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F4 Metrópole QUINTA-FEIRA, 19 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
PASSAGEIROS DO
EXTERIOR ENTRAM
SEM TRIAGEM
Anvisa diz não haver ‘indicação para controle de
temperatura’ e barra ação de Estados e municípios
Rafael Moraes Moura
BRASÍLIA
E
nquanto o novo coro-
navírus avança sobre
o País, nos aeroportos
internacionais de Brasília e
Guarulhos, por onde passam
diariamente 165 mil pessoas,
não tem sido feita triagem ou
sequer verificação mais cui-
dadosa da situação dos passa-
geiros que chegam da Euro-
pa e dos Estados Unidos. A
Agência Nacional de Vigilân-
cia Sanitária (Anvisa) admi-
tiu ao Estado que “não há in-
dicação de fazer qualquer ti-
po de controle de temperatu-
ra nos viajantes”.
No restante do mundo, o
protocolo tem sido outro: na
China, na Itália, na Coreia do
Sul e nos Estados Unidos, on-
de já foi registrado um total
de 133 mil infectados e 6,4 mil
mortes, a medição da tempe-
ratura de passageiros vem
sendo adotada em aeropor-
tos para conter a doença.
O governo do Distrito Federal
chegou a anunciar na semana
passada que bombeiros fariam
triagem dos passageiros no Ae-
roporto Internacional Jusceli-
no Kubitschek, prevendo até o
uso de câmeras térmicas e equi-
pamentos de análise biológica
do ar. De acordo com o Palácio
do Buriti, no entanto, o protoco-
lo do Ministério da Saúde impe-
diu “que os bombeiros fizessem
as ações nas áreas predetermina-
das”. A alternativa será realizar
agora as análises térmicas dos
passageiros na área pública de
desembarque do aeroporto.
Passageiros ouvidos pelo Es-
tado informaram que retorna-
ram a Brasília nesta semana
sem passar por nenhum tipo
de procedimento especial. Um
funcionário de um banco esta-
tal, que pediu para não ser iden-
tificado, disse que esperava o
“maior aparato” ao chegar dos
Estados Unidos, mas alegou
que a única orientação recebi-
da ao desembarcar em Brasília
foi um aviso de dentro do pró-
prio avião.
Em São Paulo, a mesma situa-
ção foi vivenciada pela servido-
ra Laura Gracindo, que acaba
de voltar de férias da Espanha,
que já registra 14.535 casos de
infecções e 630 mortos. “Foi
uma chegada normal como
qualquer outra, a diferença é
que na hora de passar pela alfân-
dega pedem para as pessoas
abaixarem as máscaras para a
análise da câmera. E tem o siste-
ma de som que fica repetindo
que, se você tiver os sintomas,
deve procurar o sistema de saú-
de. O único aviso é esse nos al-
to-falantes”, relatou.
Eficácia. Procurado, o Ministé-
rio da Saúde não se manifestou.
Na segunda-feira, o titular da
pasta, Luiz Henrique Mandet-
ta, levantou dúvidas sobre a efi-
cácia da medição de temperatu-
ra de passageiros. “O início des-
se quadro gripal é muito mais
de sintomas vagos, dor no cor-
po, um pouco de coriza, arra-
nhando a garganta. Agora, o pe-
ríodo de incubação é de 3 a 7
dias, com pico no quinto dia. En-
tão, o primeiro, segundo, tercei-
ro você está totalmente sem fe-
bre”, afirmou Mandetta.
Diante disso, o ministro ques-
tionou “você investir milhões
para colocar um termômetro
em cada um para saber que 75%,
80% dos pacientes que passa-
rem por ali podem estar infecta-
dos. Aquilo não tem nenhuma
utilidade como instrumental de
saúde pública”. “É só para que as
pessoas olhem e falem: ‘Está me-
dindo a temperatura’. E eficácia
como instrumento é pratica-
mente desprezível. A gente pre-
cisa ver eficácia de ações", disse
o ministro.
A Anvisa informou que até
o momento “não há indica-
ção de fazer nenhum tipo de
controle de temperatura
nos viajantes em aeropor-
tos”. “Importante destacar
que a atuação em portos e
aeroportos é função exclusi-
va do ente federal, no caso a
Anvisa. Dessa forma, esclare-
cemos aos representantes
dos governos locais quanto
à impossibilidade de atua-
ção de órgãos estaduais e mu-
nicipais nos portos e aero-
portos”, alegou o órgão.
O consórcio Inframérica,
que administra o aeroporto
de Brasília, disse que, apesar
de não ser uma determina-
ção das autoridades de saú-
de, “fez parceria com os bom-
beiros e com o governo do
Distrito Federal para iniciar
a medição de temperatura
dos passageiros que desem-
barcarem de voos interna-
cionais no Aeroporto de Bra-
sília”.
