O Estado de São Paulo (2020-03-19)

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A6 Política QUINTA-FEIRA, 19 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


WILLIAM


WAACK


O


vírus atingiu o coração do


governo. A expressão é lite-
ral, considerando a situação

do general Augusto Heleno e do al-


mirante Bento Albuquerque, mas


seu sentido é político. Um caso


clássico de como a realidade dos fa-


tos se impõe de forma arrasadora a


quem se recusa a enxergá-la.


Ou o faz – enxergar os fatos – sob


uma perspectiva completamente


equivocada. Foi o que aconteceu com


Jair Bolsonaro e alguns de seus conse-


lheiros mais próximos, especialmen-


te os filhos. Presos à versão, estapafúr-


dia e maluca, como agora se vê, de que


o coronavírus seria uma conspiração chi-


nesa aqui utilizada por “elites políticas”
para isolar e depor o presidente.

As forças políticas que entendem me-


lhor a realidade (como o “Centrão”)


ocuparam rapidamente o espaço que


Bolsonaro vem deixando livre desde


que assumiu a Presidência. Como já se


disse aqui, o presidente acha que sua for-


ça vem da caneta que assina cheques e


nomeações quando, na verdade, está na


sua imensa capacidade de ditar a agen-


da política. À qual ele pouco se dedicou.


Pode-se até falar de um autoimposto


isolamento diante de um “sistema” que,


por um lado, de vez em quando, servia ao


presidente e a cujas regras obedecia. Por


outro, era pelo presidente mencionado


como alvo a ser destruído – o mandato


que ele afirma ter recebido das urnas.


O isolamento ganhou contornos níti-


dos e de claro perigo para a autoridade


presidencial quando Judiciário e Legis-


lativo, com a participação de órgãos de


controle e investigação (TCU e PGR),


montaram por dois dias um “gabinete


paralelo de crise” que incluía, pelo Exe-


cutivo, um competente ministro da
Saúde cujo destaque causa no presi-

dente ciúmes em vez de orgulho.


É essa perda de autoridade, mesmo


entre grupos favoráveis ao presidente,


que causou consternação entre alguns


de seus ministros mais importantes,


que duvidavam da tática determinada


por Bolsonaro de ir às ruas para pres-


sionar Congresso e STF. Há ministros


militares preocupados com o que cha-


mam de “belicosidade” do presidente.


“Ele apanhou muito, quer revidar”, diz


um deles, que dá expediente no Planal-


to, “e ninguém consegue segurar”.


O corrosivo processo se acentua dian-


te de uma percepção generalizada de


que o governo está correndo atrás dos


fatos. Essa noção se intensificou por


dois fatores: a reação inicial do presiden-


te de minimizar a gravidade da doença
(erro que Trump se apressou mais rapi-

damente a corrigir) e a intensidade e


vigor com que as principais economias


lançaram medidas para enfrentar uma


previsível recessão, enquanto no Brasil


a conversa inicial foi “aprovem as refor-


mas e a gente segura o tranco”.


A crise do coronavírus apanha o Brasil


num momento vulnerável. Se é verdade,


como reitera Paulo Guedes, que o País


estava decolando e foi surpreendido pela


crise, também não se pode ignorar que a


lição de casa em termos fiscais mal tinha


começado a ser feita. O Brasil, como país


emergente, será sempre julgado pela


sua saúde fiscal, e a nossa não é boa de


forma alguma. E vamos ter de enfiar a


mão fundo nos cofres públicos já en-


crencados em todos os níveis.


As consequências para a econo-


mia consegue-se antever, e não são


das mais róseas. As consequências


do vírus para a política indicam que


o inimigo impessoal, como o vírus,


pode servir de justificativa até acei-
tável para resultados pobres num se-

tor definidor de simpatias políticas,


como o bem-estar econômico geral


da população, mas é mais difícil de


ser combatido no habitual esquema


bolsonarista de “nós” contra “eles”.


