Valor Econômico (2020-03-18)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 13 da edição"18/03/2020 1a CAD A" ---- Impressapor RCalheiros às 17/03/2020@20:01:


Quarta-feira, 18 de marçode 2020|Valor| A


De crise em crise


Governosprecisamagirjáparaevitarumadepressão.PorMartinWolf


“Esse não é o


momento para


ideologiasou


ortodoxia, é o


momento de ser


ousado. Farei o


que for preciso”.


Doministro das FinançasdoReino
Unido, RishiSunak, aolançar
ontemumpacote deestímulo à
economiadeUS$ 42 4 bi

Mario Mesquita


Autoridades monetárias


e fiscais estão tentando


reagirtempestivamente


à deterioraçãode


expectativas


A


economia mundial foi
atingidapor dois cho-
ques relevantes em
poucoespaço de tem-
po.Primeiro, ochoquede oferta
e demanda ocasionadopela epi-
demiade coronavírus. Depois,o
choque da queda dos preçosdo
petróleo,derivadode umadis-
putaentre sauditas e russos—
cujoimpactoémais ambíguo.
Tais choques ocorrem em um
momento em que acapacidade
de respostade políticaeconômi-
ca parecelimitada. Nessetexto
vamosexaminar a capacidade
de resposta global ao choquedo
coronavírus. A coluna subse-
quente tratará do temano caso
brasileiro.
Até aeclosão da epidemia, as
perspectivas para aeconomia
mundial eramrazoavelmentebe-
nignas: o FMI, por exemplo, espe-
rava crescimento de 3,3%, ante

2,9%em2019,naediçãodejaneiro
dasPerspectivasEconômicasMun-
diais. Os economistasdo Itaú ti-
nham3,2% antes da epidemia, e
cortaramaprojeçãopara2,7%.
AatividadeeconômicanaChina
começa a normalizar, em paralelo
à redução do número de novos ca-
sos, mas mesmo assim os efeitos
das restrições ao deslocamento de
pessoasimpostasnoaugedosurto
(queconfigurou um choque de
oferta), bemcomoda redução no
crescimento da rendaequedada
confiança (choque de demanda),
devem implicar crescimentome-
nor do que o anteriormente espe-
rado,de5,3%(ante5,8%).
Para a economia da área do eu-
ro,onde aepidemiaainda está na
fase de aceleração,oimpacto eco-
nômicodeverálevarocrescimento
paracercade0,6%(anteriormente,
1%), mesmosupondo, o queéra-
zoável,restriçõesmenosseverasao
direito de ir e virdo que as adota-
das na China. Aeconomia japone-
sa, por sua vez, deverá registrar es-
tagnação,enãoaexpansãode0,4%
esperadaantesdochoque.
Já aeconomiaamericana deve, a
princípio, mostrar maior resiliência.
Istoporquefoiatingidapelochoque
emummomentodemaiordinamis-
mo, com desemprego próximo das
mínimashistóricas, ecrescimento
próximoaopotencial.Alémdisso,as
autoridades monetárias efiscaispa-

recemestartentandoreagirtempes-
tivamente à deterioração de expec-
tativas.Comisso,ocrescimentodeve
semanterpróximoa2%,oferecendo
sustentaçãoàexpansãoglobal.Cabe
registrar, contudo, que tantopara a
economiaamericanaquantoglobal,
osriscosdebaixapredominam.
Em suma,considerando oim-
pacto regional, as economias
comfundamentosmaissólidos
tendem, não surpreendente-
mente, a reagirmelhordo que as
maisfrágeis.

pão, 0,5%,e ReinoUnido, 5,0%.
Atualmente,amesmamédiaestá
em 0,46%ao ano, com extremos
na zonado euro, -0.5%ao ano, e
nosEUA,1,63%aoano.
Desde 2008, a política monetá-
ria nos países centrais avançou
bemalémdo convencional.Tive-
mosexpansãoquantitativa(QE,na
sigla em inglês), compra de títulos
públicos e corporativos, forward
guidance,intervenção na curvaa
termo, empréstimosde liquidez
ao setor bancário etc. Em linhas
gerais, apolítica monetáriaeas
condições econômicas têm contri-
buídopara manter taxas de juros
nominais próximas a zero em ho-
rizontesdedezanos,ealém.
Mais importante,as taxasde ju-
ros reais (taxas nominais deflacio-
nadas pelaexpectativa de inflação
de médioprazo), estão em territó-
rio claramente negativo, com mé-
dia de -1,7%ao ano no curtoprazo,
e -1,10% ao anono horizontede
dez anos(estavam apenasleve-
mente negativas em 2008). Assim,
os instrumentos convencionais de
política monetáriaparecem ter
pouco a agregar no combate à de-
saceleraçãoglobal.
Instrumentos não convencio-
nais foramecontinuarão aser
utilizados,mas isso, no caso dos
EUA,talvezrequeiraalgumamu-
dançalegislativa —especifica-
mente, ahabilidadedo Fed de

