Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-20)

(Antfer) #1
Sexta-feira, 20demarçode 2020 |Valor| 21

vistageoestratégico, nãosofremos
nenhumtipode ameaçaexternagrave?
Numoutroexemplo, os EUAnos
acenamcomapoioparao acessodo
Brasilà OCDE.O apoioquenosé agora
oferecidoocorredepoisde Washington
ter-nospreteridoemfavorda Argentina,
gestoextremamenteadversoa pretensa
parceriabilaterale quesó foirevertido
emfunçãoda recenteeleiçãode Alberto
Fernándeznopaísvizinho.
Mechocapensarque,comoemtantos
outrosepisódiosrecentes(apoio
brasileiroao candidatoapoiadopelos
EUAà OMPI,isençãounilateralde vistosa
americanos,abandonoda condiçãode
paísemdesenvolvimentonas
negociaçõesda OMC),façamosuma
concessãogratuitaaosamericanosem
detrimentode nossosinteresses
nacionaisde longoprazo. Entreeles,o
maissensívelparao futurodopaísse
referehojeà implantaçãoda
infraestrutura5G,tecnologia
fundamentalparaa inserçãodoBrasilna
RevoluçãoIndustrial4.0.Corremoso
riscode vernossadiplomacia
presidencialsucumbiràs pressõesde
Trumpparaquefechemosas portasà
concorrênciachinesa?Tal decisãofaria
sentidoparao Brasil?OsEUAnemsequer
dispõemaindade soluçõestecnológicas
convincentesparao 5G.Eisoutraquestão
centralqueo ensaiode Yangevocae está
ausentena críticadoItamaraty.
Notocanteao futuro, tampouco
pareceestarpresentena diplomaciaatual
umaleiturade tendênciasde longo
prazo. Faziabastantesentidobuscarum


relacionamentoprivilegiadocomosEUA
na passagemdoséculoXIXparao século
XX,quandoo paísda AméricadoNorte
emergiacomograndepotência.Um
séculomaistarde,a políticaexterna
bolsonaristabuscaa qualquercustoesse
mesmoalinhamentoa Washington,
tantasvezesfracassadonopassado.
Tal açãodiplomática, comohoje
empreendida, nãofazmais nenhum
sentido. Nummundo quetema China
comopotência econômicaemergente e
líderde inovação emdiversos
segmentosdanovaeconomia, num
sistemainternacional com diversos
polosde poder, a propalada
aproximaçãoBolsonaro-Trumpestaria
refletindo o melhorcurso de ação
internacional?Eisa questão suscitada
porYange queprecisaser
permanentementelevadaem
consideraçãona formulaçãode nossas
políticas,nosdiversos domíniosdavida
públicae privada.
O ataquemaiscontundentede Coelho
Fonsecafoidirigidoà críticaqueYang
desferiuà atualconduçãoda política
externabrasileiraparaa China.Maisuma
vez,ao fazerumadefesaburocráticado
posicionamentobrasileiro, o assessordo
chancelerarrolalistagemde ações
meramenteprotocolaresquecompõem
a pautasino-brasileira.Limito-meaquia
convidaro leitora distinguir, entreos
tantostópicosindicados,quaissãoos
itensmeramenteretóricose quais
poderiamserconsideradosde efetivo
impactoestratégicoouque,de alguma
forma,possamalterara dinâmicadas

