REVISTA VOO LIVRE - EDIÇÃO 28 - NOVEMBRO DE 2022

(MARINA MARINO) #1

Quandoentrei nocarrohátantosanos, levandocomigoapenas odocumentocarcomidopor


traçaseasroupasdocor po,tinhaacertezadequenuncamaisvoltariaàquelelugar.Acertidãode
nascimento amarelada e dobrada em quatro partes, única herança de um mundo desconhecido,


simbolizavaevidênciasdeumavidadementiras.Aquelafuganãopremeditadaeraumaetapaque
sefechavanacertezadequenadamaisseriacomoantes.


Umapartedemimhaviasedeteriorado.Outraparte,aindaintacta,pedia-meumasegunda
chance,umrecomeço.Maseunãosabiacomoretornar.Asmarcasdeixadasemminhaalmaainda


memachucavam.Eununcaconseguiesquecer.
Comasmãosnacintura,MariaClaraaindameencara:
—Vaificaraí,semdizernada? Maisumaveztuvaifugir?
Não.Eunãoestoufugindo.Estoubuscandoforçasparadararespostaqueelatantoespera.


Rodrigo tambémcontinuameolhando.Aocontrário demim, parecenãodar importânciaacoisas
tãoantigas.Talveztenhaperdoado—nãosei.


—TuquerfazercomMariaClaraomesmoquefizeramcontigo?
—Elemeinstiga.
—Não.Eunãoqueroenãovoucometercomaminhafilhaosmesmoserrosquecometeram
comigo.—Levantodamesasemdizernenhumapalavra.Douumavoltapelacasa,secoasminhas


lágrimasetomoadecisãoquedaráumfimamaisumciclo.


Abrilde 1985
Acasacheiaanunciavamaisumtradicionalchurrascodedomingo.Oshomensmaisvelhos,

dividindoosofácomosjovens,revezavam-seentreachurrasqueiraeasaladeestar.Esbarrandonas
portas, tropeçavam nas mesas e cadeiras: moviam-se apressados. Contemplavam a transmissão


coloridadonovoaparelhodetelevisãodeEmílio:dalisurgiriaumaboaoumá notícia,capazde
alterarosseus ânimosnaqueledia.De vezemquando umdelessubiaemcimadotelhadopara


direcionarmelhoraantena.Aescadademadeira,escoradanaparedeexternadacasa,aguardava
eventuaisnecessidades—ninguémqueriaassistiraumaimagemchuviscada.


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