Capacidadede resposta de polí-
tica econômica será um diferen-
cial. Em linhas gerais, está claro
que a mesmaé, agora, mais limita-
dadoqueem2008.Porumlado,as
taxasde juros encontram-se em
patamares muito maisbaixos. Por
outro,asdívidaspúblicasestãoem
níveisbemmaiselevados.
Tendo em vista os bancoscen-
traisdos EUA,ReinoUnido, Ja-
pãoeáreadoeuro,ataxadepolí-
tica econômicaestava em 2,69%
ao ano, em média,em setembro
de 2008—com extremosno Ja-

A


pandemia não foi
inesperada.Mas a rea-
lidade sempre difere
das expectativas.Ela
não éapenasuma ameaçaàsaú-
de pública.Tambémpoderepre-
sentarumaameaçaeconômica
maiordo que a da crise financei-
ra de 2008e2009. Lidarcom ela
vai exigirumaliderança fortee
inteligente.Os bancos centrais
proporcionaramum bomcome-
ço. O ônusagorarecaisobreos
governos.Não há outrasituação
que demonstremelhorpor que é
tão vital para a populaçãoter um
Estadoadministrativode quali-
dade,comandadopor pessoas
capazesdediferenciarespecialis-
tasdecharlatães.
Umaquestão central é quanto
vai durar e qual vai ser a profundi-
dadeda emergência de saúde pú-
blica. Umaesperança éque ocon-
finamentodaspopulaçõesempaí-
ses (como na Espanha)ou em par-
tedepaíses(comonaChina)elimi-
ne o vírus.No entanto, mesmo se
isso der certo em alguns lugares,
claramentenão aconteceráem to-
dos os lugares. Um extremoopos-
to éque até80% da população
mundial possa se infectar. A uma
possível taxade mortalidadede
1%, isso poderia significar60mi-
lhões de mortes, o equivalente à
Segunda GuerraMundial. Essa ca-
lamidadeprovavelmentetambém
levaria tempo:agripeespanhola
de1918veioemtrêsondas,aolon-
go de um ano.Émaisprovável,
contudo,que odesfechoacabe
sendonemtotalmentedeumafor-
ma nem de outra: ataxademorta-
lidade será menor, mas a doença
nãodesaparecerá.
Se esse for o caso, o mundopo-
deria não voltar ao comportamen-
to pré-crise até bem depois do co-
meçode 2021. As pessoasmaisjo-
vens poderiam começarantesase
comportar normalmente. Mas os
mais velhos, não.Além disso,mes-
mo se alguns países eliminassema
doença, as quarentenas seriam
mantidas contra outros países. Em
resumo,oimpacto do coronavírus
provavelmenteserá severo e pro-
longado. As autoridades econômi-
cas precisam se planejar, no míni-
mo,combasenisso.
Apandemiajápressionoutan-
to a ofertaquantoa demanda. Os
confinamentos interrompem su-
primentos essenciaise umaam-
pla faixade gastos,em especial
nos setoresde entretenimentoe
viagens. O resultadovai ser uma
fortequedana atividadeno pri-
meirosemestredesteano.
Acimade tudo, pairaaameaça
de depressão. Muitasfamíliase
empresas provavelmentevão fi-

Na matéria“Incertezas podemlevar
a adiamento de leilõesde energia”,pu-
blicadana ediçãode ontem, 17/3/2020,
na páginaB2, o nomede umadas fon-
tes foi informadoincorretamente. O no-
me certo é “Instituto AcendeBrasil”,e
não “Instituto Trata Brasil”,comocons-
tou do texto.

comprartítuloscorporativospa-
rece ser limitadapela legislação
atual.De qualquerforma,o pata-
mardetaxasdejurosreaissugere
que a políticamonetáriateria
poucoaagregarnessemomento.
Restaa políticafiscal. O endivi-
damento público cresceumuito
desde 2008,de 74% para106% do
PIB no caso dosEUA, de 50% a86%
no Reino Unido, de 183% para
238%no Japão, e de 69% para 84%
na área do euro. Mas economias
comrenda per capita elevada e
semhistóricodedefaultstendema
contar com um público investidor
relativamentecativo,eas taxasde
juros baixas tendem a mitigaro
impacto de uma expansãode gas-
tos sobrea trajetória da dívida.
Alémdo inevitávelenecessário
gasto comocombateàepidemiae
suas consequências sobreasaúde
pública, o caminhomaispromis-
sor seria uma expansão dos gastos
em infraestrutura. Adificuldade,
que não se restringeàs economias
maduras, é, diante de ambientes
legais,regulatórios einstitucio-
nais complexos,transformar a de-
cisãogenérica de fazer gastos em
infraestruturaem projetosespecí-
ficos, que contribuam para a gera-
ção de rendaeemprego. Não há,
portanto,respostafácil.

