O Estado de São Paulo (2020-03-18)

(Antfer) #1

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C4 Caderno 2 QUARTA-FEIRA, 18 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


LEANDRO


KARNAL


Central


do Brasil


(Brasil, 1998.) Dir. de Walter Salles,


com Fernanda Montenegro, Vini-


cius de Oliveira, Marília Pêra, Othon


Bastos, Matheus Nachtergaele.


Doutor Jivago/


Doctor Zhivago


(EUA, 1965.) Dir. de David


Lean, rot. de Robert Bolt, com


Omar Sharif, Julie Christie,


Geraldine Chaplin, Ralph Ri-


chardson, Klaus Kinski.


Um dos grandes filmes da histó-


ria do cinema brasileiro, vence-


dor dos Ursos de Ouro e Prata


(melhor atriz) em Berlim e indi-


cado para o Oscar. Dora e Josué.


A escrivinhadora sem ética da


Central do Brasil vira uma pessoa


melhor ao se ligar ao garoto que


perde a mãe e atravessa o País


em busca do pai.


TEL. CULT, 12H40. COLORIDO, 112 MIN.

Luiz Carlos Merten


Considerada o ponto baixo


da fase das superprodu-


ções do grande Lean, a


adaptação do romance de


Boris Pasternak foi o maior


sucesso de bilheteria do


diretor. Médico idealista,


protótipo do edipiano, apai-


xona-se por mulher de for-


te personalidade, no turbi-


lhão da Rússia revolucioná-


ria. Belas imagens na neve,


o tema (musical) de Lara,


tudo atraiu o público.


TEL. CULT, 18H35. COL., 191 MIN.

Bruna


Surfistinha


(Brasil, 2011.) Dir. de Marcus Baldi-


ni, com Deborah Secco, Fabiula


Nascimento, Cássio Gabus Mendes,


Drica Moraes, Cristina Lago.


M


estre Houaiss começa de-


finindo pelo sentido tipo-


gráfico: a placa de metal


que imprimirá imagens ou textos.


Depois, emerge o figurado: “frase


(frequentemente rebuscada) que


se banaliza por ser muito repetida,


transformando-se em unidade lin-


guística estereotipada, de fácil em-


prego pelo emissor e fácil com-


preensão pelo receptor”. Para os


franceses, o simpático acento agu-


do que fecha a pronúncia da vogal


e: cliché. São os pais da palavra.


A definição dicionaresca apre-


senta três eixos importantes para


entender o clichê e sua fortuna


crítica: é usado em demasia, é pre-


tensioso e ...comunica bem. A eficá-


cia e a facilidade do uso explicam o


sucesso. O público será mais feliz


se ouvir algo conhecido do que se


for desafiado com um termo novo.


Sempre haverá mais pessoas co-


muns que nos ouvem do que críti-


cos especialistas em originalidade


da linguagem. A banalidade triunfa


pela eficácia. Bordões animam tro-


pas. Slogans comunicam. O lugar-co-


mum é um lugar quentinho...


Pensei no termo em uma palestra


recente. Minha fala terminaria o en-


contro. O locutor, em voz pausada,


proclamou: “para encerrar nosso


evento com chave de ...” e o público


completou “ouro!”. Desfecho inevitá-


vel. A metáfora é ruim: o ouro seria


um péssimo material para uma chave.


Metal maleável, tornaria o uso difícil.


Não seria a exatidão metalúrgica ou a


falta de originalidade que embasa-


riam o uso, todavia a eficácia comuni-


cativa. Mais: todos conheciam, repeti-


ram em uníssono, houve empatia en-


tre mestre de cerimônias e público, e


o monocórdico realizou uma comu-


nhão sempre contagiante. Jamais fun-


cionaria “fechar com chave de ferro”


ou “lacrar com código alfanuméri-


co...”. Além do poder comunicativo, o


clichê serve como recurso retórico de


encerramento de discurso ou de tex-


to. Ele conduz a um fim inevitável,


como uma tradicional novela mexica-


na: a redenção da mocinha é sabida e,


não obstante, aguardada com ansieda-


de. Chegar ao local conhecido (um


falante mais culto diria um tropo) cos-


tuma trazer grande alegria.


