Sexta-feira,20demarçode2020|Valor| 11
“Políticamonetária não
vai nossalvar”, diz ex-Citi
DiegoViana
ParaoValor,deSãoPaulo
O
maiorperigoque apandemiado
novocoronavírusrepresentapara
a economiamundial é a resposta
insuficientede autoridadeseco-
nômicas,afirmaoeconomistaanglo-ameri-
canoWillemBuiter, professor de relações
internacionais da UniversidadeColumbia,
em NovaYork, eex-economista-chefedo Ci-
tibank. Mesmocom os cortesde jurose o
anúncio de pacotespara estimularaecono-
mia nos EUA,no ReinoUnidoe na zonado
euro,oeconomistaconsideraas medidas
muitoaquémdonecessário.
Emartigopublicadonasemanapassadano
siteProjectSyndicate,Buiter,de70anos,argu-
mentaqueamáresposta dos governos pode
transformarumchoquedeoferta,quegeraria
apenas umarecessão de poucos meses,em
um quadromaisparecidocom uma depres-
são. No fim de semana, o Federal Reserve
(Fed),bancocentraldos EUA,anunciou uma
fortebaixa na taxa de juroseavoltadopro-
gramade afrouxamentomonetário. Mesmo
assim, omercado reagiucom pouco entusias-
mo. “Eles têm razão:política monetária não
vainossalvardestavez”, afirmaoeconomista.
Buiter fala de seu apartamento nova-ior-
quinoecomentaqueamudançanomodode
vida,com o autoisolamento eofechamento
do comércio, ainda não évisível de sua jane-
la. “Está tudoapenasum pouco mais silen-
cioso. Os restaurantes fecharam há pouco,
agora são as escolas”,afirma. “As mudanças
estão vindo,mas ainda não chegamosao
ponto maischocante. Faltam alguns dias até
atingir ocenário de paisagem lunar.” Ao en-
cerrar a conversa, o economista introduz
umasaudaçãoadequadaatemposdepande-
mia:“Procuresemantersaudável!”.
Valor:Estenãoéumchoqueeconômicoco-
mum,comosuperprodução,especulaçãooudis-
paradade preçosdaenergia...
Willem Buiter: Éumpoucocomoum
terremoto!
Valor:Mesmoassim,muitoseconomistaspreve-
emquenãoteremossó quedaabrupta,seguidade
recuperação.Osenhorfalaemriscode sermaisdo
querecessão, chegandoa depressão. Por quê?
Buiter:Não sabemos quandoascadeias de
fornecimento vão estar de volta ao funciona-
mento normal. Não temosnenhuma ideiade
quandoesse vírusestarásob controle equan-
do vaiser possíveltrabalhar normalmente.
Aindaépossívelque,dentrodepoucosmeses,
vamos estar sentados em nossas salastoman-
do café e contando históriasdos dias loucos
de março.Mas não sabendoparaonde cami-
nhamos, ocenário é pior. O choque atual é
muito diferente do que ocorreu em 2008 e
- Aquilo foi um choque financeiro com
impacto na economia real. Este é um choque
da economia real com consequênciasfinan-
ceiras.Seasautoridades—supervisoresfinan-
ceiros, bancos centrais, reguladores e autori-
dades fiscais —agirembem, teremos menos
riscode um círculo perverso de retroalimen-
taçãodosetorfinanceiro,devoltaàeconomia
real.Mas se errarem, podeser que cheguemos
aalgo muito mais grave. Não estoudizendo
queteremos uma depressão, mas orisco exis-
te, se o vírus for maispernicioso, mortífero e
duradouro do quepensamos, se demorar
maistempo para acharem uma vacina viável,
seeletiverumarecorrência.Agentesupõe,eé
o maisprovável, que os curados fiquem imu-
nes. Mas não é necessariamente o caso. Então
é essencialque as autoridades fiscais e mone-
táriasestejammuitoalertas.
Valor:Atéagora,as respostasdasautoridades
fiscaise monetáriasforamrecebidas commuito
poucoentusiasmo no mercadoe entreeconomistas.