Há paralelos entre a propagação de


um vírus e a criação de um “momen-


to” na política. Começa com pouca


gente notando, mas, a partir de certo


ponto, a propagação do vírus do des-


contentamento ou aberta antipatia


com um governo e sua figura de proa


foge ao controle. O coronavírus é uma


ameaça grave para Jair Bolsonaro.


‘Talvez seja tarde para reagir’,


diz Olavo sobre Bolsonaro


Bolsonaro reitera ofensas


feitas em fevereiro e


chama Vera Magalhães


de ‘mentirosa’, e diz que


ela divulga ‘fake news’


Em entrevista, presidente volta


a atacar jornalista do ‘Estado’


O vírus pegou Bolsonaro


Jussara Soares / BRASÍLIA


Enquanto Jair Bolsonaro era al-
vo de “panelaço” em várias cida-

des brasileiras, o escritor Olavo


de Carvalho, guru do bolsona-


rismo, afirmou em suas redes


sociais que o presidente come-


te “suicídio” ao se “adaptar ao


sistema”. Morador da Virgínia,


nos Estados Unidos, Olavo la-


mentou que “agora talvez seja


tarde para reagir.”


“Eleito para derrubar o siste-


ma, o Bolsonaro, aconselhado


por generais e políticos medro-


sos, preferiu adaptar-se a ele.


Suicídio”, escreveu o escritor


em seu perfil no Facebook.


Olavo disse ainda que, desde


de o início do governo, aconse-


lhou Bolsonaro para que “desar-


masse os inimigos antes de ten-


tar resolver qualquer ‘proble-


ma nacional’”, mas ele, segun-


do o escritor, preferiu fazer o


contrário.


“Desde o início do seu manda-


to, aconselhei ao presidente


que desarmasse os seus inimi-


gos ANTES de tentar resolver
qualquer ‘problema nacional’.

Ele fez exatamente o oposto.


Deu ouvidos a generais isentis-


tas, dando tempo a que os inimi-


gos se fortalecessem enquanto


ele se desgastava em lacrações


teatrais”, escreveu. “Lamento.


Agora talvez seja tarde para rea-


gir”, completou.


Olavo disse que Bolsonaro


nunca reagiu a seus adversá-


rios. “Que é que o Bolsonaro fez


contra QUALQUER dos seus


inimigos? NADA. NADA NUN-


CA. Só lhes deu umas agulhadi-


nhas, irritando-os em vez de en-


fraquecê-los.”


O presidente Jair Bolsonaro vol-


tou a atacar ontem a colunista


do Estado e editora do site BR


Político, Vera Magalhães, e a acu-


sou falsamente de ter mentido


em suas reportagens. O diretor


de Jornalismo do Grupo Esta-


do, João Fábio Caminoto, la-


mentou que o presidente “não


tenha respeitado os fatos”.


“A jornalista Vera Magalhães,


que foi uma mentirosa sem qual-


quer compromisso com a verda-


de, está divulgando que eu faria


um movimento dia 31 de março


na frente dos quartéis”, afir-


mou o presidente durante a co-


letiva que tratou de medidas de


combate ao coronavírus. “Esse


tipo de profissional não merece


respeito por parte nossa aqui


no Brasil. Lamento a jornalista


Vera Magalhães estar divulgan-


do fake news. Ela poderia ser


convocada, se tivesse uma maio-


ria consciente na CPI das Fake


News, para falar sobre isso daí.”


A afirmação de que Vera teria


noticiado que o presidente esta-


ria fazendo convocações para o


dia 31 não é verídica. No site BR


Político, a jornalista noticiou, an-


teontem, que atos estão sendo


convocados para o dia 31. Em


nenhum momento ela atribuiu


a iniciativa ao presidente.


Não é a primeira vez que Bol-


sonaro ataca Vera. Em feverei-


ro, a jornalista noticiou que Bol-


sonaro havia divulgado, para


seus contatos no WhatsApp, ví-


deos convocando para atos a fa-


vor do governo, e contra o Con-


gresso e o Judiciário, que ocor-


reriam no dia 14 de março. Bol-
sonaro ofendeu a jornalista em

entrevista na entrada do Alvora-


da e em live no Facebook.


