O Estado de São Paulo (2020-03-20)

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F2 Metrópole SEXTA-FEIRA, 20 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Pablo Pereira


O pico dos casos na epidemia
de covid-19 no Brasil deve ocor-
rer no início de abril. A previ-
são foi feita na quarta-feira pe-
lo presidente do Hospital Al-
bert Einstein, o médico-cirur-
gião Sidney Klajner, em entre-


vista ao Estado. Ele afirmou
que neste momento “é muito
importante que as pessoas se
conscientizem da importância
de permanecer em casa” para
tentar impedir o avanço do ví-
rus. Ainda segundo estima ele,
para cada caso notificado da
doença hoje existem outros 15
infectados sem diagnóstico.
“É importante se conscienti-
zar de que a única forma de a
gente mitigar o impacto dessa
epidemia é não disseminar o ví-
rus, permanecer em casa, por-
que o quadro é grave”, afirmou
Klajner. De acordo com ele, o

hospital saltou de 12 casos de
suspeitas, na segunda-feira,
com quatro confirmações da
covid-19, para 45 internações,
21 confirmadas, com sete pa-
cientes na UTI.
Para Klajner, a situação tende
a se agravar no País com um pi-
co de casos em duas semanas.
Na opinião dele, há também
no Brasil um problema adicio-
nal. “A subnotificação dos ca-
sos”, afirmou. Ele afirmou que
para cada caso notificado, haja
pelo menos 15 outros contami-
nados, que não estão sendo diag-
nosticados. “Até pelo fato de

muitos casos serem assinto-
máticos, como pode ocorrer
com as crianças, por exem-
plo”, afirmou.
Em quadros normais,
um diagnóstico da doen-
ça pode levar cerca de
três horas e custa em tor-
no de R$ 150.
“Mas a testagem, po-
rém, por causa do aumen-
to súbito no volume dos
casos, depende de indi-
cação médica”, aler-
tou Klajner.
“Chegamos a
ter, nos últimos

dias, 2 mil testagens”, disse.
“Mas restringimos a testagem
aos pacientes com indicação
médica”, explicou o médico.
O atraso na confirmação do
diagnóstico, lembrou ele, ocor-
re pelo volume de
pessoas na fila.
“O atraso para o
resultado é cau-
sado pela fila
de exames”,

afirmou Klajner.

Teleconferência. De acordo
com o presidente do Einstein,
ele próprio atendeu, na quarta-
feira, pelo menos cinco pacien-
tes com sintomas da covid-19.
“Estou atendendo meus pacien-
tes por teleconferência”, expli-
cou Klajner.
O médico explicou ainda que
o hospital está preparado para
enfrentar a pandemia de coro-
navírus. O Einstein, segundo
ele, conta com 600 leitos que
podem ser usados no atendi-
mento, sendo 100 deles de UTI.
Ele lembrou, no entanto, que so-
mente os pacientes com indica-
ção médica ou em estado grave
devem ser hospitalizados.

Fabiana Cambricoli
Giovana Girardi


Uma falha no formulário do
Ministério da Saúde para no-
tificar casos suspeitos de co-
ronavírus abriu uma brecha
para que os registros prová-
veis da doença no País até ago-
ra ficassem subnotificados.
O documento, que é o meio
oficial indicado pelo governo
federal para que os hospitais
reportem as possíveis infec-
ções, não foi atualizado para
situações de transmissão co-
munitária, o que pode levar à
defasagem nos números e fa-
lha no monitoramento de
contatos próximos de pacien-
tes com suspeita da doença.
O ministério reconhece a de-
fasagem e diz que fará revisão
de protocolos.

A falha foi notada, por exem-
plo, no caso do primeiro brasi-
leiro morto pela doença. Ele
não constava sequer da lista de
casos suspeitos e sua família
não foi orientada a manter isola-
mento. Segundo a operadora de
saúde que atendeu o paciente, a
Prevent Sênior, a notificação
não foi feita porque o homem
não tinha histórico de viagem
nem relato de contato com caso
suspeito ou confirmado e, por
isso, a plataforma federal não
permitia a notificação.
O Estado consultou o formu-
lário e confirmou a falha. No do-
cumento, o profissional de saú-