O clichê é atemporal. No mundo da


eletricidade ou das forças nucleares,


dizemos que a empresa vai “a todo


vapor” como se estivéssemos em


uma fábrica do século 18. O que ainda


será movido pelo vapor? Com tantos


conflitos em curso e muito mais trági-


cos do que os clássicos, evocamos Ho-


mero ao tentar agradar “a gregos e


troianos”. Em mundo de glabros, “co-


locamos as barbas de molho”. Apesar


de bólidos espaciais poderem estar


navegando há muito tempo, falamos


de uma “carreira meteórica”. Fala-


mos que houve uma “sonora vaia”.


Existiria uma “discreta”? “Buhhh”,


bem baixinho, para que ninguém escu-


tasse? Cena patética. Quem vaiaria de


forma mínima? Pouca gente liderou


uma récua, mas todos já deram com


“os burros n’água”. De todos, o “viven-


do e aprendendo” talvez seja o pior,


pois diz tudo sem afirmar nada além


do gerúndio obsessivo. Sim, sempre


estamos vivendo e aprendendo e es-


quecendo e morrendo um pouco.


Uma pororoca irrefreável de jargões.


Há jornais que proíbem, em ma-


nuais de redação, pérolas do tipo “ca-


lor senegalês”, “tríduo momesco” ou


“coroar-se de êxito”. Reconheço: há


muita pompa no clichê e, igualmente,


muita força. Como resistir a sua for-


ça? Ele é sábio sem nada dizer, bem


arrumado sem originalidade, infalí-


vel contra o erro, bem-aceito. Quan-


do falo “era uma vez”, eu uso um lu-


gar-comum, óbvio, porém ele prepa-


ra o público e cria uma clima conheci-


do e esperado. O clichê é uma tenta-


ção suprema. Como introdução ou fe-


chamento, é inexcedível. O único de-


feito do clichê é... ser clichê.


O jogo termina em 7x1 e dois torce-


dores se contemplam. Nada resta por


dizer. Dor e humilhação nacional. Se


o vazio retórico se instalou, lá está


ele, rápido, certeiro e confiável. Nos-


so amigo desponta na conversa: “O


futebol é uma caixinha de surpresas”.


O que não seria? Casamento? Políti-


ca? Bebês? Mais curioso, usar a não


surpresa (o clichê) para caracterizar


o inesperado. O futebol surpreende.


A crônica sobre ele, raramente.


Estamos quase “condenados” ao


uso do clichê. Pode ser atenuado, par-


cialmente evitado, porém, como um


parente indesejável, ele surge de “ma-


la e cuia” (um clichê regional) a sua


soleira. A gíria ou o palavrão cum-


prem o desiderato do Eclesiastes: tu-


do tem seu tempo e sua hora. A volta


do recalcado, ele, o lugar-comum,


repara a rachadura da parede dis-


cursiva e aplaina o que faltava es-


crever ou dizer.


Fico em dúvida sobre dar um


exemplo final menos delicado, to-


davia divertido. Peço desculpas e,


se o dileto amigo e a iluminada ami-


ga forem muito sensíveis, advirto


que interrompam a leitura por


aqui. Se seguir, que o faça por “sua


conta e risco”. Tive um bom pro-


fessor de estilo e de escrita. Auste-


ro, evitava termos chulos e se pro-


nunciava de forma muito sóbria.


Um dia (talvez fosse cansaço, o sol


a pino ou o desgaste de material


das sinapses) ele ouviu uma répli-


ca de um aluno que escrevera “via


de regra”. “Por que o senhor ris-


cou de vermelho?” O mestre em-


pertigou-se, mexeu nos óculos, mi-


rou o infrator e disse de forma dire-


ta: “É uma expressão expletiva, na-


da acrescenta. Retire-a e verá que


não faz falta. Via de regra é vazia”.


Meu colega, mais rebelde do que


inspirado, redarguiu. Insistiu que


era bela e boa. Lançou nova investi-


da: “Não poderia deixar de ser ex-


pletiva?”. O professor desistiu dos


caminhos semânticos e disse:


“Sim, quando for vagina, aí ‘via de


regra’ será fática”. Se você não en-


tendeu logo, alegre-se. Nós só ri-


mos depois de um tempo. Manter


a esperança será um clichê?


O filme que o presidente Bolso-


naro combateu como aquilo


que o cinema brasileiro não


deveria ser. A jovem que sai de


casa e vira garota de programa


já contara sua história em blog


e livro best-seller. Se alguém


tinha dúvida de que Deborah


Secco era atriz, esse foi o filme


que mostrou que ela é ótima.