relaçõesbilateraisou,ainda,as condições
de inserçãointernacionaldoBrasil.O
leitorteráemmãosumexemploclássico
de agendavazia,preenchidaapenasde
palavrórioinertee destituídode
substância.
Citoapenasumexemplo. Deforma
veemente,Coelho Fonsecadefendeo
atualgovernodacrítica feitaà
conduçãoda políticabrasileira para a
China, caracterizadaporYangcomo
“utilitaristae tacanha”e“destituídade
valores civilizacionais”.Aofazê-lo, o
assessor dochancelerindica, por
exemplo, quenarecente declaração
conjunta firmadapelos presidentesJair
Bolsonaroe Xi Jinping,o atualgoverno
“defendeintercâmbiomaisintensode
cientistase realização de pesquisase
projetosconjuntos emciência,
tecnologiae inovação”.
Talveztenha escapadoao
representantedoItamaratyque,
semanas apóso “compromisso”
perante os chineses,umaportaria
publicadapelo Ministérioda Educação
limitoudrasticamente as viagens de
cientistase acadêmicos,inviabilizando
qualquerintercâmbioconforme
prometido aoschineses.(A portariafoi
depois canceladadiantedos protestose
darevolta dacomunidadecientífica
brasileira, porémpersistem diversas
limitaçõespara as atividadescientíficas
e acadêmicas,numvaie vemclaro que
temosumacompletadesarticulação
entreo quese assina e o quese pratica)
O ensaiode Yangdeixa claro que
umanovarelaçãorealmente
estratégicacoma China nãopoderá
nemdeverálimitar nossasinterações
livres e soberanas com outrasnações.
Muitopelo contrário, só devemos
seguiro quepossa nosfortalecer,
inclusiveparaaumentarnosso
potencialde relacionamento com
outrospaísese regiões. Também
sublinhou que,objetivamente,os
EstadosUnidos sãonossos
concorrentes e competemconosconas
principais pautas donossocomércio
exterior, sobretudonosetor noqual
somosumagrandepotência
econômica, o agropecuário.
Outro ponto central: o queo Brasil
maisnecessitaé de investimentos,
sobretudoeminfraestrutura, tanto
urbana, enfatizada porYang,mascom

urgência emlogísticageral,incluindo
portose ferrovias,atémesmopara
reduziros custosdosnossos produtos
agropecuários e assimcompetir em
condiçõesaindamelhorescomnosso
maior concorrente,os EstadosUnidos.
Nessecontextodanossanecessidade
de investimentos,cabe indicar, em
primeirolugar, queos EUAtêmuma
estrutura econômicae institucional
onde o governonãodetémpoder
efetivopara viabilizarprogramase
projetosprodutivos.Emcontraste,a
Chinaé o país domundocoma maior
capacidade efetivapara decidire
implementar programase projetosde
investimentosobdecisão
governamental.
Emsegundo lugar, os Estados
Unidosnãotêmdisponibilidadede
capitalpróprioporapresentar, comoo
Brasil,baixíssimataxade poupança,
sendoinclusive o maior importador
globalde capital,sendoa China o seu
maior financiador, tanto público
quantoprivado;aquimaisumavez os
EUAcompetem como Brasil.
Tendoemvistaessase outras razões
objetivas, a atual política externa
brasileiraé dominada porumaposição
infantile ingênuade pensaros Estados
Unidoscomoumaredenção. Não
podemos adotarposicionamentode
entrega cega, de jurasa bandeirasde
quemquerqueseja,aindamaissendo
os EUAclaramente nossos maiores
concorrentes, mesmo que“amigos”e
parceiros emdiversos setores
relevantes.
Parecenãohavernoatual Itamaraty
a distinçãoentre a grandee a pequena
política, o retórico e o efetivo, o
burocráticoe o estratégico, o
conjunturale o estrutural, a ideologiae
os reais interessesdanação. Ficapois
aquia recomendaçãode leremo ensaio
originalde Philip Yang.

Roberto GiannettidaFonsecaé
economistapelaUSP, dirigente e
consultordaKadunaConsultoria.Foi
diretortitulardeRelaçõesInternacionais
e ComércioExteriordaFiesp;
secretário-executivo daCamex no
governoFHC(2000-2 00 2)e presidente
daFuncex (2004-2009),umdos
pioneirosnasrelaçõeseconômicasdo
BrasilcomaChina.■

NELSONPROVAZI
Canal Unico PDF - Acesse: t.me/jornaiserevistas
Free download pdf