O Estado de São Paulo (2020-03-20)

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A4 SEXTA-FEIRA, 20 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


COLUNA DO


ESTADÃO


Política


»SINAIS


PARTICULARES.
Regina Duarte,
secretária
nacional de
Cultura

»Digital. Como quase tudo
a orbitar na luta política via
internet, a autoria das pe-
ças é mistério. Porém, a pro-
dução coincide com a mu-
dança no comando da co-
municação do PT, agora
sob liderança de Jilmar Tat-
to. O estilo, diz quem o co-
nhece, é inconfundível.

»Xi... A peça compartilha-
da por Gleisi Hoffmann,
presidente do PT, desagra-
dou a setores do partido:
enxergaram precipitação e
oportunismo. O País, afinal,
atravessa momento difícil.

»Se liga, Jair. O Planalto
sentiu o baque dos panela-
ços espontâneos. Diz um
palaciano: o presidente pre-
cisa entender que o PT e a
esquerda, neste momento,
não são os inimigos que me-
tem medo na classe média.
Agora, ele atende pelo no-
me de coronavírus.

»Não engana. Líderes do
Centrão afirmam já ter de-
sistido de uma mudança de
postura por parte do presi-
dente. Avaliam que ele po-
de até soar mais técnico e
menos combativo neste mo-
mento, mas acreditam que
a postura beligerante volta-
rá a dar o tom.

»Foi longe. Para o cientis-
ta político Rafael Cortez, da
Tendências Consultoria, o
presidente cruzou a linha
do tensionamento, caracte-
rístico do seu modus ope-
randi, quando minimizou
os efeitos da pandemia do
coronavírus. “O coronaví-
rus evidenciou a ação ou a
falta de ação do governo.”

»Detalhes. Na nota em
que Ernesto Araújo se posi-
ciona sobre o ataque de
Eduardo Bolsonaro à Chi-
na, não passou despercebi-
do por diplomatas o uso do
Brasão da República. Não é
o layout normalmente utili-
zado pelo Itamaraty, dizem,
mas sim pelo Planalto.

»Tatu... Enquanto as aten-
ções estão voltadas para a
covid-19, o Congresso apro-
vou na noite de anteontem
dois jabutis na MP do Con-
tribuinte Legal, ambos apre-
sentados pelo PP.

»...subiu... Um deles trata
de bônus de até 80% por
produtividade a analistas e
auditores fiscais, o que já
existe, mas foi considerado
irregular pelo TCU. A mano-
bra foi tão ligeira que nem
na Economia há entendi-
mento sobre o saldo final.

»...no tronco. O governo
não tem como barganhar:
precisa da aprovação da MP
(caduca dia 25). Aliados
apostam que Bolsonaro ve-
tará o trecho. O segundo
jabuti muda a regra nas deli-
berações do Carf: no caso
de empate, a decisão será a
favor do contribuinte.

»De olho. A demanda de
artistas por uma resposta
de Regina Duarte à quebra-
deira na cultura, por conta
da covid-19, chega direta-
mente via WhatsApp. Co-
mo ela é do meio, seu nú-
mero de celular é ampla-
mente conhecido.

»Fora. Marcelo Ramos
(PL-AM), que viajou com
Alcolumbre, está bem, mas
se impôs isolamento total.

COM MARIANA HAUBERT E
MARIANNA HOLANDA.

O


s panelaços contra Jair Bolsonaro assanharam a
oposição petista a produzir e difundir suas já famo-
sas “narrativas”. Vídeo compartilhado por Gleisi
Hoffmann resume a construção em curso: para valorizar
Dilma Rousseff, culpa Aécio, Cunha, Temer e Bolsonaro
pela crise atual; diz ainda que o “ódio” que divide o País des-
de 2014 vem de um lado só, o dos adversários do PT, claro.
Em outra peça, ainda mais oportunista, a debacle de Adolf
Hitler é usada para relacionar a pandemia do coronavírus
ao impeachment e pintar o PT como salvador da pátria.