Posicionamento. “Lamento


que o presidente Jair Bolsonaro


tenha voltado a atacar hoje (on-


tem) a jornalista Vera Maga-


lhães, colunista do Estadão e


editora do site BR Político”, afir-


mou o diretor de Jornalismo do


Grupo Estado. “Continuamos


dedicados à nossa missão de


oferecer à sociedade brasileira


conteúdo de qualidade e no


combate das fake news, ainda


mais num momento tão crítico


como o atual”, disse Caminoto.


Idiana Tomazelli / BRASÍLIA


O presidente do Senado e do


Congresso, Davi Alcolumbre


(DEM-AP), é o primeiro che-


fe de Poder brasileiro infecta-


do com coronavírus. A infor-


mação foi confirmada ontem


pela assessoria de imprensa e


pelo próprio senador nas re-


des sociais. Dois ministros de


Estado do governo de Jair Bol-


sonaro também tiveram exa-


mes positivos confirmados


ontem, Augusto Heleno (Ga-


binete de Segurança Institu-


cional) e Bento Albuquerque


(Minas e Energia)


“Depois de o primeiro exame


dar negativo, o presidente do


Congresso, senador Davi Alco-


lumbre, refez o exame na noite


de ontem (anteontem) e, nesta


quarta-feira, atestou positivo


para covid-19”, diz a nota da as-


sessoria. “Davi Alcolumbre, no


entanto, está bem, sem sinto-


mas severos, salvo alguma indis-


posição, e segue em isolamento


domiciliar, conforme determi-


na protocolo de conduta do Mi-


nistério da Saúde e a OMS.”


“Sigo trabalhando de casa,


por meio de ligações. Temos im-


portantes matérias para serem


analisadas”, escreveu Alcolum-


bre no Twitter. O presidente do


Senado participou de diversas


reuniões nos últimos dias. Na


segunda-feira, esteve ao lado de


sete ministros do Supremo Tri-


bunal Federal (STF), entre eles


o presidente da Corte, Dias Tof-


foli, além do presidente Câma-


ra, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e


do ministro da Saúde, Luiz Hen-


rique Mandetta, para tratar das


medidas de combate à pande-


mia da covid-19.


Maia, que também partici-


pou de outras reuniões com Al-


columbre nos últimos dias, tem


dito a interlocutores que sem-


pre manteve uma distância se-


gura do colega e tomou os cuida-


dos necessários para evitar o


contágio. Desde a semana passa-


da, o deputado tem pedido para


as pessoas repetirem seu gesto


e, anteontem, deixou dois po-


tes de álcool em gel à sua frente


enquanto presidia uma sessão
na Câmara.

O primeiro caso de coronaví-


rus no Legislativo foi do sena-


dor Nelsinho Trad (PSD-MT),


que fez parte da comitiva aos Es-


tados Unidos. Ao todo, 17 pes-


soas do grupo contraíram o ví-


rus. Também foram diagnostica-


do com a doença os deputados


Daniel Freitas (PSL-SC) e Cezi-


nha da Madureira (PSD-SP),


que não viajou com a comitiva.


No governo, além dos minis-


tros Heleno e Albuquerque, o


secretário de Comunicação da


Presidência, Fabio Wajngarten
já havia testado positivo no iní-

cio do mês. Outros quatro fun-


cionários do GSI que integra-


ram a equipe que acompanhou


Bolsonaro na viagem também


estão com o vírus.


Em nota, a assessoria de Co-


municação da Presidência do


Supremo informou que o minis-


tro Dias Toffoli está seguindo


os protocolos definidos pelo Mi-


nistério da Saúde e as orienta-


ções da Secretaria de Serviços


Integrados de Saúde do STF.


“Por decisão própria, e como


medida extra de segurança, o
presidente do STF optou pelo

teletrabalho e atuará de casa


nas demandas do tribunal em


regime de isolamento pelo pe-


ríodo mínimo de uma semana.”


