de Dilma


“Esse senhor tem que sair
da Presidência da

República. Deixa o Mourão,


que entende de Defesa.


Como um homem que está


possivelmente infectado vai


para o meio da multidão?”


Janaina Paschoal


DEPUTADA ESTADUAL (PSL-SP)

“Seria o caso de submetê-lo


a uma junta médica para


saber onde está o juízo dele.


Assumir o risco de expor


pessoas a contágio é crime.”


Miguel Reale Junior


JURISTA

Ao menos 11 veículos


abrem seus conteúdos


para orientar população;


ministério aponta risco


com desinformação

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