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B6 Economia QUARTA-FEIRA, 18 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Pandemia: nova realidade mundial
S
ão inúmeras as questões sobre o coro-
navírus. Dentre elas, qual o impacto da
pandemia no setor imobiliário.
É esperado um descompasso entre as atuais
relações negociais. Todavia, é importante ob-
servar que os imóveis sempre foram a princi-
pal reserva de valor em tempos de crise, sejam
elas de cunho político, econômico ou saúde. E
isso se pode comprovar olhando a história do
último milênio. E agora não será diferente.
A provável diminuição da Selic, tornan-
do os juros dosfinanciamentos imobiliários
ainda menores, pode representar um incen-
tivo para os adquirentes de imóveis que, por-
ventura, possam temer uma recessão global.
Um aspecto importante a ser levado em
conta é a possibilidade de atritos entre clien-
tes e fornecedores em virtude de eventual fal-
ta de insumos ou desrespeito aos prazos de
entrega, uma vez que existirá um problema
de oferta, não de demanda.
Embora preocupantes, essas questões se-
toriais se mostram pequenas diante do que
deverá acontecer em âmbito global. Vivemos
uma nova realidade, uma nova experiência.
Em tempos de redes sociais e conectividade
geral, a pandemia adquiriu proporções incal-
culáveis. E as relações comerciais e de valor já
estão mudando.
A história humana registra diversas pan-
demias. A mais devastadora delas foi a Peste
Negra, cujo auge se deu entre 1346 e 1353. Es-
tima-se que somente no continente europeu
a doença dizimou um terço da população.
Esta pandemia, assim como a Gripe Espa-
nhola, a Gripe Aviária, Gripe Suína e outras
(todas elas devastadoras), determina novos
padrões de comportamento, notadamente no
campo da higiene e nos avanços da medicina.
Sistemas políticos e econômicos evoluíram.
Alguns, porém, não deram a devida aten-
ção ao sanitarismo. Daí não ser uma coin-
cidência serem eles focos constantes de
contaminação. E mesmo em nosso País, tão
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Jornalista Responsável: Maria Silvia Carneiro - MTb - 19.466 | Ano 38 | Nº 1967 | 18 de março de 2020
Mercado de empreendimentos corporativos começa a reagir – Matéria de capa da Revista Se-
covi-SP mostra que setor deve enfrentar descompasso entre oferta e demanda, pressionando
valor das locações. Leia em w w w.revistasecovi.com.br.
Basilio Jafet *
Esperemos que
os governantes
sejam capazes
de impedir
retrocessos
nas relações
intercontinentais
*Presidente do Secovi-SP
carente de saneamento básico, temos campo
fértil para o surgimento de epidemias.
O atraso no cronograma político e o adia-
mento de reformas imprescindíveis, que tra-
riam recursos para o desenvolvimento nacio-
nal, vão retardar investimentos e criação de
novos empregos.
No caso da atual pandemia, preocupa notar
que os países não uniram esforços para cole-
tivamente enfrentar a doença. Pelo contrário.
As primeiras medidas adotadas foram cance-
lamento de voos e fechamento de fronteiras,
como que decretando: “agora é cada um por
si”. Com tantos recursos de comunicação re-
mota, não houve diálogo suficiente entre as
nações em busca de soluções conjuntas.
Isso significa um passo atrás na globaliza-
ção, e as consequências geopolíticas serão
imprevisíveis. De certo, apenas o acirramen-
to de tensões, a volta da xenofobia e um mun-
do bem diferente daquele que conhecíamos
até o início deste ano.
Esperemos que os governantes do planeta
sejam capazes de conter a epidemia e impe-
dir retrocessos nas relações intercontinen-
tais, mantendo livre mercado e abertura co-
mercial. Somente assim evitaremos que essa
pandemia tenha como consequência uma
crise social sem precedentes.
Informe Publicitário
ENTREVISTA
Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON
Os bancos centrais não conse-
guirão resolver a crise econô-
mica global causada pelo avan-
ço da pandemia de coronaví-
rus, diz Barry Eichengreen,
economista e professor da Uni-
versidade da Califórnia em
Berkeley. Em entrevista ao Es-
tado, o economista afirma que
governos terão de usar o espa-
ço fiscal para injetar gasto pú-
blico nas áreas em que o gasto
privado está paralisado. “Pes-
soas pararam de gastar, empre-
sas pararam de consumir e pes-
soas vão em breve parar de re-
ceber salários”, diz. Para ele, o
Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI) deve oferecer ajuda
para países sem espaço fiscal.
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
lA crise de 2008 foi em torno
dos mercados financeiros, en-
quanto esta começa por conta de
uma questão de saúde. Quais são
as principais diferenças em ter-
mos de soluções para enfrentar
este momento?
