O Estado de São Paulo (2020-03-20)

(Antfer) #1

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F6 Metrópole SEXTA-FEIRA, 20 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FERNANDO


REINACH


D


urante uma pandemia mui-
tos vão aprender quanto va-
le a ciência e o tamanho da
desgraça que é ter líderes ignoran-
tes. Enquanto o governo procrasti-
na, a ciência já começou a entregar
resultados. Desenvolver drogas e va-
cinas para o coronavírus é uma rota
segura, mas lenta. E tempo é o que
não temos. Outra possibilidade é
procurar no nosso estoque de ar-
mas que já estão na prateleira, se al-
guma delas funciona contra o vírus.
Esse estoque de armas são as milha-
res de drogas que já são usadas e
estão disponíveis nas farmácias e
nos laboratórios farmacêuticos.
A grande vantagem desses com-
postos é que eles já foram testados
em seres humanos, sabemos a dose

que podemos usar, conhecemos os
efeitos colaterais e, em muitos casos,
existem fábricas que podem ser expan-
didas rapidamente. Desde o início da
epidemia, em praticamente todos os
hospitais, médicos estão testando os
mais diferentes medicamentos. Mas
infelizmente, na maioria dos casos,
eles simplesmente não combatem o ví-
rus. Os resultados negativos têm sido
publicados rapidamente para evitar
que outros grupos tentem o mesmo
medicamento. As revistas científicas
de Medicina estão coalhadas desses es-
tudos. A novidade é que ontem circu-
lou um trabalho que indica que uma
combinação de duas drogas já conheci-
das parece funcionar.
Para entender o resultado é impor-
tante entender como são feitos os ex-

perimentos. Os médicos recrutam pa-
cientes e os dividem em dois grupos. O
primeiro é tratado com drogas, o se-
gundo serve como controle. Em segui-
da os resultados são apurados.
Esse trabalho envolveu 36 pessoas
internadas com resultado positivo pa-
ra o vírus. Dessas, 16 não foram trata-
das e 20 foram tratadas. Todas as 20
foram tratadas com hidroxicloroqui-
na e 6 das 20 receberam também azitro-
micina. A média da idade dos pacien-
tes foi de 45 anos e nenhum deles era
caso gravíssimo (que necessitam de

respiradores). O estudo começou qua-
tro dias depois que os pacientes foram
internados e durou seis dias. Os pacien-
tes foram testados diariamente para a
presença do vírus. Foi usado o mesmo
método de teste que é usado pelos labo-
ratórios para saber se uma pessoa está
infectada.
O resultado é impressionante. De-
pois de seis dias, 90% dos pacientes
não tratados ainda testavam positivo
para o vírus. Entre os tratados com
uma das drogas, a hidroxicloriquina,

55% testaram positivo. Entre os 6 indi-
víduos tratados com ambas as drogas,
já no quinto dia nenhum testou positi-
vo, o que se repetiu no dia 6. Ou seja
100% dessa pequena amostra foi apa-
rentemente curada. Um resultado mui-
to claro, mas ainda preliminar.
Antes de você ficar muito animado é
preciso lembrar que esse é um estudo
muito pequeno, feito com pouquíssi-
mos pacientes, no qual os pacientes
não foram colocados de maneira alea-
tória nos grupos de estudo. Ou seja, ele
tem que ser repetido com mais pacien-
tes ao longo de mais tempo em mais
centros, com pacientes de diferentes
idades e gravidade. Mas sem dúvida é
encorajador. Não tenha dúvida que
nas próximas semanas saberemos se
esse resultado foi confirmado. Se for
confirmado, será o primeiro tratamen-
to para a covid-19.
A grande vantagem desse tratamen-
to é que ele usa duas drogas amplamen-
te comercializadas. Uma delas é um de-
rivado da droga que usamos para tratar
malária e a outra é um antibiótico. Am-
bas são drogas baratas, muito bem co-
nhecidas. Já existiam evidências que a
hidroxicloroquina ataca células que
produzem o coronavírus. O efeito da
azitromicina ainda não é bem entendi-
do, mas o mais provável é que ela evite

o crescimento de bactérias nos
pulmões afetados.
Esse resultado é quase bom de-
mais para ser verdade, e por isso os
cientistas estão ocupados repetin-
do os experimentos. É esperar para
ver. Enquanto esses experimentos
estavam sendo feitos, nosso líder,
ao invés de nos preparar para a pan-
demia, insistia em dizer que tudo
era histeria superdimensionada.
Agora, quando aparece com uma
máscara pendurada em uma só ore-
lha, resultados científicos são divul-
gados. Twitter não mata vírus. Lem-
bre disso.
Conversei com o líder da pesqui-
sa na França, um cientista bem co-
nhecido chamado Didier Raoult pa-
ra me certificar que os dados eram
reais. Ele afirmou que o trabalho já
havia sido revisado e será publicado
em breve em uma revista científica.

