REVISTA VOO LIVRE - EDIÇÃO 28 - NOVEMBRO DE 2022

(MARINA MARINO) #1

Os Delírios de Narciso


Nasci nas ranhuras da montanha,


Cresci nelas como um arbusto raquítico e seco,


Minhas folhas, que são poucas


Experimentaram o vento de todos os lugares,


Pois sou o filho pródigo da fuga


O inconsolado, o peregrino, o inconstante


De olhos enormes e boca silenciosa como a


noite.


Filho da loucura do crepúsculo dos Deuses,


Observo tudo de um monte íngreme, terrível.


Meus olhos -são os olhos de Deus;


E minhas mãos, sozinhas, ergueram estátuas


Maiores que as do próprio Egito formidável.


Em mim, feneceram milhões de Afrodites


Que não encontraram, no rosto de Narciso, o


amor.


Fui o verdugo e suicida que fez do sonho a sua


imagem!


Que de lembranças vagas e esparsas enfim


Da inexistência, construiu o seu reflexo.


Aquele que em um dia de sol e de suor galgou a


torre


Que continha, em si, a insônia de uma vida.


Solitário como um abismo belo, intratável,


Pretensioso como um porco, eu.


(Do livro “Rumo ao Âmago da Própria


Voz)


Porque o tempo não volta

Porque o tempo não volta
É que continuamos os mesmos.
Se houvesse um trem mágico
Que fosse diretamente a nossa infância!
Se ele reparasse cada pequenina
E dolorosa desilusão de menino!
E se ele curasse a chaga de tudo
O que não sendo feito,
Impede que algo façamos!
Comeríamos o presente com o maior gosto do
mundo
E se lembrássemos (por acaso) do passado
Seria apenas como um sonho louco e feliz.
Ah que belo conto de fadas seria!

Mas nunca acreditamos em fadas, meu amigo.
Eu (o homem) e tu (o menino)
Sempre fomos um só quando choramos
E sempre estivemos sozinhos
Pois o mundo jamais nos compreenderia.
Eu chorando a tua ausência
E tu (meu fantasma) o teu futuro!
Porque o tempo não volta
É que continuamos os mesmos.

( Do livro Poemas Esparsos; e também
incluído no livro A Melancolia )
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