Na esteira dos panelaços,


as narrativas oportunistas


ALBERTO BOMBIG
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KLEBER SALES/ESTADÃO

‘Estratégia é a de
entreter seguidores e

desviar o foco.’ Pág. A


Oliver Stuenkel


José Luiz Penna

O governo Bolsonaro foi obri-
gado a se posicionar ontem
sobre as declarações do depu-
tado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), que responsabili-
zou a China pela pandemia
do novo coronavírus e provo-
cou uma crise diplomática
com o país que é o principal
parceiro comercial do Brasil.
Planalto e Itamaraty procura-
ram dissociar o fato do gover-
no, mas a representação chi-
nesa no País manteve o tom
crítico ao filho do presidente
Jair Bolsonaro. O episódio ge-
rou constrangimento a auto-
ridades políticas do País.
O presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ), pediu
desculpas ao embaixador chi-
nês no Brasil, Yang Wanming,
“pelas palavras irrefletidas”
do deputado. Em nome do Se-
nado, o vice-presidente da Ca-
sa, Antonio Anastasia (PSD-
MG), enviou uma carta a Wan-
ming também se desculpando
e reforçando “respeito” ao po-
vo chinês. A manifestação foi
feita a pedido do presidente do
Congresso, Davi Alcolumbre
(DEM-AP), que está em qua-
rentena após ser diagnostica-
do com coronavírus.
Anteontem, Wanming reagiu
indignado a uma publicação de
Eduardo na qual o parlamentar
diz que a culpa do alastramento
do novo coronavírus é China,

que teria controlado informa-
ções e não trabalhado desde o
início para conter a propagação
do vírus. O embaixador chinês
repudiou a declaração e afir-
mou que o deputado “contraiu
um vírus mental” em Miami.
Já o ministro de Relações Ex-
teriores, Ernesto Araújo, publi-
cou no Twitter nota na qual
aponta que as posições de
Eduardo “não refletem” a do go-
verno. Para o chanceler, a rea-
ção de Wanming foi “despro-
porcional” e feriu “a boa prática
diplomática”.
Segundo ele, o governo espe-
ra, agora, uma retratação por
parte do embaixador da China.
Ainda segundo Araújo, o filho
do presidente não “ofendeu o
chefe de Estado chinês”. Em no-
ta divulgada à noite, a Embaixa-
da da China disse que não acei-
tou o gesto de Araújo e cobrou
desculpas de Eduardo.
O vice-presidente Hamilton
Mourão tentou minimizar o im-
pacto da fala de Eduardo. “( A
declaração ) não é motivo de es-
tresse, pois a opinião de um par-
lamentar não corresponde à vi-
são do governo. Nenhum mem-
bro do governo tocou nesse as-
sunto”, disse Mourão ao Esta-
do. O vice-presidente teve pa-
pel decisivo na reaproximação
do Brasil com a China, após o
país asiático ser alvo de declara-
ções hostis de Bolsonaro ao lon-

go da campanha eleitoral.
O presidente, que tentou em-
placar o filho como embaixador
em Washington, não se posicio-
nou. Eduardo, por sua vez, re-
cuou da própria postagem. “Ja-
mais ofendi o povo chinês”, dis-
se, em nota. “Compartilhei pos-
tagem que critica a atuação do
governo chinês na prevenção
da pandemia, principalmente
no compartilhamento de infor-
mações que teriam sido úteis na
prevenção em escala mundial.”
Além de culpar a China pela
pandemia, Eduardo comparou o
coronavírus a Chernobyl e disse
que o governo Xi Jinping, chama-
do por ele de “ditadura”, escon-
deu a epidemia. “A comparação
entre o coronavírus e a tragédia

da usina nuclear de Chernobyl
não é novidade. Ambos ocorre-
ram em países cuja liberdade de
expressão e imprensa eram/são
limitados pelo governo.”
Segundo o Ministério da Eco-
nomia, o fluxo de comércio do
Brasil com a China é de cerca de
US$ 100 bilhões. Os chineses
respondem por 27,8% das ex-
portações e 20% das importa-
ções, o primeiro país tanto nas
vendas como nas compras. Em
outubro do ano passado, ao che-
gar à China, Bolsonaro afirmou
que estava em um país “capita-
lista” e que a ampliação do co-
mércio entre os dois países era
“a prioridade número um”.