de precisa indicar se o doente
tem histórico de viagem ou rela-
to de contato com caso suspei-
to ou confirmado. Caso respon-
da ‘não’ para as duas perguntas,
o formulário classifica o caso au-
tomaticamente como excluído.
Quando uma região entra no
estágio de transmissão comuni-
tária, porém, nem sempre o in-
fectado cumpre uma dessas exi-
gências. Dessa forma, possíveis
casos de covid-19 deixaram de
ser reportados para as autorida-
des por causa do atraso na atua-
lização desses critérios para
áreas com transmissão comuni-
tária. O documento deveria ter
sido atualizado há pelo menos
uma semana, quando o Estado
de São Paulo confirmou que já
estava nesse estágio.
Funcionários de hospitais e
especialistas ouvidos pelo Esta-
do confirmam o problema e in-
dicam que o monitoramento da
epidemia pode ter sido prejudi-
cado por causa da falha. De acor-
do com a médica Karla de Andra-
de Possendoro, diretora clínica
do Hospital São Miguel, na zo-
na leste, o problema fez com
que vários pacientes com sinto-
mas fossem descartados ou que
a notificação demorasse mais.
“De fato, só podíamos notifi-
car no formulário se cumprisse
um desses critérios de viagem
ou de contato com outro caso. A
gente estava tendo uma dificul-
dade porque o formulário é en-
gessado. Quando a gente acha-

va que era um caso muito suges-
tivo de covid-19, mesmo sem
cumprir os critérios, ligávamos
para a vigilância epidemiológi-
ca da região para discutir a situa-
ção e fazíamos a notificação por
telefone. Só hoje ( ontem ) rece-
bemos um e-mail mudando o

critério”, afirma ela, referindo-
se a um aviso da vigilância muni-
cipal de passar a considerar pa-
ra notificação somente casos de
Síndrome Respiratória Aguda
Grave, independentemente de
histórico de viagem.
A sanitarista Ana Freitas Ri-

beiro, do Instituto Emílio Ri-
bas, afirma que a mudança veio
com atraso. Ela diz que a deci-
são de notificar os casos de Sín-
drome Respiratória Aguda Gra-
ve deveria ter sido tomada des-
de que a Organização Mundial
da Saúde (OMS) fez essa reco-
mendação, em 27 de fevereiro.
“Isso poderia ter refletido em
uma maior detecção de casos já
há mais tempo. Seria uma for-
ma de detectar mais precoce-
mente uma transmissão comu-
nitária. A forma como estava an-
tes, que considerava só os via-
jantes ou pessoas que tiveram
contato com caso confirmado,
não permitia saber se o vírus es-
tava circulando na comunida-
de”, explica.
Segundo Ana, isso é importan-
te para conhecer a real situação
epidemiológica de cada local e
ter medidas de intervenção
mais adequadas. “Preciso saber
quantos casos realmente tenho.
Sabemos, com base em China e
Itália, que se medidas de afasta-
mento social são tomadas rápi-

do, teremos menos casos. Mas
se ocorrem quando o cenário já
é de pico, vai demorar muito
mais para terem impacto.”
Para Edimilson Migowski, in-
fectologista da Universidade
Federal do Rio (UFRJ), a falha
causou prejuízo no controle da
pandemia. “Ou você tem dados
e fatos confiáveis para reunir es-
forços necessários para barrar o
vírus ou não adianta.”

Ministério. Questionado sobre
a desatualização do formulário,
o Ministério da Saúde anunciou
ontem que mudará a regra para
os casos suspeitos. “Como já es-
tamos enfrentando um número
grande de pessoas que têm o re-
sultado positivo mas que se-
quer foram colocados como sus-
peitos porque não preenchiam
essas regras, estamos mudando
a forma de apresentação dos da-
dos”, disse João Gabbardo, se-
cretário executivo do ministé-
rio. Ele afirmou que agora só os
casos confirmados e óbitos se-
rão divulgados.