CANAL BRASIL, 22H10. COL., 109 MIN.

Filmes na TV


Eliana Silva de Souza


Tá complicado encarar uma


programação cultural fora de


casa, com tantos cancelamen-


tos, e tudo por causa da pande-


mia do coronavírus. Todo cui-


dado é pouco e as alternativas


são sempre bem recebidas. Pa-


ra fazer seus dias serem mais


animados, apesar desse mo-


mento complicado, e para


quem vai preferir ficar no acon-


chego de sua casa, vamos elen-


car algumas sugestões de fil-


mes para ser vistos no confor-


to do sofá. Prepare a pipoca e


vamos lá!


Entre novos e velhinhos,


muitas são as sugestões para


os amantes da telinha. Vamos


com sugestões da Netflix. Em


seu catálogo tem aquelas pro-


duções que ficam escondidas,


ou mesmo esquecidas. Vale


dar uma olhadinha.


Tem lá um filme chamado


The Revised Fundamentals of Ca-


regiving, de 2016, que é escrito


e dirigido por Rob Burnett. Pro-


dução tem como base obra de


Jonathan Evison, na qual o au-


tor se inspira em uma experiên-


cia pessoal. Benjamin (Paul


Rudd) sofre uma tragédia pes-


soale para de escrever, se isola,


mas vai ocupar seu tempo com


um curso para ser cuidador de


pessoas com deficiência física.


É aí que vai conhecer o jovem


Trevor Conklin (Craig Ro-


berts), que sofre de distrofia


muscular. A relação dos dois,


cheia de momentos emocio-


nantes e engraçados, os leva a


aprendizado mútuo.


Outro um pouco mais anti-


go, mas que tem uma pegada


divertida é Bem-vindo a Marly-


Gomont (2016), dirigido por


Julien Rambaldi. Clichês, sim!


Mas a história é legal, mostra a


dura batalha de um médico


Seyolo Zantoko (Marc Zinga),


recém-formado em Kinshasa,


capital do Congo, seu país de


origem. Ele aceita o convite


para ser o médico de uma pe-


quena cidade francesa. Essa


pode ser sua oportunidade de


ouro, mas é claro que a coisa


não será tão fácil. No entanto,


ele parte para sua aventura, em


busca de seu objetivo maior,


vai com a família, de mala e


cuia. Só que não tinha ideia de


todos os obstáculos que lhe


seriam impostos, tendo de su-


perar muitas barreiras financei-


ras e de preconceitos raciais.


Mais recente, Viver Duas ve-


zes, dirigido por Maria Ripoll,


também vem como uma histó-


ria bem emocionante. Emilio


(Oscar Martínez) percebe que


algo anda errado, ao passar por


consulta, é diagnosticado com


Alzheimer. É aí que ele e sua


família, encabeçados pela neta


Blanca (Mafalda Carbonell),


resolvem partir em busca do


seu amor de infância.


Um dos filmes mais novos


no catálogo da empresa é Tro-


co em Dobro, com o astro Mark


Wahlberg que interpreta um


ex-policial, que está saindo da


penitenciária. Rapaz é do tipo


problemático, mas daqueles


que não conseguem ver al-


guém em encrenca que logo


entra na briga para ajudar. Daí


a fama de desajustado. Terá ao


seu lado, em uma perigosa in-


vestigação, o lutador de MMA


Hawk (Winston Duke). Eles se


unem para proteger o amigo e


treinador de boxe Henry (Alan


Arkin). Ação é o que não falta,


até chega a lembrar outros da


mesma linha, mas vale confe-


rir, pura diversão.


Novos e velhinhos para conferir na Netflix


METRO-GOLDWYN-MAYER

DESTAQUE


PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS

NETFLIX

Aventura. Wahlberg e Duke se unem para uma boa briga


Virada Cultural


de SP é adiada


LEANDRO KARNAL ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS
E AOS DOMINGOS

A tentação do clichê


Maria Fernanda Rodrigues


O Prêmio Jabuti chega à sua 62.ª


edição com novas mudanças em


seu regulamento e a escolha da


poeta mineira Adélia Prado co-


mo a Personalidade Literária de



  1. Serão 20 categorias este


ano – foram 19 no ano passado. A


Câmara Brasileira do Livro, que


promove a premiação, excluiu a


categoria impressão por enten-


der que o Prêmio Fernando Pini,


da Associação Brasileira de In-


dústria Gráfica, já era suficiente.


