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A8 QUINTA-FEIRA, 19 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Internacional
A
pavorado com a pan-
demia de coronaví-
rus, o Taleban decidiu
trabalhar com profissionais
da área de saúde, em vez de
matá-los, como costumava
fazer. Em abril, o grupo havia
banido a Organização Mun-
dial de Saúde (OMS) e a Cruz
Vermelha em razão das cam-
panhas de vacinação contra a
poliomielite.
Quaisquer que tenham sido
as reservas dos militantes con-
tra a erradicação dessa doença
incapacitante, eles claramente
compreenderam os perigos da
pandemia de coronavírus.
No ano passado, pelo menos
51 profissionais de saúde, pa-
cientes e funcionários de apoio
foram mortos e 142 ficaram feri-
dos em ataques. Como resulta-
do, 192 estabelecimentos de
saúde foram fechados, dos
quais apenas 34 foram reaber-
tos. O Taleban negou ter come-
tido os ataques, que foram atri-
buídos ao grupo pelas autorida-
des afegãs.
Atualmente, o Afeganistão
tem 22 casos confirmados de co-
ronavírus e é grande a preocupa-
ção com o risco de infecções en-
tre os milhares de afegãos que
cruzam a fronteira com o Irã –
um dos países mais afetados do
mundo.
O sistema de saúde afegão se-
ria sobrecarregado se o vírus se
espalhasse. Além disso, após 18
anos de guerra, o governo con-
trola apenas metade do Afega-
nistão. O restante é controlado
pelos combatentes, que chega-
ram a um acordo de paz com os
EUA, mas ainda não iniciaram
negociações com o governo.
As comunidades da etnia
pashtun nas áreas rurais, domi-
nadas pelo Taleban, podem so-
frer com a perda de acesso às
organizações de saúde em ra-
zão das ações dos combaten-
tes. O acesso pode ser ainda
pior para as mulheres por cau-
sa do conservadorismo dos
pashtuns.
Rahila, uma mulher de 31
anos que vive na Província de
Takhar, disse que, em sua al-
deia, em uma área controlada
pelo Taleban, havia uma clíni-
ca de saúde com apenas médi-
cos homens. “Quando fica-
mos doentes, não podemos
consultar ninguém. Nossos
maridos nos trazem remé-
dios”, disse Rahila. “Quem
testará as mulheres?”
Ela acrescentou: “Se uma
mulher tiver coronavírus, to-
dos na nossa aldeia serão afe-
tados. Se um milagre aconte-
cer, talvez o Taleban possa
impedir o coronavírus em
nossa aldeia”.
Zabihullah Mujahid, porta-
voz do Taleban, disse que os
mulás prometeram cooperar.
Um comandante do grupo na
Província de Helmand garan-
tiu que fornecerá assistência
para os infectados, mas acres-
centou que não há instalações
adequadas nem pessoal trei-
nado para lidar com uma pan-
demia. / REUTERS
MEDO CHEGA
AOS RADICAIS
DO TALEBAN
WIN MCNAMEE/AFP
Sem saída. Bernie Sanders no Congresso americano: sequência de derrotas deixa campanha do senador por um fio
WASHINGTON
O ex-vice-presidente ameri-
cano Joe Biden está cada vez
mais próximo de confirmar
seu nome como candidato do
Partido Democrata que en-
frentará Donald Trump em
novembro. As recentes derro-
tas do senador Bernie San-
ders – em Arizona, Flórida e
Illinois, na noite de terça-fei-
ra – aumentaram a pressão
para que ele desista da dispu-
ta, unifique o partido e anun-
cie apoio a Biden.
Ontem, assessores de San-
ders disseram que o senador es-
tá analisando o futuro de sua
candidatura, em uma campa-
nha que parece ter entrado em
dormência em razão da pande-
mia de coronavírus, que provo-
cou o cancelamento de eventos
de arrecadação de fundos, comí-
cios e primárias.
Desde ontem, o grupo de San-
ders parou de anunciar no Face-
book e assessores enviaram e-
mails para eleitores sem men-
cionar pedidos de doações fi-
nanceiras. Estrategistas que tra-
balham com o senador nega-
ram que a ideia seja suspender a
campanha, mas os passos toma-
dos até aqui são os mesmos ado-
tados por outros pré-candida-
tos que desistiram da disputa.
“As próximas prévias são da-
qui a três semanas”, disse Faiz
Shakir, chefe de campanha de
Sanders. “O senador passará
os próximos dias conversando
com apoiadores para avaliar os
próximos passos. De imediato,
porém, posso dizer que ele es-
tá focado na resposta do gover-
no ao surto de coronavírus e
no objetivo de proteger os tra-
balhadores, que são os mais
vulneráveis.”
Antes de mais um desastre
na noite de terça-feira, San-
ders vinha dando sinais de que
continuaria na corrida presi-
dencial, argumentando que a
pandemia apenas reforçava
seu projeto político de dar aos
americanos um sistema de saú-
de gratuito e universal.
No entanto, a vantagem de Bi-
den parece cada vez mais impos-
sível de reverter. Na terça-feira,
o ex-vice-presidente america-
no venceu com folga na Flórida
(62% a 23%), em Illinois (59% a
36%) e no Arizona (43,5% a
31,5%). A liderança no placar de
delegados saltou para quase
300, segundo projeções do New
York Times – Biden elegeu 1.
delegados, Sanders obteve 884.