Embate. Ontem, a Embaixada
da China no Brasil voltou a reba-
ter Eduardo. No Twitter, afir-
mou que as palavras do deputa-
do são “absurdas”, “preconcei-
tuosas” e “irresponsáveis”. “A
história nos ensina que quem in-
siste em atacar e humilhar o po-
vo chinês, acaba sempre dando
um tiro no seu próprio pé.”
Aconselhou ainda que o parla-
mentar busque informações
científicas em fontes sérias, co-
mo a OMS. “Você afirma que foi
eleito pelo povo, mas fica a per-
gunta: será que está cumprindo
os seus deveres como deputa-
do?” / DANIEL WETERMAN, GREGORY
PRUDENCIANO, JUSSARA SOARES,
MATHEUS LARA e NICHOLAS SHORES

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


PRONTO, FALEI!

Presidente nacional do PV

»CLICK. Em tempos de
pandemia, vídeo compar-
tilhado por petistas nas
redes sociais pede a
quem apoia Jair Bolsona-
ro para parar de “espa-
lhar” fake news.

l Repercussão

Governo tenta contornar


crise causada por Eduardo


P


oucas horas depois de duas importantes coletivas do
governo sobre o novo coronavírus, Eduardo Bolsona-
ro achou que seria uma boa ideia começar uma crise
diplomática com o governo chinês. Afeito à verborragia vir-
tual, o deputado comparou a resposta chinesa à tragédia
de Chernobyl, na antiga União Soviética, e culpou o Parti-
do Comunista Chinês pelo alastramento da doença.
Trata-se de versão mais branda de teoria conspiratória
que há tempos circula na seita olavista: a China teria fabri-
cado o vírus para destruir e subjugar as economias ociden-
tais. Uma vez difundida pelo filho de Jair Bolsonaro e presi-
dente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a
acusação assume contornos oficiais.
Não surpreende que a reação chinesa tenha sido rápida.
No próprio Twitter, tanto embaixada quanto embaixador
da China em Brasília repreenderam duramente o deputa-
do, acusando-o de reproduzir a cantilena trumpista. De fa-
to, Trump vem usando a expressão “vírus chinês” para in-

suflar o antagonismo contra a China em meio a uma guer-
ra comercial e tecnológica.
Mas se, nos EUA, a cortina de fumaça tem funções geopo-
líticas, no caso brasileiro ela vem mascarar a incompetên-
cia do governo em lidar, de maneira responsável e coesa,
com a crise de saúde pública que se avizinha.
Contrariado, até o olavista Ernesto Araújo teve de se po-
sicionar. Reiterou que Eduardo não fala em nome do gover-
no e exigiu um pedido de desculpas do embaixador – que
dificilmente acontecerá, pois não foi ele que começou a
briga. O episódio nos deixa três lições importantes. A pri-
meira é que, em nossa filhocracia, existe uma confusão per-
manente entre o que é do governo e o que é do parlamen-
to, estimulada pelo próprio presidente.
A segunda é que, a exemplo do que vimos nas rusgas com
França e Alemanha, criar inimigos externos para desviar o
foco de problemas domésticos é sempre um risco enorme,
pois os desdobramentos são imprevisíveis. Por fim, é hora
de deixarmos os adultos governarem. Em se tratando de
política externa, de preferência longe das redes sociais.

]
CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DA FGV-EAESP

Panelaços ocorrem até onde Bolsonaro teve 80% dos votos. Pág. A8 }


“O dilema a partir de agora é se vamos para o impea-
chment ou se esperamos a gestão Bolsonaro sangrar
politicamente até o fim do desgoverno.”

ADRIANO MACHADO/REUTERS - 21/11/

“Não é motivo de estresse, a
opinião de um parlamentar
não corresponde à visão do
governo. Nenhum membro
do governo tocou nesse
assunto.”
Hamilton Mourão
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“As críticas de Eduardo
Bolsonaro à China (...) não
refletem a posição do
governo brasileiro.”
Ernesto Araújo
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Embaixada da China mantém crítica a filho do presidente Jair Bolsonaro, que ligou origem


do coronavírus a país asiático; Planalto e Itamaraty agem para dissociar fato do governo


Recuo. Eduardo e Araújo, durante evento de Política Externa, no ano passado; chanceler diz que críticas não são do governo

Cortina de fumaça mascara


dificuldade de lidar com crise


]
ANÁLISE: Guilherme Casarões
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