A categoria Humanidades foi


dividida em duas: Ciências So-


ciais e Ciências Humanas. E foi


criada uma nova categoria, dedi-


cada a reconhecer o melhor ro-


mance de entretenimento do


ano, gênero que não tinha chan-


ce quando avaliado ao lado de


romances literários.


A inscrição do Jabuti 2020 foi


aberta ontem, 17, e segue até 30


de abril. Ela é feita quase exclusi-


vamente online – apenas os vo-


lumes inscritos no eixo livro,


que inclui as categorias capa,


ilustração e projeto gráfico, de-


vem ver enviados. Para as de-


mais categorias, os editores ou


autores mandam os arquivos


em PDF. Portanto, na opinião


de Vitor Tavares, presidente da


Câmara Brasileira do Livro, o


isolamento e a quarentena pela


qual a maioria dos brasileiros es-


tão passando para evitar a disse-


minação do coronavírus não de-


ve esvaziar o Jabuti.


“Acredito que os profissio-


nais dos departamentos comer-


ciais e editoriais que estão traba-


lhando em casa vão ter mais


tempo para analisar as catego-


rias e escolher onde inscrever


seus livros”, disse Tavares.


Já com relação à categoria Hu-


manidades, Pedro Almeida, cu-


rador do Prêmio Jabuti, expli-


cou que ela se tornou um desafio


para os jurados nos últimos dois


anos, depois que o prêmio pas-


sou por uma mudança drástica


em seu regulamento. Em 2019,


279 livros foram inscritos nessa


categoria, de acordo com o cura-


dor. Só para se ter uma ideia, os


jurados avaliaram 128 biogra-


fias e 237 romances naquele ano.


“É muito complicado para


um júri avaliar tantos livros e ou-


tro desafio era a diversidade dos


temas”, explicou Almeida.


A mudança maior foi a inclu-


são dos romances de entreteni-


mento, também chamados de


gênero. Obras policiais, de fan-


tasia e terror, por exemplo, pas-


sam a ter espaço no Jabuti. De


acordo com o curador, essa era


uma discussão antiga na CBL.


“Acredito que estamos dando


um passo decisivo na inclusão


desse tipo de livro que se distin-


gue pelo conteúdo, e não pela


forma, como os romances literá-


rios. Essa categoria vai atender


a um grande público que vem


crescendo nos últimos 20 anos,


quando começamos a publicar


autores nacionais de gênero e a


investir neles.”


A Jabuti premia o vencedor


de cada categoria com R$ 5 mil e


a estatueta – a editora também


ganha o troféu. Já o vencedor do


Livro do Ano leva R$ 100 mil.


A Virada Cultural de São Paulo


foi adiada por conta do surto


do novo coronavírus. Como


parte das medidas tomadas pe-


la Prefeitura, estão o adiamen-


to ou cancelamento de eventos


que gerem aglomeração de pes-


soas. Em 2019, a Virada atraiu


cinco milhões de pessoas. Uma


nova data, em setembro, ainda


será definida.


No decreto assinado pelo pre-


feito Bruno Covas e publicado


na terça, 17, no Diário Oficial do


município, também fica deter-


minado “o fechamento imedia-


to de museus, bibliotecas, tea-


tros e centros culturais públi-


cos municipais, bem como a sus-


pensão de programas munici-


pais que possam ensejar a aglo-


meração de pessoas, tais como


o ‘Ruas Abertas’”.


A Biblioteca Nacional anun-


ciou que ficará fechada pelos


próximos 15 dias para proteger


seus funcionários e evitar a dis-


seminação do coronavírus. Já a


Flipoços, que abriria sua progra-


mação literária em 25 de abril


em Poços de Caldas, foi adiada


para o período de 15 a 23 de agos-


to. Prevista para ser realizada de


1.º a 5 de abril, a Feira do Livro da


Unesp também foi adiada – a no-


va data ainda não foi marcada.


Diz-se que a empresa vai ‘a todo


vapor’ como se estivéssemos


em uma fábrica do século 18


TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO - 26/1/2011

Jabuti 2020 vai


premiar ‘romance


de entretenimento’


Literatura. Outra mudança no regulamento foi a divisão da


categoria Humanidades em Ciências Sociais e Ciências Humanas


Adélia Prado. Poeta é


homenageada nesta edição

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