Quem ainda estiver perguntan-
do se isso é uma crise está
atrás da curva. A principal dife-
rença desta vez é que temos
uma crise de saúde que não po-
derá ser resolvida por políti-
cas fiscais e monetárias ape-
nas. Nos Estados Unidos, te-
mos escassez de locais para
realizar testes. Estamos pres-
tes a ter uma escassez severa
de leitos hospitalares e equipe
médica. Ainda é útil que os
bancos centrais forneçam li-
quidez e que os governos ofe-
reçam apoio fiscal para restrin-
gir as claras e graves repercus-
sões na produção e consumo
de bens e serviços, mas a crise
de saúde se sobrepõe e o fato
de que nós nos EUA, em parti-
cular, estamos mal posiciona-
dos para resolvê-la são compli-
cações adicionais.
lQue tipo de política econômica
é a mais efetiva neste momento?
Os bancos centrais podem for-
necer a liquidez necessária pa-
ra os mercados funcionarem e
dar aos bancos recursos e in-
centivos para manter as linhas
de crédito. Os governos po-
dem oferecer transferência
emergencial de dinheiro a indi-
víduos que estão em quarente-
na ou em casa cuidando das
crianças que estão sem aulas.
Na prática, isso significa atual-
mente todos os americanos.
lQual sua avaliação sobre o cor-
te de juros do Fed (o Banco Cen-
tral americano) anunciado no do-
mingo?
O Fed fez tudo o que poderia:
prover liquidez para garantir
que os mercados continuem a
operar, se comprometendo a
fornecer liquidez aos bancos
por outros canais, se necessá-
rio, e apoiando o mercado de tí-
tulos garantidos por hipotecas
por meio da compra de ativos.
Isso deve evitar que o sistema
bancário pare de funcionar, o
que evita agravar os choques
de oferta e demanda que afe-
tam o setor não financeiro da
economia. Mas é tudo o que
um banco central pode fazer.
Um banco central não conse-
guirá resolver o problema do
setor não financeiro da econo-
mia, onde as pessoas pararam
de gastar, empresas pararam
de produzir e pessoas irão em
breve parar de receber salá-
rios. Para resolver isso, o Con-
gresso precisa usar a política
fiscal para substituir o gasto
privado, que parou, pelo gasto
público, e para garantir que as
pessoas recebam seguro-de-
semprego, pagamento por
doença, cupons de alimenta-
ção e assim por diante.
lComo países emergentes, e
especificamente o Brasil, podem
responder a esses desafios?
Os mercados emergentes vão
enfrentar preços baixos de
commodities e baixa deman-
da, conforme Europa, EUA e
Japão caminham para a reces-
são. Países com espaço fiscal e
monetário devem usá-lo. O
Fundo Monetário Internacio-
nal prometeu recursos finan-
ceiros livres de condições para
mercados emergentes afeta-
dos pela pandemia. São US$
50 bilhões até agora – isso não
é suficiente.
lQual é a resposta desejada en-
tão de organizações multilaterais
e economias dos diferentes paí-
ses?
Neste momento, precisamos
de linhas de swap do Fed para
outros países, incluindo mer-
cados emergentes, para man-
ter o crédito de comércio flu-
indo, já que a maior parte do
crédito comercial é em dóla-
res. Os países precisam usar a
política fiscal em grande esca-
la para apoiar a demanda, e o
FMI precisa providenciar re-
cursos financeiros para paí-
ses sem espaço fiscal.
lO presidente Donald Trump
restringiu os voos vindos da Euro-
pa, em uma medida surpreenden-
te para líderes europeus. Muito
se fala na necessidade de coorde-
nação global para solução da
crise. O sr. vê esforços de coope-
ração internacional para conter a
pandemia?
A ação do Trump foi estúpi-
da. O vírus já está nos EUA.
Imaginar que poderemos con-
ter o vírus ao impedir as via-
gens é sem sentido. Não noti-
ficar nossos ‘amigos’ euro-
peus causa danos desnecessá-
rios para as perspectivas de
cooperação.
lMas, de uma maneira mais am-
pla, ações isoladas como a de
Trump são o novo normal? Qual
o risco da falta de coordenação
entre os países?
A falta de coordenação signifi-
ca proibições de viagem em
casos que não serão benéfi-
cos e apenas causam caos. Sig-
nifica a relutância em compar-
tilhar informações sobre os
casos, causas e curas em ra-
zão da falta de confiança. Sig-
nifica não exportar máscaras
e respiradores aos lugares
que mais precisam.
lO governador de Nova York
tem pedido que o governo Trump
se comprometa com ordens para
que estabelecimentos em todo o
país fechem as portas, para que
iniciativas não sejam limitadas
em nível estadual.
Sim, o governo federal precisa
fazer mais para coordenar as
políticas de distanciamento so-
cial e o fechamento de negó-
cios. Fechar as portas do co-
mércio em Nova York, mas
mantê-los abertos em New Jer-
sey, por exemplo, não adianta
nada quando as pessoas po-
dem livremente cruzar as divi-
sas estaduais. O governo e o
Congresso não fizeram nada
para explicar como eles vão
bancar um aumento emergen-
cial da capacidade hospitalar e
apoiar os setores da economia
devastados pela crise – o mais
óbvio é o setor aéreo, mas há
muitos outros. Uma agência
de financiamento de saúde é
uma possível solução.
lO sr. tem defendido publica-
mente maior autonomia das auto-
ridades públicas de saúde. Pode
explicar melhor essa ideia?