Presidente do Einstein prevê pico em 2 semanas


Diante da escalada de casos de
coronavírus no País e do risco
de superlotação dos serviços de
saúde, o Conselho Federal de
Medicina (CFM) decidiu libe-
rar a telemedicina no País.
O aval ao atendimento médi-
co à distância foi informado pe-
lo órgão em ofício enviado on-
tem ao ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta.
No documento, assinado pe-
lo presidente do conselho, Mau-
ro Luiz de Britto Ribeiro, o ór-
gão detalha que passam a ser
permitidas as seguintes modali-
dades de telemedicina: 1) teleo-
rientação, situação em que
médicos possam à distância
orientar e encaminhar pacien-
tes em isolamento; 2) telemoni-


toramento, quando o médico
monitora a distância parâme-
tros de saúde e de doença do
paciente, e 3) teleinterconsulta,
modalidade feita entre profis-
sionais de saúde, para troca de
informações e opiniões entre
médicos, para auxílio diagnósti-

co ou terapêutico.
Até agora, a prática da teleme-
dicina era vetada no País e os
médicos que a praticassem po-
deriam sofrer punições por par-
te do conselho profissional.
Mesmo assim, hospitais como
o Albert Einstein e operadoras

como a Amil já realizavam esse
tipo de procedimento.
O Conselho de Medicina res-
salta no documento que a auto-
rização é excepcional e válida
apenas “enquanto durar a bata-
lha de combate ao contágio da
covid-19”.
Em 2018, o conselho chegou a
publicar uma norma que regula-
mentava a prática. A resolução,
no entanto, foi revogada após
polêmica com as entidades
médicas no ano passado, com a
promessa de aprofundar os de-
bates sobre o assunto.
Nesta semana, Mandetta, já
havia defendido essa modalida-
de e havia afirmado que o forma-
to será regulamentado no País,
para além da relação entre os
profissionais de saúde. “( Dará )
suporte ao médico, atendimen-
to à rede e diretamente ao cida-
dão. Vamos usar todo o poten-
cial da telemedicina.” Hospi-
tais privados ofereceram a es-
trutura a distância para ajudar a
rede pública. / F.C.

Fila.
Klajner
afirma que
resultado
do exame
é mais
demorado

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


‘Quem tem


sintoma leve


não é testado’


Paciente que foi ao serviço e
preferiu não se identificar

Planos de saúde


terão R$ 10 bi


da União


Conselho de Medicina libera telemedicina provisoriamente


FELIPE RAU/ESTADÃO–22/8/2019

Número de mortes no País chega a 7. Pág. F3 }


No Albert Einstein, só estão
testando casos com sintomas
muito graves. Pessoas com
sintomas leves de uma gripe
normal estão sendo considera-
das potencialmente portado-

ras da covid-19 e não são sub-
metidas ao teste, mesmo ten-
do tido contato com um con-
taminado confirmado. Este
paciente com sintomas leves
ou assintomático recebe um
atestado para se afastar do
trabalho, caso seja CLT, e
orientação pra ficar em casa
14 dias, mas sai sem fazer o
teste. Ou seja, uma parcela
incalculável que pode ter o
vírus irá para casa, nunca apa-
recerá no registro oficial co-
mo um caso positivo e espa-
lhará a doença.

DEPOIMENTO

O ministro da Saúde, Luiz Hen-
rique Mandetta, afirmou que o
governo vai facilitar a liberação
de R$ 10 bilhões aos planos de
saúde. O valor faz parte de um
fundo garantidor, vinculado à
Agência Nacional de Saúde Su-
plementar (ANS), composto
por recursos das operadoras.
De acordo com Mandetta, a
ANS deve formalizar a ação
amanhã.
Com a medida, o governo
quer garantir que os planos de
saúde consigam usar 20% do
fundo garantidor, cujo valor to-
tal é de R$ 53 bilhões. A expecta-
tiva, de acordo com o ministro,
é que as operadoras usem os re-
cursos para comprar equipa-
mentos e reforçar leitos. O obje-
tivo é não sobrecarregar ainda
mais o sistema público de saú-
de em meio ao avanço do novo
coronavírus nos próximos me-
ses. / JULIA LINDNER

NA WEB


Multimídia. Veja
especial sobre a
covid-19

estadao.com.br/e/coronavirus
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DADO RUVIC/ILLUSTRATION/REUTERS–17/3/2020

Falha em


protocolo abre


brecha para


subnotificação


Documento do ministério não foi atualizado


para situações de transmissão comunitária


Risco. 1º morto pela doença não estava na lista oficial de casos suspeitos; governo promete mudanças em protocolos

MICHAEL STRAVATO/THE NEW YORK TIMES–7/4/2010

Distância. Médico faz atendimento por meio de uma teleconferência: caráter excepcional

Aval foi informado ao


Ministério da Saúde e a


autorização vale ‘enquanto


durar a batalha de


combate’ ao coronavírus


Sidney Klajner projeta


a existência de 15


infectados sem


diagnóstico para cada


paciente notificado

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