São necessários 1.191 para alcan-
çar a nomeação do partido.
A próxima primária é de Por-
to Rico, no dia 29. No dia 4, es-
tão marcadas votações em mais
três Estados: Alasca, Wyoming
e Havaí. Portanto, de acordo
com o calendário, a prévia mais
importante agora é apenas no
dia 7, em Wisconsin, e no distan-
te 28 de abril, quando votam No-
va York, Pensilvânia, Delaware,
Connecticut e Rhode Island.
Muitos analistas dizem que
Sanders aposta que os nova-ior-
quinos, normalmente mais afei-
tos a suas ideias radicais, se-
riam a última esperança do se-
nador. O problema é que, de
acordo com pesquisas, Biden li-
dera com boa margem também
em Nova York. “Sanders está
sendo derrotado por 30, 40 pon-
tos porcentuais”, disse Don
Beyer, deputado democrata do
Estado de Virgínia. “Acabou. Sa-
ber o momento de desistir é di-
fícil, mas é a coisa mais sensata
a fazer no momento.”
“Sanders deveria encerrar
sua campanha. Biden será o can-
didato democrata”, afirmou
Leslie Marshall, analista de ten-
dência progressista e apresenta-
dora de um programa de rádio.
“Está muito evidente que os
eleitores preferem a mensagem
pragmática de Biden em vez da
revolução socialista proposta
por Sanders.”
“Sanders não tem saída. Ele
deveria sair da disputa”, disse o
analista democrata Bakari Sel-
lers. “Deveríamos seguir com a
missão mais importante diante
de nós: derrotar Trump.” A ex-
senadora Claire McCaskill tam-
bém pediu a mesma coisa. “A
questão agora é saber quando e
como Sanders tomará a decisão
de unir o partido. A pressão ago-
ra vai aumentar cada vez mais
para que os democratas se
unam em torno de Biden.” /
REUTERS, NYT, WP e AP
Reta final. Ex-vice-presidente americano derrota rival em primárias importantes em três Estados – Flórida, Illinois e Arizona –,
amplia sua vantagem na corrida presidencial democrata e obriga senador a reavaliar com assessores se continua ou não na disputa
Extremistas, que antes matavam profissionais
de saúde, agora aceitam ajuda contra pandemia
Vitórias de Biden pressionam Sanders
a desistir e unir partido contra Trump
lPressão
Coronavírus
C
om Bernie Sanders nas cordas, Joe
Biden pode agora voltar sua atenção
para a disputa contra Donald Trump.
O ex-vice-presidente americano ganhou
apoio em Estados cruciais para quem quer
ser presidente dos EUA. Na terça-feira, ele
derrotou Sanders na Flórida e no Arizona,
que serão importantes campos de batalha
nas eleições contra o republicano. Mesmo
em meio à pandemia de coronavírus, que
paralisou a vida dos americanos, o compare-
cimento foi alto, em parte porque muitos
eleitores votaram antecipadamente, mas
também porque o entusiasmo dos democra-
tas está elevado.
O instituto Edison Research identificou
que uma coalizão vem impulsionando Bi-
den. O grupo inclui mulheres, negros e elei-
tores rurais brancos. Uma repetição da se-
mana passada, quando o ex-vice-presidente
venceu em Michigan, outro Estado que será
crucial na eleição de novembro.
O mais significativo é que Biden, um mo-
derado de 77 anos, parece estar convencen-
do os eleitores dos subúrbios, também mo-
derados, que ajudaram os democratas a as-
sumir o controle da Câmara dos Deputados
nas eleições de 2018. “Estamos vendo um
pico de participação em áreas suburbanas
ricas e altamente educadas – precisamente
o tipo de lugar que tem se afastado do Parti-
do Republicano desde 2016 e onde alguns
eleitores republicanos estão mais dispostos
a votar em um candidato democrata”, disse
Kyle Kondik, analista do Centro de Política
da Universidade de Virgínia.
As primárias nem sempre servem como
indicador confiável da participação nas elei-
ções gerais, mas o sucesso de Biden pode
ser um bom presságio em uma batalha con-
tra Trump. Os democratas colocaram Arizo-
na, Flórida e Michigan no topo de sua lista
de alvos prioritários. O ex-vice-presidente
vem forte nos três Estados.
A questão agora se resume ao coronaví-
rus, que parece ser a única preocupação na
cabeça dos americanos. “A pandemia pode
mudar a eleição”, garante o analista Fer-
nand Amandi. “Se a crise se estender ao lon-
go do ano, o coronavírus estará nas urnas.”
]
SÃO JORNALISTAS
PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS
“Sanders está sendo
derrotado por 30, 40 pontos
porcentuais. Acabou. Saber
o momento de desistir é
difícil, mas é a coisa mais
sensata a fazer agora”
Don Beyer
DEPUTADO DEMOCRATA
JIM HUYLEBROEK/THE NEW YORK TIMES
Prevenção. Médicos fazem controle da temperatura de passageiros no aeroporto de Cabul
]
ANÁLISE: James Oliphant e Steve Holland / REUTERS
Ex-vice-presidente
vence em Estados que
serão fundamentais