Guarulhos. Já a GRU Air-
port, concessionária respon-
sável pelo Aeroporto Inter-
nacional de São Paulo, disse
à reportagem que “segue to-
das as recomendações da An-
visa e coopera com os ór-
gãos federais e companhias
aéreas, além de manter aler-
tas sonoros, em três idio-
mas, e vídeo informativo em
seus canais de comunicação
para todos os passageiros e
colaboradores”.
Renata Okumura
José Maria Tomazela
Lorenna Rodrigues / BRASÍLIA
A Federação e o Sindicato
dos Hospitais, Clínicas e La-
boratórios do Estado de São
Paulo enviaram ofício ao Mi-
nistério da Saúde denuncian-
do aumento abusivo de pre-
ços de materiais e medica-
mentos de uso dos serviços
de saúde relacionados ao co-
ronavírus. O Conselho Admi-
nistrativo de Defesa Econô-
mica (Cade) abriu investiga-
ção para apurar se hospitais,
laboratórios, farmácias e in-
dústrias do setor médico e far-
macêutico aumentaram pre-
ços de seus produtos de for-
ma abusiva.
Em São Paulo, produtos co-
mo a máscara tripla com elásti-
co tiveram o preço da caixa com
50 unidades aumentado de R$
4,50 em janeiro para R$ 35 no
começo de março e R$ 140 an-
teontem. Há ainda falta dos pro-
dutos. Diante do cenário, o Pro-
con-SP já notificou platafor-
mas de vendas online para coi-
bir valores abusivos.
As entidades de saúde so-
mam 55 mil serviços privados
no Estado, responsáveis por
60% da assistência. Estão em
falta crônica álcool gel a 70%,
máscaras e vários medicamen-
tos, muitos não relacionados ao
coronavírus. O problema atin-
ge principalmente serviços de
pequeno e médio porte.
O sumiço levou o preço da lu-
va descartável de procedimen-
to (200 pares) a subir de R$
14,70 em fevereiro para R$ 22
agora. Já o álcool em gel 800 ml
passou de R$ 18,90 em janeiro
para R$ 22,76, mas não há previ-
são de entrega. Uma ampola de
omeprazol de 40 mg custava R$
5,72 a unidade, no começo de
março, e passou para R$ 15,20,
mas está em falta no mercado.
O berotec, medicamento usado
para inalação, custava R$ 2,45
há duas semanas e subiu para
R$ 13,25. O cateter 22 usado pa-
ra aplicação de soro passou de
R$ 0,65 para R$ 2,46, mas conti-
nua em falta.
Conforme o presidente da Fe-
deração, Yussif Ali Mere Jr., é
necessário evitar que esses abu-
sos prejudiquem a população.
“Precisamos que as autorida-
des de saúde fiscalizem o que
está ocorrendo e deem solução
emergencial”, alertou. As duas
entidades encaminharam a de-
núncia ao Ministério Público.
Há uma semana, a equipe de
trabalho da recepcionista hospi-
talar, Priscila Oliveira, de 27
anos, foi orientada a usar másca-
ra e usar o álcool gel, justamen-
te por ficar em contato direto
com os pacientes que passam
pelo pronto-atendimento. “A
unidade de saúde nos cedeu
uma quantia para que todos pu-
déssemos usar e se proteger de
um eventual contágio, porém
como trabalho em uma terceiri-
zada, quem deve prover o equi-
pamento de segurança é esta
empresa, mas está praticamen-
te impossível conseguir com-
prar mais unidades.”
Priscila demonstra preocupa-
ção com a possível falta. “A tro-
ca de máscaras deve ocorrer a
cada quatro horas.”
“Desde a semana passada,
não há máscaras no mercado
dental, onde procuramos”, afir-
mou Gustavo Gomes de Olivei-
ra, vice-presidente da Socieda-
de Brasileira de Odontologia.
Segundo Oliveira, há relatos
de dentistas que tentaram com-
prar o produto e encontraram
preços abusivos pela internet.
Alguns locais, que antes ven-
diam por R$ 9,90 estavam ven-
dendo por R$ 50 a mesma caixa.
O Procon-SP afirmou que vai
notificar todas as plataformas
de vendas online. “O preço mé-
dio será estabelecido por pes-
quisa efetuada pela Escola de
Proteção e Defesa do Consumi-
dor do Procon-SP”, afirmou,
em nota, a entidade.
