Caderno 2
Julio Maria
As pessoas estão isoladas, mas
não sozinhas. Ainda que com pre-
juízo estimado em R$ 34,5 bi para
um cenário previsto de pelo me-
nos três meses de paralisação do
setor artístico em SP, artistas
que pensam assim tomam atitu-
des para não deixar a música pa-
rar. Mais simbólicos do que estra-
tégicos ou artísticos, pocket
shows com material inédito co-
meçam a ser feitos e gravados pe-
los músicos em casa. Após algu-
mas iniciativas isoladas de no-
mes como Teresa Cristina e Ro-
berta Sá, os primeiros movimen-
tos organizados em bloco são tes-
tados nesta semana.
Em São Paulo, a Casa de Fran-
cisca, do empresário Rubens
Amatto, vai fazer algo sem prece-
dentes. O artista Kiko Dinucci,
compositor, violonista e guitar-
rista das bandas Metá Metá e Pas-
so Torto, estava com shows agen-
dados para lançar seu disco solo
Rastilho nesta quarta, 18, e quin-
ta, 19. Com a interrupção da pro-
gramação por causa das ameaças
de contágio pelo coronavírus,
seu show seria adiado não fosse
pela ideia de Rubens: fazer o lan-
çamento de portas fechadas e câ-
meras ligadas. Rastilho, mesmo
cheio de participações, como as
de Ogi, Juçara Marçal e Ava Ro-
cha, terá versão voz e violão para
apresentação na quinta, 19, às
21h30, direto do palco com trans-
missão pelo Facebook da Casa de
Francisca. “Para preservar as pes-
soas, decidimos ter só o Kiko no
palco e eu fazendo a gravação”,
diz Rubens. O restaurante ficará
fechado e sem funcionários além
do proprietário, que deve operar
entre duas e quatro câmeras.
Rubens vai convidar outros ar-
tistas que tenham formatos para
esse tipo de transmissão. O show
da Orquestra Mundana Refugi,
de Carlinhos Antunes, por exem-
plo, seria perfeito como mote na
noite de ontem, mas os riscos de
contaminação aumentariam por
ser um grupo grande. O show foi
adiado. “Por ser formado por
músicos refugiados de vários paí-
ses, esse era um ótimo momen-
to, já que todos nos sentimos um
pouco refugiados em nossas ca-
sas.” A cantora Cida Moreira, um
dos shows que não devem mais
ocorrer na data prevista, deve ser
convidada para fazer como Kiko.
Ao ser procurado pela reporta-
gem para comentar sobre o isola-
mento dos artistas neste momen-
to, o pianista e compositor Mar-
cos Valle surpreendeu ao aten-
der o telefone de sua casa, no Rio:
“Acabei de ser procurado para fa-
zer algo nesse sentido. O pessoal
me ligou faz 20 minutos para eu
pensar em um show de 30 minu-
tos aqui em casa e transmiti-lo”.
Valle teve seu show de lançamen-
to do disco Cinzento cancelado,
mas fará um pocket show em seu
estúdio caseiro a pedido da dupla
Beto Feitosa e Claudio Lins, que
organiza uma espécie de festival
com shows pela internet para
tempos de confinamento. A in-
vestida se chama Eu Fico em Ca-
sa BR (#festivaleuficoemcasabr)
e terá shows de 12 artistas até ago-
ra confirmados, entre quinta, 19,
e domingo, 22, de 18h às 21h. To-
da a escala de apresentações está
disponível no site de Beto, o ziri-
guidum.com.br. Os shows serão
exibidos também pelas redes so-
ciais dos artistas.
“Vou armar meu Fender Rho-
des (teclado) e participar sim. É
um momento em que podemos
fazer coisas boas, levar amor pa-
ra as pessoas. Vi o que a Roberta
Sá fez, tocando seu ukulele, e
achei demais. Conversando, can-
tando, sem falar muito de políti-
ca. Nesse momento, é o que pode-
mos fazer”, diz Valle. Feitosa, res-
ponsável por um site com 24
anos, o Ziriguidum, conta que os
shows serão menores, mas mui-
tos com um conteúdo ainda não
mostrado pelos artistas. “A ideia
é essa mesmo, que eles transmi-
tam com o que têm em casa.”
Feitosa investiu em nomes do
Rio. Entre seus artistas confirma-
dos até então estão Claudio Lins,
seu pai Ivan Lins, o violonista
João Camareiro, a sambista Ana
Costa, a compositora e cantora
Joyce Moreno, a atriz e cantora
Layla Garin, o também violonis-
ta Zé Paulo Becker e o próprio
Marcos Valle.