]
MAIS INFORMAÇÕES: HYDROXYCHLORO-
QUINE AND AZITHROMYCIN AS A TREAT-
MENT OF COVID-19: RESULTS OF AN OPEN-
LABEL NON-RANDOMIZED CLINICAL
TRIAL. IN PRESS (2020) MAS DISPONÍVEL
NA INTERNET.

É BIÓLOGO

Giovana Girardi


Na falta de vacina e de antivi-
rais específicos para tratar o
coronavírus, pesquisadores
em todo o mundo têm investi-
gado desde o início do ano se
drogas já existentes podem
também atuar contra a covid-


19. Uma das candidatas é a clo-
roquina, usada há 70 anos
contra malária, e a hidroxiclo-
roquina, derivada menos tóxi-
ca da droga. A Agência Nacio-
nal de Vigilância Sanitária
(Anvisa) destaca que faltam
testes conclusivos.

Testes feitos por chineses e
sul-coreanos e avaliações poste-
riores conduzidas por pesquisa-
dores de outros países mostra-
ram que as drogas são efetivas
em limitar a replicação do novo
coronavírus in vitro. E foi obser-
vada uma melhora em pacien-
tes que receberam cloroquina
nos dois países asiáticos. Só que
ainda faltam testes em larga es-
cala – que podem demorar.
Uma carta escrita por pesqui-
sadores das Universidades Stan-
ford e Columbia (EUA) destaca
que os pacientes que recebe-
ram a medicação tiveram um


“certo efeito curativo”, com
“boa eficácia”. Houve melhora
na febre, nas imagens do pul-
mão e eles precisaram de me-
nos tempo para se recuperar.
Outro trabalho, divulgado
por cientistas franceses ( veja
acima ), analisou o efeito da hi-
droxicloroquina sozinha em 20
pessoas contaminadas e um
combinado da droga com azitro-
micina, antibiótico tradicional,
em outras 6 pessoas. O primei-
ro grupo teve redução da carga
viral após 6 dias, e no segundo,
houve eliminação do vírus. Re-
sultado promissor, mas ainda
obtido em poucas pessoas, o
que demanda mais testes.
Diante dos resultados da clo-
roquina, o presidente dos EUA,
Donald Trump, se precipitou
ontem em dizer que a droga
tem o potencial de “virar o jo-
go” do coronavírus. “Resulta-
dos iniciais se mostraram mui-
to encorajadores e vamos ser ca-
pazes de tornar a droga disponí-
vel quase imediatamente”, dis-
se, para acrescentar na sequên-
cia que ela já havia sido aprova-
da para esse uso pela agência de
drogas dos EUA, a FDA.
O diretor da agência, Stephen

Hahn, porém, que estava ao la-
do de Trump, foi mais contido.
Ele explicou que várias estraté-
gias estão sendo testadas e dis-

se que está considerando admi-
nistrar cloroquina a grandes
grupos de pacientes com coro-
navírus como parte de um “uso
expandido” de um programa de
testes clínicos, o que poderia
permitir ao FDA coletar dados
para medir se a substância de
fato funciona. Como é uma dro-
ga que já tem outro uso aprova-
do, o cronograma de testes clíni-
cos seria mais simples, o que po-
deria levar a uma aprovação de
uso mais rápida do que testar
uma droga nova do zero.

Teste. A Anvisa destacou que
“hidroxicloroquina e cloroqui-
na são registrados pela agência
para o tratamento da artrite, lú-
pus eritematoso, doenças fotos-
sensíveis e malária”. “Apesar de
promissores, não existem estu-
dos conclusivos que compro-
vam o uso desses medicamen-
tos para o tratamento da covid-


  1. Portanto, não há recomenda-
    ção para sua utilização; e a auto-
    medicação pode representar
    um grave risco à sua saúde.” /
    COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS


E-MAIL: [email protected]

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Mariana Hallal


Os estoques dos bancos de
sangue do País diminuem de
forma significativa. O motivo,
segundo profissionais da
área, é que as pessoas estão
deixando de sair de casa como
forma de conter o avanço do
novo coronavírus. Especialis-
tas reforçam a importância de
evitar saídas, mas pedem que
as pessoas compareçam aos
hemocentros ao ressaltar que
não há riscos de contamina-


ção nesses locais.
De acordo com o oncologista
do Hospital Israelita Albert
Einstein Fernando Maluf, as
pessoas devem mesmo evitar
sair de casa, mas não podem
deixar de doar sangue. “O risco
de contrair a covid-19 em uma
ida e volta ao banco de sangue é
muito pequeno, enquanto o po-
tencial de salvar vidas é muito
grande”, afirmou.
O oncologista tranquilizou
as pessoas que têm medo de se-
rem contaminadas no local da
doação de sangue. De acordo
com o médico, quase todos os
hemocentros estão localiza-
dos em um ambiente que fica
separado do hospital principal,
diminuindo o risco de infec-
ção. “É uma área bastante segu-
ra”, afirmou.