Eu apoio a ideia veiculada pelo
James Galbraith e por Michael
Lind em um artigo no Boston
Globe de criar a Health Finance
Corporation liderada por um
especialista independente em
saúde pública e com um conse-
lho, nomeado pelo presidente,
com capacidade para emitir tí-
tulos, construir hospitais de
emergência, financiar desen-
volvimento de vacinas, pagar
para médicos saírem da apo-
sentadoria, aumentar os fun-
dos de saúde para os Estados.
Outros países devem fazer o
mesmo.
lSe não houver coordenação
global e disponibilização de re-
cursos, para onde estamos cami-
nhando?
Nenhum lugar bom.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
‘Ação de BCs é limitada, é
preciso usar política fiscal’
A pandemia do novo corona-
vírus praticamente acabou
com a possibilidade de a recu-
peração econômica brasilei-
ra - lenta há três anos - ganhar
tração. Nesta semana, várias
instituições financeiras revi-
ram para baixo as previsões
para o Produto Interno Bruto
(PIB) do País este ano. Al-
guns analistas já preveem até
a possibilidade de uma retra-
ção na atividade produtiva.
A LCA Consultores foi a pri-
meira a esperar queda do PIB
em 2020, em revisão feita on-
tem. O que antes era o cenário
mais pessimista da consultoria
passou a ser o mais provável,
com variação negativa de 0,4%.
Antes, via expansão de 1,7%.
Quem também passou a pre-
ver contração do PIB em 2020
foi a Itaú Asset. A expectativa
agora é de retração de 0,3%, se-
gundo o quadro de estimativas
no site da instituição.
O Credit Suisse passou, on-
tem, a prever um PIB que flerta
com o negativo. A projeção do
banco caiu de 1,4% para 0%. Em
relatório a clientes, o banco afir-
mou que o cenário base é com-
patível com uma recessão no
primeiro semestre do ano, com
retração de 0,1% no primeiro tri-
mestre e de 1,6% no segundo tri-
mestre.
A consultoria Tendências,
por exemplo, que havia reduzi-
do sua projeção de crescimento
da economia de 2,1% para 1,6%
duas semanas atrás, voltou a tra-
balhar em uma nova estimativa.
O novo número para 2020 ain-
da não está fechado, mas 1% pas-
sou a ser o teto, segundo a eco-
nomista-chefe, Alessandra Ri-
beiro.
“Não temos um número fe-
chado ainda, mas não tem nada
muito animador. Dependendo
da hipótese usada nos exercí-
cios que fazemos, o Brasil pode
ter um PIB mais próximo de
0,5%, 0,6%. Mas, em casos mais
dramáticos, não dá para descar-
tar um PIB negativo”, afirmou.
O Santander, por sua vez, revi-
sou para baixo as projeções de
crescimento em 2020 e 2021, de
2% para 1% e de 2,5% para 2%,
respectivamente. “Trabalha-
mos com um cenário onde o im-
pacto do surto começa a se dissi-
par no segundo trimestre. Isso
vai ficando mais visível no ter-
ceiro trimestre e, no quarto tri-
mestre, voltamos à normalida-
de”, afirmou o economista do
banco Mauricio Oreng.
O Instituto Brasileiro de Eco-
nomia (FGV Ibre) também está
revendo sua estimativa de cres-
cimento, que antes era de 2%
para 2020. Segundo a pesquisa-
dora Luana Miranda, no cená-
rio mais positivo, a economia
brasileira repetiria o resultado
de 1,1% registrado no ano passa-
do. “Isso considerando que as
atividades voltem ao normal no
terceiro trimestre como se na-
da tivesse ocorrido anterior-
mente”, disse ela. O cenário
mais pessimista do Ibre é um
PIB de 0%. Nesse caso, haveria
efeitos da crise ainda no quarto
trimestre.
Anteontem, a consultoria
MB Associados já havia revisa-
do para baixo sua estimativa, de
1,7% para 1%. O Banco Fibra,
por sua vez, reduziu de 1,8% pa-
ra 0,8%. / LUCIANA DYNIEWICZ,
ANDRE ITALO, CICERO COTRIM,
KARLA SPOTORNO E THAIS
BARCELLOS
Trump quer dar cheque de US$ 1 mil para cada americano. Pág. B8}
Para economista, FMI
deveria oferecer ajuda
aos países que não têm
espaço fiscal para
combater a atual crise
Barry Eichengreen, economista e professor da Universidade da Califórnia
● Previsão das instituições para alta do PIB neste ano
EXPANSÃO DERRETE
EM PORCENTAGEM ANTES AGORA
CREDIT SUISSE BANCO FIBRA MB ASSOCIADOS SANTANDER
1,4
1,8
1,7
2,0
0
0,8
1,0 1,0
INFOGRÁFICO/ESTADÃO
Analistas já preveem retração do PIB
Pandemia de coronavírus está levando especialistas a revisarem suas contas; consultoria derrubou previsão de 1,7% para queda de 0,4%
Foco. Crise pede coordenação global, alerta Eichengreen
JF DIORIO/ESTADÃO - 19/5/2011