Cade. Ontem, o conselho
abriu um procedimento prepa-
ratório de inquérito administra-
tivo para avaliar preços abusi-
vos. Não houve detalhamento,
mas as empresas envolvidas te-
rão dez dias para apresentar no-
tas fiscais e justificativas, sob
pena de multa diária, que pode
chegar a R$ 100 mil.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
lFuncionários do Aeroporto In-
ternacional do Galeão, no Rio,
encaminham à Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa)
passageiros autodeclarados co-
mo suspeitos de infectados pelo
coronavírus. Servidores da agên-
cia também agem se alguém ma-
nifestar sintomas típicos da doen-
ça – tosse e febre – a bordo de
uma aeronave. Nesse caso, quan-
do notificados pela tripulação, os
funcionários da autarquia vão a
bordo. Eventualmente, encami-
nham o paciente para exames.
Se não declararem suspeitar
ter a doença ou se não manifesta-
rem sintomas, os passageiros
desembarcam sem restrições.
Segundo a concessionária Rio
Galeão, administradora privada
do terminal, a abordagem e a tria-
gem de passageiros com supos-
tos sintomas da covid-19 cabem
exclusivamente à Anvisa.
Em nota, a concessionária in-
formou que mantém em ordem
itens de higiene. / FÁBIO GRELLET
lRio
O Rio construirá um hospital de
campanha para desafogar outros
hospitais e liberar espaço para o
atendimento a infectados. A uni-
dade, que ainda não tem data de
inauguração, ficará em um pavi-
lhão do Riocentro, zona oeste, e
deve apresentar 500 leitos.
Ampliar leitos
de UTI é meta
do ministério
Confira os alertas sobre remédios e evite fake news. Pág. F5 }
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
Trânsito livre. Área de desembarque do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília: avisos sobre a pandemia só dentro da aeronave
Aeroportos
Agência é avisada
de viajante suspeito
Hospitais denunciam preços abusivos
Ofício de associações paulistas foi enviado ao Ministério da Saúde; Procon-SP já toma medidas, enquanto o Cade abriu uma investigação
Mateus Vargas / BRASÍLIA
Diante do avanço de casos do
novo coronavírus, o Ministério
da Saúde busca alternativas pa-
ra garantir ampliação de leitos
de UTI e equipamentos essen-
ciais ao tratamento de pacien-
tes, como respiradores. A pasta
subiu o tom na segunda-feira e
disse querer impedir exporta-
ções de produtos usados para
enfrentar a doença, além de pas-
sar a considerar a requisição de
leitos ociosos da rede privada
para atender pacientes do Siste-
ma Único de Saúde (SUS).
O ministério estima contar
com 27,4 mil leitos de UTI no
SUS. A taxa de ocupação é de
78%. São ainda 46.663 mil respi-
radores na rede pública. O aces-
so aos leitos é uma das maiores
preocupações de autoridades
da saúde para combate à pande-
mia. Somando as redes pública
e privada, o Brasil tem 55,1 mil
leitos e 65.411 respiradores.
Ontem, o Comitê Executivo
de Gestão da Câmara de Comér-
cio Exterior (Camex) do Minis-
tério da Economia aprovou a ze-
ragem da alíquota do Imposto
de Importação para 50 produ-
tos médicos e hospitalares ne-
cessários ao combate à pande-
mia causada pela covid-19, en-
tre eles os respiradores.
Para Diogo Leite Sampaio, vi-
ce-presidente da Associação
Médica Brasileira (AMB), é “di-
fícil” dizer que a oferta atual de
leitos e equipamentos é satisfa-
tória, pois dependerá da evolu-
ção do número de casos que o
Brasil tiver pela frente. “Não dá
para dizer que seja suficiente.
Se atingir um pico (de casos),
não vai ser suficiente nunca. O
que o Ministério da Saúde nos
disse é que está procurando for-
ma de importação rápida de su-
primentos. Não só respirado-
res, mas máscara, medicamen-
to”, disse Sampaio.
Na opinião dele, o mais im-
portante é pensar em formas de
reduzir a desigualdade no aces-
so aos leitos de tratamento in-
tensivo, além de planejar ações
para cenários de surto da doen-
ça, como cancelar cirurgias
mais leves, montar hospitais de
campanha e locar estruturas da
rede privada.
O governo federal custeará a
instalação de 2 mil leitos espe-
cíficos para combate à covid-19
nos Estados. A proposta é usá-
los apenas para o novo coronaví-
rus. Serão R$ 396 milhões inves-
tidos para locar os equipamen-
tos exigidos para montar os lei-
tos e mais R$ 260 milhões para
manutenção por seis meses des-
tas estruturas, diz o ministério.
Como o Estado antecipou, o
governo decidiu no último fim
de semana instalar os primeiros
540 leitos. A primeira leva será
distribuída conforme a popula-
ção de cada Estado, desde que
cada unidade federativa recebe
ao menos dez leitos. Em São
Paulo, Estado mais populoso,
serão instalados 118 quartos.