Apesar de os hospitais terem
suspendido parte dos procedi-
mentos eletivos, ainda há mui-
ta necessidade de sangue nes-
ses locais.
Segundo Maluf, a necessida-
de não está ligada diretamente
aos pacientes diagnosticados
com a covid-19, mas relaciona-
da às cirurgias de emergência e
aos pacientes que precisam

manter os níveis de plaqueta e
hemoglobina mais altos, por
exemplo. “É uma necessidade
vital para todos os hospitais”,
disse o médico. “Não podemos
deixar os pacientes da covid-19
ou de outras tantas doenças
sem esse elemento”, falou.
A Fundação Pró-Sangue, vin-
culada à Secretaria da Saúde do
Estado de São Paulo, informou
que está com o estoque abaixo
do ideal. Em fevereiro, expli-
cou a entidade, a doação de san-
gue registrou forte queda, atri-
buída ao carnaval e à campa-
nha de vacinação contra o sa-
rampo – que causa restrição ao
doador. Até a semana passada,
a instituição operava com 40%
da reserva necessária para aten-
der pelo menos 100 institui-
ções de saúde da rede pública.

Triagem. O Ministério da Saú-
de publicou uma nota técnica
atualizando os critérios para doa-
ção de sangue. O documento ins-
trui os hemocentros a questio-
nar, durante o processo de tria-
gem, se o doador esteve em paí-
ses com transmissão local da
doença. Se esteve, ele precisará

esperar 30 dias desde a chegada
ao Brasil para fazer a doação.
Pessoas que tiveram contato
com casos suspeitos ou confir-
mados de covid-19 também de-
vem aguardar um mês antes de
doar. Já aqueles que foram infec-
tados pelo coronavírus devem
esperar 90 dias.

l Cloroquina

OMS diz que


ibuprofeno


pode ser usado


FELIPE RAU/ESTADÃO -26/3/2019

l Sem estoque

Especialista do Albert


Einstein diz que


momento é crítico e


ressalta segurança de
locais de doação


“O risco de contrair a
covid-19 em uma ida ao
banco de sangue é pequeno,
enquanto o potencial de
salvar vidas é muito
grande.”
Fernando Maluf
ONCOLOGISTA DO ALBERT EINSTEIN

Quarentena afasta os doadores de sangue


Alerta. Maluf fala em ‘necessidade vital’ para os hospitais

REUTERS

Droga para


malária


pode reduzir


carga viral


“O presidente ( Trump ) nos
instruiu a examinar mais de
perto com abordagem de uso
expandido para realmente ver
se beneficia os pacientes.”
Stephen Hahn
DIRETOR DA AGÊNCIA DE DROGAS

Testes com cloroquina mostram efeito contra


covid-19; para Anvisa, faltam mais pesquisas


Esperança. Essas drogas foram efetivas em limitar replicação do novo coronavírus in vitro

Com base em novas pesquisas,
a Organização Mundial da Saú-
de (OMS) anunciou ontem
que não há contraindicação pa-
ra o uso do anti-inflamatório,
antitérmico e analgésico ibu-
profeno no tratamento de pa-
cientes contaminados com o
novo coronavírus.
O uso do ibuprofeno havia
sido desaconselhado pelo mi-
nistro da Saúde da França, Oli-
vier Veran, e reforçado, em um
primeiro momento, pelo por-
ta-voz da organização, Chris-
tian Lindmeier, no início desta
semana.
Análise dos dados disponí-
veis, porém, contrariou a con-
clusão do ministro francês. A
posição oficial da OMS, agora,
é de que a droga, assim como o
paracetamol, pode ser usada
contra a febre, como ocorre
normalmente, em meio à pan-
demia da covid-19. Em outras
palavras, não existe comprova-
ção da necessidade de evitar o
medicamento.

Prevenção. Especialistas ouvi-
dos pelo Estado tinham expli-
cado que evitar o ibuprofeno é
uma medida preventiva. Celso
Granato, professor da Univer-
sidade Federal de São Paulo (U-
nifesp) e diretor médico do
Grupo Fleury, havia dito que a
associação entre o uso do remé-
dio e o agravamento da doença
ainda era preliminar.
A Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC) havia acon-
selhado que o uso do remédio
fosse evitado, pois aumentaria
os níveis de um receptor que
facilita a entrada do vírus nas
células.
Ao Estado , a diretora de
Ciência, Tecnologia e Inova-
ção da SBC, Ludhmila Abrahão
Hajjar, havia dito que se trata-
va de uma medida preventiva.

Foi descoberto um possível


tratamento?


Combinação de azitromicina e
hidroxicloroquina apresenta
resultados impressionantes
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