Buiter:Essasmedidasestãobastanteconcen-
tradas no lado monetário.Especialmente nos
EUA.Masainda não vimos quasenadado lado
fiscalnosEUAepouquíssimonazonadoeuroe
noReinoUnido.ÉumafraçãoínfimadoPIB.Ri-
sível. No mínimo, teríamosque estar de pronti-
dão, com umagrande bazuca na mão. Talvez
não fossenem necessário gastar todo o dinhei-
ro.Mas deveria ser reservadopelo menosalgo
em torno de 2% do PIB. E isso não foi feito. Na
verdade,atéagorasóoquevimosforamrespos-
tasdosbancoscentrais,umaligeirasugestãodo
Eurogrupo também,e os mercados têm plena
razãode se mostrarem desapontados. Estou
impressionado com ofato de queolado fiscal
ficou tão negligenciado. Até mesmo o Fed, no
seu anúnciode domingo, não disse nadasobre
“commercial papers” [dívidaempresarial de
curtoprazo]. Esta é uma enorme fontedeten-
são,porqueéondemuitasempresascorremris-
co de moratória iminente. É precisoajudá-las.
Asautoridadesprecisamintervircomgarantias
decrédito, comoBancoCentralcomprandodí-
tre opresidenteJair Bolsonaro(sem parti-
do) eoCongresso.“Oque é péssimopara o
país”, acrescentao economista. Na segun-
da-feira,o“FinancialTimes”tambémcriti-
cou o líderbrasileiro.Em editorial,o jornal
britânicoapontouque o comportamento
belicosode Bolsonaro comprometeo avan-
ço das reformaseconômicasno país,cujas
finançaspúblicasaindapermanecemins-
táveis, com déficitfiscalde 5,9% do produ-
to no ano passadoe uma dívidapúblicade
quase76% do PIB tambémem 2019.“O
momentoémuito delicadoparaesse tipo
de confronto”, afirmaPinheiro.
Na perspectivaglobal,acrise do corona-
vírustrouxeàtona um problemagrave,
aindaque poucovisívelno mundodesen-
volvido.Trata-sedo poderdevastadordes-
se tipo de contágio. Duranteaepidemiada
doença provocada pelo vírus ebola, na
ÁfricaOcidental,o PIB na Libériacaiu de
8,7% para 0,7% entre 2013 e 2014.O fecha-
mentode escolascomduração de meses
interrompeu a educaçãoe deixouas crian-
ças vulneráveis àexploração, causandoum
pico de violênciasexuale gravidezindese-
jadade adolescentes. De acordocomCa-
therineMachalabae WilliamKaresh, da
EcoHealthAlliance,organizaçãosem fins
lucrativos,os custosdessese de outrosefei-
tos secundáriosda tragédiaserãosentidos
nos próximos anos,senãonas próximas
décadas.SerraLeoaexperimentouum de-
clíniosemelhantedo produto,assim como
a vizinhaGuiné.O númerooficialde mor-
tes na regiãofoi de 11,3 mil.
Catherine e Kareshapontamem artigo
recente(“FightPandemicsLide Wildfires”),
publicadona revista“ForeignAffairs”, que
é possívelreduziraintensidade dessetipo
de ocorrência. Nos últimos 60 anos, a
maioriados novospatógenoszoonóticos
surgiucomoresultado de mudançasnas
práticasagrícolas,tantona produçãode
alimentoscomono uso da terraou no con-
tato com a vida selvagem.
Milhõesde pessoas,principalmenteem
paísesemdesenvolvimento,dependemain-
da de mercadosde animaisvivospara aali-
mentação. Eles são uma das principaisfon-
tesdeameaçasparaassociedades,comode-
monstraoatualsurtodocoronavírus.Asin-
dicaçõessão de que a pandemia começou
em um centro comercialdesse tipoem
Wuhan,naChina.Reduzironúmerodeani-
mas vivosque circulamnesseslocais,obser-
va a duplade especialistas,diminuiráoris-
co de futurossurtosde doençasinfecciosas.
Rastreara origemde tudopoderser um
bomcomeço para se evitaruma novacrise
globaldessaproporçãoenatureza.
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