MarioMesquitaé economista-chefe do
ItaúUnibanco

car sem dinheiroem breve.Mes-
mo em paísesmaisricos,uma
grande proporçãoda população
praticamente não tem dinheiro
guardado.Osetorprivado–prin-
cipalmente empresas de áreas
não financeiras–também se em-
panturroudedívidas.
A demandados consumido-
res, portanto, vai se enfraquecer
aindamais.Empresasvão que-
brar.As pessoas vão se recusara
venderaempresas consideradas
em vias de quebrar,amenosque
possamreceberantecipado.Dú-
vidassobreo estadodo sistema
financeirovão ressurgir. Há oris-
co de um colapso na demandae
na atividadeeconômicaque vai
muitoalémdoimpactodiretoda
emergênciadesaúdepública.
Também vai ser particular-
mentedifícil contera dissemina-
ção da doençaem países com se-
gurosociallimitadoecontroles
sociais insuficientes. Isso vai afe-
tar, acimade tudo,os EUA:mui-
tas pessoas doentes vão se recu-
sar a ir ao hospitaleta mbémvão
severobrigadasatrabalhar.Ose-
gurosocialéeficiente.
Comoinstituições de crédito
de últimainstância, os bancos
centrais precisam assegurara li-
quidez, mantendoocustodos
empréstimosbaixoe financian-
do a ofertade crédito, tantodire-

ta quantoindiretamente. Mas os
bancoscentraisnão podem pro-
ver solvência. Eles não podem
sustentara rendafamiliarou dar
àsempresasumsegurocontratal
colapso na demanda. Os gover-
nos, comocaptadores e gastado-
res de últimainstância,podeme
devemfazê-lo.
Os títulos de dívidagoverna-
mentaisde longoprazoestãotão
baratosque os governosnão pre-
cisamter medoem fazê-lo:Ale-
manha, Japão, FrançaeReino
Unidoagorasão capazesde cap-
tar por 30 anos a uma taxa nomi-
nal de menosde 1%,oCanadá,a
1,3%,eosEstadosUnidos,a1,4%.
É, portanto, uma crise de tempo
limitado, com consequências para
a economiaea saúdepública que
os governos precisam administrar.
Domesticamente,o mínimopossí-
vel a ser feito é oferecer pagamen-
tos generososde seguro-desem-
pregoedelicençaremuneradapor
motivo de saúde, inclusive para
trabalhadores autônomos, duran-
te o períododa crise. Se isso for de-
masiado difícil, os governos sim-
plesmente podem mandar um
chequeparacadaum.
No entanto, mesmoisso não
vaisersuficienteparaquesecon-
siga evitaros custosdas concor-
datasem massaede uma depres-
são.Emmanuel SaezeGabriel