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Espalhou-se como um vírus


a noção de que o governo


corre atrás dos fatos


lSTJ


Presidente do


STJ, João Otá-


vio de Noronha


disse ontem


que fará qua-


rentena “es-


pontânea”. Na


segunda, ele


participou de
reunião que

teve a presen-


ça de Davi Al-


columbre.


l Durante entrevista ao lado do


presidente Jair Bolsonaro, on-
tem, o presidente do Supremo

Tribunal Federal (STF), ministro


Dias Toffoli, elogiou a atuação da


imprensa em meio à crise na Saú-


de. “(Agradeço) a imprensa, que


tem tido uma atuação impecável


em auxiliar nas informações ne-


cessárias à prevenção da socie-


dade quanto a esse drama que


todos nós passamos”, afirmou.


Em seguida, o ministro do Su-


premo disse que Executivo, Legis-


lativo e Judiciário estão em “diá-


logo constante” e que, juntos,


devem ser “resolutivos e firmes


na adoção de medidas de cautela


e preservação”. Toffoli enfatizou,


ainda, o papel do Judiciário para
garantir a “paz social” no País.

Além de Toffoli, estavam pre-


sentes o procurador-geral da Re-


pública, Augusto Aras, o advoga-


do-geral da União, André Men-


donça, o presidente do TCU, Jo-


sé Mucio, o ministro da Infraes-


trutura, Tarcísio de Freitas, e o


ministro da Secretaria-Geral, Jor-


ge Oliveira. Todos de máscaras.


Presidente do Senado, Davi Alcolumbre está isolado em casa; ministros Heleno e Albuquerque também têm resultado positivo para vírus


Embaixada da China rebate Eduardo sobre coronavírus. Pág. A7 }


Em mensagens nas


redes, escritor afirma que


presidente foi eleito para


‘derrubar o sistema’, mas


se adaptou a ele


Já infectado, general


se encontrou com


equipe ministerial


D


esde os primeiros indícios de co-


ronavírus na comitiva presiden-


cial que voltou dia 11 de Miami, o


ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno,


não alterou sua rotina. Aos 72 anos, este-


ve em encontros e reuniões com boa par-


te da equipe ministerial, além de despa-


char com dezenas de servidores.


Num campo de batalha, a saúde e a


segurança de um general e de seu entor-
no são prioridades, pois a tropa não po-

de ficar sem cérebro. Veterano de mis-


sões, o general da reserva não adotou


precaução. Não fez quarentena, mesmo


sabendo que colegas da comitiva esta-


vam com a doença, e adotou a posição


do presidente Jair Bolsonaro de minimi-


zar o impacto da pandemia. Por meio de


sua conta no Twitter, orientou seguido-


res, no dia 12, a prestarem atenção a re-


comendações do Ministério da Saúde.


No mesmo dia, foi ao Palácio da Alvo-


rada conversar com Bolsonaro. Um no-


vo encontro ocorreu, na sexta-feira. Na


manhã de segunda-feira, o general parti-


cipou de uma reunião com os ministros


Braga Netto (Casa Civil), Sérgio Moro


(Justiça), Luiz Eduardo Ramos (Secreta-


ria de Governo) e Luiz Henrique Man-


detta (Saúde), além do presidente da


Anvisa, Antônio Barra Torres.


Já na manhã de anteontem, ele se en-


controu novamente com Ramos e deu


entrevistas após sair do Serviço Médico
da Presidência. Heleno chegou a brin-

car com seu colega de governo. “Essa


mancha na sua gravata é coronavírus?”,


perguntou a Ramos.


]


CENÁRIO: Emilly Behnke


Toffoli afirma que


imprensa tem tido


‘atuação impecável’


ADRIANO MACHADO / REUTERS

Covid-19 atinge primeiro chefe de Poder


Quarentena. Assessoria de Davi Alcolumbre informou que o senador está em ‘isolamento domiciliar’

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