Não há uma pretensão de se
monetizar as iniciativas, tanto
de Beto quanto de Rubens. O
discurso dos dois discorre so-
bre a necessidade de se mostrar
que há como fazer algo mesmo
nesses dias de confinamento
responsável. No entanto, o mo-
mento traz uma segunda preo-
cupação. O tempo de suspen-
são de atividades nas casas de
shows pode levar algumas delas
ao fechamento. “A casa custa ca-
ro”, diz Rubens. “São 40 funcio-
nários, e o que se paga de impos-
tos é muito alto. Estamos na ex-
pectativa de que venham medi-
das dos poderes públicos, como
já houve em países como a Ale-
manha, para que casas como a
nossa não fechem. Não sabe-
mos se aguentamos muito tem-
po assim. Estamos fazendo as
contas e não sabemos se aguen-
tamos um mês assim.”
Paula Lavigne, que conseguiu
um feito raro no fragmentado
meio musical, que é o de organi-
zar um grupo de trabalho com o
movimento Procure Saber, diz
que o problema não serão os
cantores consagrados como
seu marido, Caetano Veloso.
“Caetano está em casa, aprovei-
tando para compor as músicas
de seu próximo disco. Tem 77
anos e uma carreira consolida-
da. O problema que preocupa é
uma cadeia do setor artístico e
das pequenas casas, dos peque-
nos artistas, assim como os téc-
nicos de som, roadies, seguran-
ças. Cantar em casa é bacana,
mas o que vai acontecer com es-
sa gente é o mais importante.”
Ela afirma ainda que não pen-
sa em pedir ajuda ao governo fe-
deral via sua representante da
Cultura, Regina Duarte. “Pra
quê? Não tenho nada contra Re-
gina e jamais vou falar mal de sua
pessoa, sou contra artistas fala-
rem mal de artistas, mas por que
vou pedir algo a uma mulher ali-
nhada a um presidente que pen-
sa como o Jair Bolsonaro?” Ela
afirma que um pedido de socor-
ro seria como levantar uma bola
para que Bolsonaro cortasse em
sua cabeça. “Posso imaginar ele
dizendo, depois de tudo o que
vem fazendo pelo setor cultural,
‘bem feito pra vocês’.”
Jabuti celebra
Adélia Prado
Prêmio homenageia a
poeta mineira e muda
regulamento em 2020
Pág. C4
Como ficam as casas de shows
com uma paralisação sem pra-
zo de retorno? O poder públi-
co pode entrar com socorro fi-
nanceiro como têm feito auto-
ridades em países como a Ale-
manha? Segundo o secretário
estadual de Cultura e Econo-
mia Criativa de São Paulo, Ser-
gio Sá Leitão, esse é o setor de
produção de conteúdo presen-
cial mais afetado pelo novo co-
ronavírus. “Fomos de 100 a ze-
ro em duas semanas. Estáva-
mos em um bom momento e
agora a expectativa é de que es-
sa situação dure pelo menos
mais três meses”, afirma.
Sá Leitão estima que vá ha-
ver uma perda nos negócios li-
gados à Cultura de cerca de R$
34,5 bilhões, o equivalente a
1.7% do PIB do Estado de São
Paulo. “E a economia criativa
estava em crescimento, esta-
mos em um momento dramáti-
co”, explica.
Sá responde a alguns ques-
tionamentos feitos por Ru-
bens Amatto, da Casa de Fran-
cisca (leia mais nesta página).
Afinal, pode sua secretaria aju-
dar os empresários nesse mo-
mento como, por exemplo,
abrindo mão de receber impos-
tos estaduais até suas recupe-
rações econômicas? “Os úni-
cos impostos estaduais que as
casas pagam são referentes às
mercadorias que elas vendem.
Se não vendem, não vão pagar.
No caso, os impostos são mais
municipais e federais.”
O secretário diz ainda que,
diferentemente do governo fe-
deral, o Estado não tem instru-
mentos que permitam emitir
moedas e títulos, os chamados
instrumentos anticíclicos.
“Não podemos ser fontes se re-
cursos.” Ainda assim, ele diz
algo que pode trazer uma boa
notícia ao setor: o governador
João Doria criou um grupo de
trabalho para recuperação eco-
nômica priorizando três seto-
res: cultura e economia criati-
va, turismo e viagens e comér-
cio e varejo. “Vamos fechar
um pacote de medidas na
próxima reunião desse grupo,
que será na quinta-feira. E va-
mos fazer o que for possível”,
acrescenta. / J.M.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
RUBENS AMATTO
Governo quer amenizar
perdas do setor cultural
Casa de Francisca. Shows online sempre que for possível
Virada Cultural de São Paulo é adiada para setembro. Pág. C4 }
FACEBOOK
PATRÍCIA ALVI
Segundo o secretário
estadual de Cultura, um
pacote de medidas será
anunciado na próxima
quinta-feira, dia 19
Marcos
Valle.
Fará pocket
show direto
de seu
estúdio
caseiro
Roberta Sá. A cantora organiza entradas ao vivo nas redes
Música. Artistas, produtores e casas de espetáculos
se organizam para apresentações caseiras; Casa de
Francisca fará 1ª transmissão de show com casa vazia
O show não
pode parar
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