Zucman,de Berkeley, argumen-
tam que: “A forma maisdireta de
prover [...] seguro éter um gover-
no atuandocomocompradorde
últimainstância.Se ogoverno
substituirtotalmenteademanda
queseevapora,cadaempresapo-
de continuarpagandoseus tra-
balhadoresemantendoseuesto-
que de capital,comose estivesse
operando [...] normalmente.”
AnatoleKaletsky, da Gavekal,re-
comendaumareaçãosimilar.
Fornecertal auxílionão criará
riscomoral.Ser ajudadoao lon-
godeumapandemiadotipoque
apareceuma veza cada cemanos
dificilmente encorajaria umair-
responsabilidadecabal.Seasem-
presascaptaramdemasiado cré-
dito,aindaassim,nofimdascon-
tas,vãoquebrar.
O planoémuitomelhordo que
oferecercréditos e garantiasde
crédito, como propostopelo go-
verno alemão. As empresas vão
captarcréditosapenasparagaran-
tir suasobrevivência ao longo da
crise, não necessariamente para
pagarseus funcionários. Alémdis-
so,os créditos vão precisar ser pa-
gos, criando um fardo quando a
pandemiase extinguir.Já pelaou-
tra proposta,os pagamentos po-
demser condicionadosàmanu-
tenção do emprego. O programa
também se encerraria natural-
mente, juntamente com a própria
pandemia.Osgovernos,então,po-
deriam aplicar impostos adicio-
naispararecuperarosgastos.
Éessencialmanterarendae
minimizaro custode longopra-
zo das empresasem má situação.
Alémdisso, dentroda regiãodo
eurovai ser essencialajudaros
governos cuja capacidade de
captaçãoestejalimitada. Mun-
dialmente,os paísesemergentes
mais vulneráveis tambémvão
precisarde ajudapara gerenciar
acrise econômica eadesaúde
pública.Será vital,também,vol-
tar atrásno nacionalismo de so-
ma zerodas políticasde hoje,
que vão dificultara reconstrução
de umaordemmundialsaudável
ecooperativa.
A pandemiatambémdeverá
passar. Mas não será amanhã.A
pandemia ameaça provocar
umadepressão. Salusrei publi-
cae supremalex (a segurançada
repúblicaéaleisuprema).Na
guerra,os governosgastamli-
vremente.Agora,também, pre-
cisam mobilizar seus recursos
paraevitarum desastre.Pensem
grande. Atuem agora. Juntos.
(Traduçãode SabinoAhumada).

MartinWolfé o principal comentarista
econômicodo FinancialTimes.

Cartasde


Leitores


A emergência econômica do coronavírus


Frase do dia


Coronavírus
DelfimMoreira,sucessordeRodri-
guesAlves,mortopelagripeespa-
nhola,sofriademalpsíquico,que
oimpediadeconcentrar-se,ser
coerentee,consequentemente,
responsável.Tevedesercuratela-
donaPresidênciadaRepública
porAfrâniodeMeloFranco,atéo
finaldeseucurtomandato.
Nãopareceinsólitoatribuir-se
imperfeitodomíniodesuasca-
pacidadescognitivasaopresi-
denteJairBolsonaro,ajulgarpe-
loconjuntodesuaobrae,princi-
palmente,pelosúltimosatos.E
aocidadãobrasileiroassisteodi-
reitodeconheceremsuaplenitu-
deapessoaqueogoverna,como
propôsojuristaMiguelRealeJú-
nior.Haveráumdiaemqueahis-
tóriasereportaráaummomento
estranhoeprimitivodopovo,em
queasupremainstituiçãodopo-
dernacionalficavaacargode
umaúnicapessoa,comoasde-
maissujeitaaplúrimasmodali-
dadesdedéficitsbiológicos.
AmadeuGarridodePaula
[email protected]


Falandosobreocoronavírus,está
maisdoquenahoradeapopula-
çãotermaisconsciênciaquandoo
assuntoéacoletividade.NoRiode
Janeiro,porexemplo,cercade22%
dapopulaçãomoraemcomuni-
dadesefavelas,compostasem
grandeparteporvielassemsanea-
mentobásicoadequadoecasas
compoucoscômodosepoucoes-
paçoparaaquantidadedepessoas
quevivemnela.
Mantertodasaspessoasem
suascasas,pormaisidealquese-
ja,éumautopia.Asfavelasfor-
mamambientesquetendema
termuitoscasosdetransmissão.
Ainda,partedosmoradoresde
comunidadescarentesnãopo-
demsimplesmenteparardetra-
balharerealizarodito“isola-
mentosocial”,poisestariam
abrindomãodesuapossívelúni-
cafontederenda,nãotendo
condiçõesdepraticarohomeof-
ficeoumesmodeusarumare-
servafinanceiraprasemanter
por15dias.Assim,partimospa-
raocampoeconômico,onde
muitosefalasobreliquidezde
empresas,oquedefatoéimpor-
tante,maspoucoselembrados
trabalhadoresdosetorinformal.
Entendoque todosnós esta-
mos sendoafetadosde alguma
forma pela disseminaçãodo co-
ronavírus,mas não podemos
abrirmão de açõesgoverna-
mentais que levemem conside-
raçãotoda a população. É ini-
maginável deixarque a bomba
exploda na parcelamaiscarente
da população.
Luís RamosMartins
[email protected]

O mínimopossível a ser


feito é oferecer


pagamentos generososde


seguro-desemprego e de


licençaremunerada por


motivo de saúde,inclusive


para trabalhadores


autônomos. Se isso for


muito difícil, os governos


simplesmentepodem


mandarum cheque


para cadaum


Opinião


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Paulista- CEP01407-907 - São
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endereço e telefone. Os textos
poderãoser editados.

Correção


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