Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-20)

(Antfer) #1

28 |Valor|Sexta-feira,20demarçode2020


L


ogo após o 11 de Setembro, o filóso-
fo francêsJean-Pierre Dupuycriou
um métodopara encarar os perigos
que a humanidadecorre,sem ser
apocalípticoe nem excessivamente otimis-
ta: o “catastrofismoesclarecido”. Para o en-
tão professorda EscolaPolitécnicade Paris
e da UniversidadeStanford, nos EUA,o fu-
turodeveservistocomoumdestinoquepo-
de ser escolhido,sobrepondo ocaminho
paraadestruiçãocomaperspectivadeesca-
par dela.Sim, ahumanidadecaminhapara
sua autodestruição,mas éolhandoesse pe-
rigodefrentequeopiorpodeserevitado.
Hoje,o filósofonão fala maisem “catastro-
fismoesclarecido”edi rige suas maiores críti-
cas aum grupode pensadoresfranceses que
dizemse inspirarem suas ideias.São os “co-
lapsólogos”,cujo nomemaiscélebre éo
ex-ministrodo MeioAmbiente Yves Cochet,
autordo livro “Diantedo Colapso”(Devant
L’Effondrement),que teve maisde 100 mil
exemplaresvendidosnaFrança.Cochetchega
aafirmar que a civilizaçãocomoaconhece-
mos vai desaparecer em tornode 2030.Para
Dupuy,previsões comoessas levamao fatalis-
mo,cujoresultadoéaparalisia.
Especialistaem filosofiadas ciências,Dupuy
estudaos paradoxosda vida modernadesdea
décadade 1970,quandotrabalhava com opa-

dre austríacoIvan Illich(1926-2002)eofi lóso-
fo austro-francêsAndréGorz(1923-2007).Nas
décadasseguintes,dedicou-seao estudodo ris-
co de uma guerranuclear.Foi pioneiroem re-
conhecera importânciado temaambiental,
tendopublicadoem 1979olivro “Críticada
EcologiaPolítica”, um comentárioao trabalho
de Gorz.Esse livro foi escritoe publicadoape-
nas em português,pela editoraCivilizaçãoBra-
sileira,de Ênio Silveira(1925-1996).Dupuyera
casadocom uma brasileirae continuavindoao
paísparavisitarumafilhaeumneto.
Nopontoemqueestamos,paraevitaracatás-
trofeserianecessáriauma mudançaprofunda
no modode vida, diz Dupuy,oqu esignificaum
aumentoprogressivodas proibiçõeseorisco de
governosautoritários.Comoavançodamudan-
ça climática,a tendênciamaisprovável é que a
humanidadeseadapteacondiçõesdevidapau-
latinamentepiores,excetoseocorreromaiorte-
mordeDupuy:umaguerrageneralizada.Citan-
do abundantementeobrasde ficçãocientífica,
passagensbíblicasemitológicas,ofilósoforesu-
me seu argumentocom um poemade T.S. Eliot
(1888-1965):o mundoacabanão com uma ex-
plosão,masumgemido.

Valor:O senhorescreveu que abdicada ex-
pressão“catastrofismoesclarecido”.Porquê?
Jean-Pierre Dupuy:Aexpressão foi mal en-

tendidaporambososlados,os“colapsólogos”e
osquechamode“otimistasbeatos”.Comoseeu
tivesseditoqueéprecisoconsideraracatástrofe
umacerteza, para que não aconteça. Mas, se
consideramosacatástrofe comocerta, não há
nadaafazer.Minhasoluçãoconsisteempensar
ofuturocomsuperposição:deumlado,acatás-
trofe, com pesofraco.De outro,escapardela,
compesomaior.Paraevitaracatástrofe,épreci-
so que a ideiaesteja presente e pensar o futuro
para nos dar a força de imaginação necessária.
Mostreiissonocasodadissuasãonuclear.Oque
impediuaguerranuclearpor75anosfoiainde-
terminação da catástrofe. Nãofoi a certeza.O
mesmovaleparaasoutrascatástrofes.
Valor:O senhorse interessou pela ecologialo-
go depoisdo primeirograndedocumentoares-
peito, orelatório“Limitesdo Crescimento”, de
1972.Oquechamousuaatençãoparaotema?
Dupuy:EutrabalhavacomIvanIllichnotema
da mobilidade. A catástrofe, o fim do mundo
numeventoraro, não era o maisevidente na-
quelemomento. Aideia era omundotermi-
nando com um gemido.Illich dizia que tería-
mos de nosadaptar acondições de vidacada
vez maisdesumanas. Viveríamospior, mas so-
brevivendo. É como na Ilha de Páscoa. Pensa-
va-se que a civilização dos RapaNui ruiu por
causa do excesso de exploração do território,
cada um tentandose dar melhorque os outros.

ENTREVISTA


Parao filósofoJean-Pierre Dupuy, é necessáriaumamudança


profundanomododevida, comproibições e riscodegovernos


autoritários.Por DiegoViana, para o Valor,deSãoPaulo


Como evitar


a catástrofe


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